Após um hiato de três anos, Sam Smith está de votla à música com seu segundo álbum de estúdio, “The Thrill of It All”. Mais uma vez acompanhado do produtor e compositor Jimmy Napes, com quem também criou grande parte do seu primeiro disco, o cantor britânico volta reptindo a fórmula que lhe garantiu uma ascensão marcada por prêmios, elogios da crítica e hits: um coração partido e a voz infalível que lhe rendeu o apelido informal de “versão masculina da Adele“.

Mas ao contrário do que aconteceu com sua estreia em “In The Lonely Hour”, Sam dessa vez não está apenas cantando sobre suas próprias (e dilacerantes) experiências amorosas. As histórias narradas em “The Thrill Of It All” passam pelas dores pessoais do artista, mas também visitam os ciclos de paixão, término, traição e sofrimento dos seus familiares e amigos. Mas ainda assim, é inegável a atração que ele continua sentindo pelos temas românticos, sejam eles com finais felizes ou não.

O primeiro single do álbum, “Too Good At Goodbyes”, já mostrava que Sam Smith voltaria espalhando seu alcance vocal por melodias deprimentes e letras onde sua vulnerabilidade é colocada à prova nas mãos de alguém menos apaixonado que ele. E, em grande parte do álbum, a impressão é que, apesar de o cantor ter tirado um período sabático para se desenvolver pessoalmente e “viver novas experiências”, o resultado continuou sendo o mesmo de antes. Faixas como “Say It First”, “Midnight Train” e “Burning”, apesar de serem lindas, envolventes e tratarem sobre outros relacionamentos, trazem também as mesmas marcas de outros sucessos como “I’m Not The Only One”, “Stay With Me” e “Lay Me Down”. Tudo está ali de novo: o medo de se apaixonar, a certeza de o amor não ser mútuo e a dor de ter que seguir em frente, mesmo a contragosto.

Entretanto, para ouvidos mais atentos, é possível entender o que esse período “longe dos holofotes” mudou em Sam: dessa vez, é ele quem abandona seu amante, mesmo que ele também sofra com tal decisão. As inseguranças com a fama e com a demonstração de seu afeto também continuam estão ali, mas há um conforto maior no que diz respeito ao fim, e isso fica audível nas produções coassinadas por Napes e por Steve Fitmaurice, outro colaborador que repete a dose do “In The Lonely Hour” e se mostra frequente nos créditos de “The Thrill Of It All”.

Em uma entrevista recente ao programa “Beats 1”, apresentado por Zane Lowe, Sam admitiu que suas partes preferidas do disco não estão nos singles e sim nas outras faixas centrais do álbum. E é exatamente nelas que encontram-se também as melhores evoluções do cantor. Ainda não há nenhum vestígio de músicas mais voltadas para as pistas de dança, como as antigas “Money On My Mind” ou as colaborações que ele executou com os irmãos do Disclosure. Mas é possível perceber, mesmo que discretamente, uma maior abrangência de temas que ou mostram facetas mais “atuais” e “maduras” de Smith ou a sua visão sobre tópicos que não estão necessariamente ligados apenas a ele.

Entre pianos e corais, Sam Smith reforça seu poder vocal com baladas emotivas em “The Thrill Of It All” (Foto: Divulgação)

“Burning”, escrita em parceria com Poo Bear (que já trabalhou com gente como Justin Bieber, Fifth Harmony e Anitta), é “a música mais pessoal de sua carreira” , como o próprio artistas anunciou em seu Instagram. A faixa começa apenas com sua voz, até que entram o piano e o coral de influência gospel no fundo, enquanto ele canta sobre a responsabilidade do estrelato, seus recentes hábitos autodestrutivos (como o cigarro e a bebida) e ainda reflete sobre o passar dos anos. É aqui que a conexão entre Sam e Adele fica ainda mais visível. Em “Million Years Ago” e “When We Were Young”, ela também apresenta uma performance vocal despida de qualquer artifício e com produção “limpa”, enquanto revive a nostalgia de tempos melhores e a mudança que suas amizades sofreram com a fama. Da mesma forma, Smith entrega versos como “É engraçado como os anos passam / Eu tinha respeito por mim mesmo/ Mas esse rio secou”.

Mas talvez o uso de um coral seja o traço mais importante a interligar os principais pontos de “The Thrill Of It All”. O truque já tinha sido utilizado em seu maior sucesso até hoje, “Stay With Me”, e aqui volta para trazer os grandes momento desse segundo álbum, como “Pray”. A música carrega uma das parcerias mais inusitadas da carreira de Sam, com a produção co-assinada por Timbaland, que também consegue inovar sem o habitual toque de hip hop que já se tornou sua assinatura registrada. É nela que Smith, após uma viagem ao Iraque, abre os olhos para o mundo ao seu redor, em um reflexão sobre guerras, Deus e esperança, seguindo os passos de artistas pop que recentemente fizeram o mesmo, como Lana Del Rey e Katy Perry.

Outra música que merece destaque no disco e aborda temas similares é “HIM”. Na balada, o artista também questiona Deus e a Igreja, mas não sobre o estado do mundo e sim sobre a forma como a homossexualidade é encarada no âmbito religioso. Enquanto defende que ama um “ele” tanto para seu pai quanto para a sociedade, Sam desafia as crenças de quem o acha pecador e afirma indignado: “Não tente me dizer que Deus não liga para nós”. Para um artista que já começou sua carreira como uma pessoa abertamente gay, a faixa chega como uma jogada natural e uma espécie de hino necessário, mas não ‘hino’ como um termo usado levianamente online, mas sim uma canção com o poder de gerar emoções e reflexões, ao mesmo tempo que cria algum tipo de conexão com o divino.

Quando diz que “Deus pode trazer seu julgamento” e “não sou o rapaz que você achou que queria”, Sam se aproxima mais de ídolos como George Michael e Elton John, os quais encontraram uma forma de utilizarem seu espaço e sua arte para questionarem e rebaterem os preconceitos que sofreram. Isso mostra que a comparação constante com Adele é um erro cometido não só pela mídia, mas também permitido por Sam Smith. Ele já demonstrou em outras ocasiões – seja na trilha de “Spectre”, que lhe rendeu o Oscar, ou na produção de “The London Sessions”, no qual assina quatro composições para Mary J. Blige – que é capaz de sair da sua zona de conforto e se espalhar por outros gêneros e temas.

Em “The Thrill Of It All”, Sam Smith repete a fórmula do sucesso de “In the Lonely Hour” (Foto: Reprodução)

Mas “The Thrill Of It All”, apesar de conter momentos impressionantes como os citados acima, ainda repete a mesmo fórmula batida de sucesso, da mesma forma que Adele fez com “25”. A essa altura, não há quem questione ou negue o poder vocal de Sam Smith. Só que ter uma voz é diferente de saber como usá-la. A boa notícia é que, apesar de ainda não ter chegado “lá”, Sam está no caminho certo.