“Sabe quando não acontecia? Faltava o meu próprio empurrãozinho”, comenta Gustavo Rocha por telefone, sobre o vídeo que ele postou em seu canal dois dias antes, se declarando abertamente gay pela primeira vez para o público. Com mais de 10 milhões de seguidores por suas redes sociais, seu depoimento foi visto mais de 1 milhão de vezes no dia seguinte à publicação e era o mais assistido no Youtube Brasil em menos de 24 horas.
Aos 23 anos, Gustavo é um dos principais criadores de conteúdo do País, uma carreira que começou aos 17, quando ele e o irmão gêmeo, Túlio Rocha, começaram a gravar vídeos dançando juntos. À medida em que o número de seguidores dos Irmãos Rocha crescia, aumentavam também as especulações sobre sua sexualidade, que ele até então deixou em aberto, evitando dar gênero às “pessoas” com que se relacionava.
“Foi tudo muito bem pensado, eu já falava com meus amigos mais próximos há muito tempo [sobre isso]. Muita gente me criticou perguntando se precisava de uma produção tão grande, mas eu queria fazer um vídeo com um jeito mais fácil”, explica. “Até falei que estava me sentindo mais estruturado e com a mente clareada, foi o momento ideal pra gravar.” O objetivo, ele conta, foi o de “conversar com o meu público e entendermos juntos que somos todos normais”.
Ao longo dos quase 25 minutos, Gustavo se emociona, fala com a voz embargada e lembra de como sua família descobriu que ele era gay ainda na adolescência, quando vazaram fotos em que ele beijava um rapaz em Três Lagoas, cidade no interior do Mato Grosso do Sul onde nasceu. “Foi quando terminei meu relacionamento com uma menina. Eu acabei namorando [esse menino], depois mudei para São Paulo e continuamos à distância, mas não deu certo”, conta. “Eu era muito ingênuo na época.”
A exposição involuntária à própria família, como é de se esperar, mais do que invasão de privacidade foi também uma privação de se assumir na hora em que ele se sentisse pronto ou da forma como achasse melhor. Para qualquer adolescente gay enfrentando o ensino médio em uma cidade do interior, ser exposto antes da hora é um dos piores pesadelos possíveis. “Obviamente, me enfiaram num buraco e me arrancaram uma coisa que era minha. Eu não sei como teria sido se eu tivesse que contar para os meus pais”, lembra. “Mas aconteceu e, hoje, eu fico ‘ok, pelo menos me livrei disso’.”
“No dia, meu pai surtou, minha mãe surtou”, relembra. À época, eles já estavam divorciados e o choque causado tanto pela notícia quanto pela forma como ela chegou foi mais uma complicação para o processo de ser aceito e se autoaceitar. “A verdade é que desde criança eu já sabia, mas tentava não enxergar aquilo. [Minha mãe] sempre pegou no meu pé com isso, sabe? Parecia uma coisa que ela queria que eu entendesse que ela já sabia também.”
Muita gente queria me tirar do armário à força e eu não achava isso legal, gosto mais da conversa e do diálogo
O vídeo publicado este mês, ele explica, foi a forma que encontrou de finalmente se declarar gay no tempo certo e da maneira que queria. O objetivo principal foi “nunca mais mentir, porque não queria mais ser chamado de mentiroso”. A “mentira”, entretanto, só foi contada pela última vez em uma entrevista dele e do irmão ao canal de Felipe Neto, em 2015, e desde então Gustavo evitou dar uma resposta específica sobre relacionamentos, referindo-se sempre a “pessoas”.
“Muita gente queria me tirar à força e eu não achava isso legal, gosto mais da conversa e do diálogo. Tanto que pros meus pais foi mais complicado… Sempre procurei conversar muito. Tem muita coisa que acontece que eu não vou ficar falando em vídeos e acho que também não vem ao caso”, diz. “Naquele momento da minha vida, eu não tava muito pronto.”
Gustavo conta que, como a grande maioria de nós, sempre soube que era gay, desde quando estudava no Jardim de Infância e preferia trocar selinhos com os amigos. (“Era ingênuo, mas eu gostava.”) Na adolescência, ainda que se relacionasse com garotas, o interesse pelo mesmo gênero continuava ali. “Eu gostava de meninas, me apaixonei inúmeras vezes e tive relações sexuais com mulheres até os meus 18 anos de idade, mais ou menos. Mas quando tinha uns 14, 15 anos, comecei a conversar com os meninos da minha sala tipo ‘estou a fim de ficar com você’, sabe?”.
Na época, ele ainda morava em Três Lagoas e as tentativas que fez com os meninos não deram muito certo. “A situação em si era difícil. Todo mundo fala de todo mundo, todo mundo se conhece. Eu era muito reprimido, na minha, se eu gostava de um menino eu não podia chegar nele. Houve inúmeros episódios lá que as pessoas fofocavam sobre mim”, lembra. “Era um surto, caótico.”
Quando vazaram suas fotos beijando outro rapaz na cidade, a única pessoa com quem ele conseguiu se abrir foi a irmã mais velha, Thamires, que alguns meses antes tinha contado para os pais que é lésbica. “Até então, eu não tinha com quem conversar. Era algo que ficava só na minha cabeça.”
Nunca deixei de viver a minha vida, mas também não era algo público
Quando se mudou para São Paulo, Gustavo conta que o clima de diversidade da capital fez com que ele se sentisse mais livre, mesmo que o crescimento do seu público tenha sido intimidante a princípio. “Por dois ou três anos, eu era muito bitolado e pensava que não poderia beijar ninguém porque senão sairia uma foto ou alguém postaria um print da conversa. Era uma coisa que eu queria muito esconder. Depois, comecei a não me importar mais. Eu sabia que ia chegar o momento de conversar sobre isso. Procurei não esconder, sendo eu mesmo e feliz do meu jeitinho. Namorei quatro garotos e ninguém sabe. Nunca deixei de viver a minha vida, mas também não era algo público.”
Uns dos comentários mais frequentes nas redes de Gustavo era sobre o quanto ele parecia afeminado, um traço que tentou controlar desde cedo. “Na adolescência, eu tentava retrair qualquer coisa que achasse um pouco afeminado. Depois, comecei a perceber que as pessoas tentam inferiorizar quem é afeminado ou ‘tá desmunhecando’. Se é o machão, ok. Mas olham pra quem é afeminado como se fosse alguém de um mundo paralelo. Hoje, entendo que isso não é nenhum problema, sou eu sendo eu mesmo. Eu não gosto dessa ideia de uma tabelinha de afeminado, então não me importo com essa questão”, explica.
Dentre os mais de 18 mil comentários que o vídeo já rendeu no Youtube e as muitas respostas e debates que gerou nas redes sociais, Gustavo acredita que a maior parte dessa repercussão foi positiva. Ele conta que não recebeu apenas carinho e aceitação dos fãs e seguidores, mas também depoimentos de pessoas que se sentiram inspiradas no seu vídeo e decidiram se abrir sobre suas sexualidades para as próprias famílias. “É disso que eu tô falando. Que elas vejam e se sintam inspiradas, olhem com carinho e respeito e conversem com a pessoa ao lado”, comemora, dizendo que esse era um dos seus principais objetivos.
Do outro lado dessa moeda, uma parte da militância virtual LGBTQ criticou Gustavo pela forma como ele se declarou, o envolvimento da Calvin Klein em um dos vídeos e como ele não teria “sofrido suficiente” ao se assumir. “Recebi tantos comentários de críticas LGBTQIA+ que isso me faz pensar se a gente tá do mesmo lado. A ideia não é fazer o máximo de pessoas se assumirem e mostrar pra sociedade que isso é normalizado? Não é legal incentivar isso? Acaba sendo hipocrisia. É um passo de cada vez, sabe? Respeita o momento do coleguinha.”
É um passo de cada vez, sabe? Respeita o momento do coleguinha
“Recebi muitas mensagens de gente dizendo que foi espancada quando contou pros pais e que eu não sei o que é isso. Mas uma dor não diminui a outra. Não é porque não passei por isso ou aquilo que não sofri também”, explica. “Muita gente veio me cobrar coisas que talvez não seja minha responsabilidade, mas que eles acham que seja. Quando estruturei esse vídeo na minha cabeça, não havia marca nenhuma, era só eu. Daí, pensei ‘vou ter que estar de cueca no fashion video’. Por que não chamar uma marca parceira que eu goste? Eu chamei a Calvin Klein por uma questão de amizade e carinho que eu tinha com eles. Quando vi que eles lançaram a linha #‘ProudInMyCalvins, poxa, pensei que era perfeito pra mim. ‘Ah, mas ele tá usando a causa pra ganhar dinheiro.’ Nós somos parceiros, não to pedindo dinheiro pra fazer esse vídeo.”
Mesmo com todas as críticas e comentários negativos, Gustavo conta feliz ao telefone que prefere focar no impacto positivo que o vídeo pode ter e teve, tanto para os seus seguidores como para ele: “O que eu queria muito passar eram as dores que um LGBTQIA pode sentir e encorajar o coleguinha do lado. Gosto de meninos, nasci dessa forma e vou morrer desse jeito. As pessoas não ‘viram’ gays, lésbicas ou trans. Elas são o que são.”