*Texto original de Laura Mills
Na nova edição da coluna História Queer, nós vamos falar sobre Josephine Baker, uma dançarina, cantora, espiã, mãe e mulher negra bissexual. É raro identificarmos uma figura histórica de forma tão clara como essa, mas com uma ajuda de seu filho, o historiador Jean-Claude Baker, nós podemos.
Nascida em 3 de junho de 1906, em Saint Louis, Missouri, a vida de Baker sempre teve uma quantidade suficiente de obstáculos. Ao longo de sua vida, ela trabalhou como artista, ativista, militar e mãe, sem descanso. Seus problemas começaram quando ela era bastante jovem: já aos oito anos, a pequena Josephine precisava trabalhar para ajudar financeiramente sua família.
Pobre, negra e mulher nos Estados Unidos em pleno início do século XX, Josephine não era bem tratada por seus patrões. Em um de seus empregos, a patroa ordenou que ela dormisse na casinha do cachorro, além de queimar suas mãos ao menor erro cometido. Aos treze, Baker foi forçada a se casar com Willie Wells, homem mais de uma década mais velho que ela, e sem seu consentimento.
Logo em seguida, Josephine se divorciou de Wells, mas, aos 15 anos, foi novamente forçada a se casar. Isso fez com que Baker crescesse mais rápido que qualquer pessoa deveria, com patrões e homens a tratando mais como um objeto do que como um ser humano. Mas, assim como encontrou dificuldades, a jovem Baker também encontrou cedo o seu sucesso.
Aos 15, Josephine Baker foi contratada para um show vaudeville e se mudou para Nova York. Ela conseguiu um emprego para atuar na Broadway e, ao longo de sua carreira, foi eleita a garota mais bem paga do coro. No entanto, sua trajetória foi tão desgastante quanto fecunda.
A América da década de 1920 era um lugar intensamente racista para um cidadão mediano viver e, mesmo com sua fama crescente, Baker precisava lidar com esse fato aonde quer que fosse. Enquanto passou boa parte da sua vida lutando contra o racismo, incluindo entrando para o círculo de amigos de ativistas como Martin Luther King Jr., Josephine eventualmente deixou a América e se mudou para a França.
Isso não quer dizer que a Europa estivesse livre do racismo, mas Baker via na França um país mais libertador que a “Bela América”. Foi quando seu envolvimento com a Segunda Guerra começou, ao encontrar mais fama e respeito na França do que em seu país de origem.
Apesar de ter sido famosa demais para se tornar uma soldada oficial, Josephine também era conhecida o bastante para ser uma espiã. Enquanto realizava suas apresentações para os oficiais alemães, Baker escrevia as informações que havia coletado em suas partituras com tinta invisível, passando-as clandestinamente através das fronteiras em sua roupa íntima e contando com sua fama para que não fosse revistada.
Enquanto apenas esse fato era suficiente para colocá-la em perigo, o truque não foi o último de seus esforços. Baker ainda ajudou acomodar refugiados e revolucionários em sua casa, mantendo-os frequentemente por perto e camuflando-os como parte de sua banda.
Ao final da Segunda Guerra, ela foi laureada com a Croix de Guerre e a Rosette de la Résistance: duas das maiores honrarias que podem ser conferidas a uma pessoa. E, ainda assim, seu trabalho não era limitado apenas à França. Durante aquele período, Baker também fez turnês nas colônias francesas do Norte da África, onde continuou a coletar informações.
Nem com o fim da Guerra ela se silenciou. Quando o rei do Cairo pediu que ela fizesse um show para seus cidadãos, Baker o recusou, devido à falta de apoio do Egito no movimento de libertação da França. Ela igualmente fez questão de, aonde quer que fosse, não segregar seu público, algo pelo qual ela lutou desde o começo da carreira e nunca parou.
E, assim como Baker manteve o ativismo político, ela também continuou a se divertir. Ao voltar para os Estados Unidos, ela exigiu que todas as boates nas quais se apresentasse tivessem as portas para brancos e para negros (ou qualquer pessoa considerada “não-branca”). Foi nesse período também que ela conquistou novos e muitos amantes. A artista Frida Kahlo, dizem, se encaixou em ambas as categorias.
Ao longo da vida, ela também passou parte importante do seu tempo lutando pelo movimento americano de Direitos Civis. Depois do assassinato de Martin Luther King Jr., Coretta King, a viúva do Dr. King chegou a pedir para que Baker seguisse em frente como líder do movimento, em 1968. Ela, entretanto, recusou educadamente a proposta, já que estava empenhada em um novo projeto.
Baker adotou 12 crianças de todas as partes do mundo e, após divorciar-se de seu quarto marido, as criou sozinha. Isso era um enorme peso financeiro, mas foi amplamente suportado com o apoio de seus fãs, chegando ao ponto em que alguns de seus mais generosos e abastados seguidores lhe oferecessem uma ilha – o que ela também recusou educadamente, já que não queria deixar a França.
Apesar do seu notório amor pelo país, a França não foi tão generosa assim com Josephine Baker. O Governo recusou-se a ajudá-la financeiramente durante seus tempos de crise e somente retornaram ao seu lado após ela morrer, quando a transformaram na única mulher americana a ter recebido um funeral militar.
Havia, no entanto, um grupo de pessoas que nunca deixou Baker. Apesar de seus fãs permanecerem inconstantes enquanto ela se envolvia em diferentes disputas políticas, as crianças que ela reuniu de todos os cantos do mundo mantiveram-se fortes. Elas continuaram a honrar a memória de Baker e, embora muitos historiadores e biógrafos neguem que ela tenha sido bissexual, seu filho abraçou inegavelmente o rótulo, declarando que a mãe era uma “amante de mulheres” em sua biografia, sem jamais negar seus muitos casos ao longo da vida.