Os estúdios Disney lançaram na última quinta-feira (23) a aguardada versão live action de “Aladdin”, 27 anos após a estreia da animação original. Mas entre um elenco de carne e osso, a direção de Guy Ritchie e efeitos visuais incríveis, um aspecto se manteve o mesmo entre as duas versões: a trilha sonora.

Criada originalmente por Alan Menken (melodia), Tim Rice e Howard Ashman (letra), a trilha sonora de “Aladdin” rendeu ao filme dois Oscars de Melhor Canção (“O Mundo Ideal”) e Melhor Trilha Original, coroando ainda mais a “renascença” das animações Disney nos anos 1990. Mais do que isso, o filme também marcou o último trabalho lançado por Ashman, que morreu por complicações do HIV um ano antes de o longa chegar aos cinemas.

Ao lado de Menken, Howard Ashman foi o grande responsável pelo sucesso que as animações Disney tiveram entre os anos 1980 e 1990. Acostumado a trabalhar com musicais da Broadway, Ashman foi fisgado pelo estúdio do Mickey e, em seu primeiro trabalho, A Pequena Sereia” (1989), já faturou um Oscar de Melhor Canção Original por “Under The Sea”.

Desde o início, ele teve total liberdade criativa para desenvolver as letras que definiriam uma geração de princesas e vilões, muitas vezes inspirando os próprios diretores e ilustradores a adicionarem cenas extras com base em seus versos. Mas o trabalho de Ashman foi interrompido cedo, após a composição de três trilhas sonoras para a Disney, duas das quais ele não viveu o suficiente para ver o resultado final.

Alan Menken e Howard Ashman recebendo o Oscar de Melhor Canção Original por "Under The Sea" (Foto: Reprodução)
Alan Menken e Howard Ashman recebendo o Oscar de Melhor Canção Original por “Under The Sea” (Foto: Reprodução)

“A Bela e a Fera”, lançado oito meses após a morte de Ashman, foi a última trilha sonora que ele concluiu do início ao fim, com a participação de seu colaborador, Menken. E, não fosse seu falecimento aos 40 anos, o mesmo teria se repetido com “Aladdin”.

Ashman foi o autor responsável pelo primeiro tratamento da animação, entregando 40 páginas com roteiro, letras e melodias (por Menken) ao estúdio em 1988. Com seu envolvimento em “A Pequena Sereia” e “A Bela e a Fera”, a Disney resolveu dar uma pausa na produção, retomando o trabalho apenas em 1990, com uma nova história.

Ainda assim, a participação de Ashman foi essencial e, no tempo que teve com o projeto, ele e Menken desenvolveram 11 músicas originais para o projeto. Os diretores Ron Clements e John Musker voavam frequentemente até Nova York para que o compositor pudesse participar do projeto ao máximo, já que, a essa altura, ele já estava debilitado pela doença.

“Humiliate The Boy”

Das músicas compostas originalmente por Ashman e Menken, apenas três entraram no corte final do filme: “Prince Ali”, escrita da cama de hospital onde ele morreu; “Arabian Nights” e “Friend Like Me”, que rendeu a última indicação deles como dupla ao Oscar. Outras vieram e foram de adaptações teatrais para a Broadway, entretanto um dos descartes é o mais emblemático no que diz respeito à relação de Ashman com o HIV e o reflexo disso em seu trabalho.

“Humiliate The Boy” (“Humilhar o Garoto”) supostamente marcaria o triunfo de Jafar ao conquistar o trono e seria entoada por ele e por Iago. A música é uma clássica “canção do vilão”, carregada de ironia enquanto Aladdin é desmascarado da sua fantasia de príncipe e revelado como apenas um garoto pobre.

“Acabaram-se os bons tempos/ Pena que eles nunca duram […] Espero que você tenha gostado, amiguinho / Porque é aqui que os bons tempos definitivamente terminam”, Jafar começa cantando, enquanto os rascunhos iniciais do desenho mostram que a cena se desenvolve até Aladdin perder todos os seus apetrechos, um a um, enquanto Jasmine, o Sultão e o Gênio assistem.

“Muitas das músicas daquela época eu consigo interpretar como ecos do que estava acontecendo [com Howard] por baixo da superfície. Como a doença o estava privando de sua força, seus sentidos e suas capacidades”, declarou Menken, em uma entrevista concedida à Vanity Fair na época do lançamento de “A Bela e a Fera”, em 2017.

A letra de “Humiliate The Boy” segue, até um ponto crucial: “E é tão rico/ É tão raro/ Tirar sua blusa, seu sapato, suas jóias / E depois vamos afinar seu cabelo […] Vamos tirar sua masculinidade aos poucos”, cantam os vilões. Para Menken, os versos são uma referência direta sobre como Ashman se sentia em relação ao HIV.

Jafar canta essa música enquanto vai tirando peça por peça de Aladdin, até que ele fica com nada. Isso se parecia muito com o que Howard estava enfrentando com a doença e a perda de suas habilidades”, declarou, em outra entrevista sobre os bastidores de suas composições com Ashman, onde afirma que Aladdin era “a grande paixão” do amigo. 

“Humiliate The Boy” termina com Iago e Jafar se deliciando ao ver Aladdin “neutralizado” e “destruído”. E, apesar de a música não ter sido lançada oficialmente, ela tornou-se um dos principais pontos para entender como o HIV afetou o trabalho de Ashman, transparecendo em metáforas nem tão subliminares assim para quem conhece sua história.

Homenagem a Howard Ashman nos créditos finais de "A Bela e a Fera" (Foto: Reprodução)
Homenagem a Howard Ashman nos créditos finais de “A Bela e a Fera” (Foto: Reprodução)

Nos créditos finais da animação “A Bela e a Fera”, a Disney prestou uma homenagem a Ashman, dedicando-lhe o filme: “Ao nosso amigo, Howard, que deu a uma sereia sua voz e a uma fera sua alma, nós seremos eternamente gratos”. No início do milênio, em 2001, ele foi formalmente reconhecido pelo estúdio, que lhe concedeu o titulo póstumo de Disney Legend (Lenda da Disney), eternizando-o no seu próprio Hall da Fama.

Hoje, quase 30 anos após sua morte, o trabalho de Ashman continua ressoando entre gerações de adultos e crianças. A nova versão de “Aladdin” foi o filme mais assistido no fim de semana da sua estreia e, grande parte da divulgação no trailer que você assiste abaixo, é feita ao som de “Friend Like Me”, o último de muitos feitos épicos de Howard: