A representação da comunidade LGBTQ+ no mercado editorial brasileiro será tema de dois debates na Casa Philos, sexta e sábado (27 e 28), durante a 16ª edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. Com apoio da Estante Virtual e curadoria de Jorge Pereira, editor-chefe da Revista Philos, a programação integra o tema geral“Escrevendo nas margens: visibilidades e visualidades”, que se estende com debates sobre literatura negra contemporânea, artes visuais, diversidade, literatura LGBTQ+, mercado editorial e memória, reunindo mais de 60 convidados.
Na sexta, a partir das 10h, o tema é “As novas fabulações da figura paterna”, com as presenças de Mike Sullivan (“Corpo Sepulcro”), Diogo Luiz Yamanishi (“Nenhum Reino”), Rafael Zveiter (“Correspondências de um invisível”) e mediação de Alexandre Rabelo (“Nicotina Zero”). Já no sábado, às 14h, a discussão será sobre “As novas representações da mulher na literatura brasileira”, em debate com Ana Luiza Libânio (“História de Carmen Rodrigues”), Julia Mascaro (“Vento das Pedras”) e Paula Fábrio (“Desnorteio”), mediado por Cristina Judar (“Oito dos Sete”).
Abaixo, falamos com o curador Jorge Pereira sobre a importância de pluralizar as narrativas dentro do mercado editorial e trazer à superfície histórias muitas vezes encaradas como “minoritárias” ou “periféricas” que, por imposição de um mercado ainda elitista, acabam não encontrando espaço no circuito comercial da literatura nacional. A conversa ainda passou também pelas formas como a própria comunidade LGBTQ+ replica um sistema de representação limitado e excludente, muitas vezes refletindo inconscientemente a norma de padrões pré-estabelecidos. Confira abaixo:
Híbrida: Qual o ponto-chave na hora de fazer a curadoria para a Casa Philos e o “Escrevendo nas margens”?
Jorge Pereira: Nossa temática é “visibilidade e visualidade”, falando sobre realidades periféricas de grupos que são vistos como minoria, mas são realmente a maioria da população no país. Trouxemos a literatura marginal, tentando reconstruir esse termo. A ideia foi pensar numa casa diversa, trazendo temáticas sociais pertinentes e questõs que são tratadas tanto na Revista Philos como no âmbito social – políticas públicas, diálogos, questões relacionadas à democratizaçao da democracia e a ampliação de narrativas, por exemplo.
H: Qual a importância de debatermos esses temas especificamente na literatura brasileira e não apenas no social?
JP: Quando a gente olha para o mercado editorial brasileiro, vemos que ele é formado em sua maioria por homens brancos e heterossexuais – o mesmo grupo que o mercado e a sociedade acham que precisa ser lido. E sabemos que não há uma questão social envolvida nesse debate, exatamente por ele ser algo sempre feito pela elite branca. Precisamos mostrar que também existe a literatura feita por “minorias”, por isso as questões da visibilidade. Nós temos vários movimentos independentes, segregados ou não, mas que no fim dialogam entre si. Trabalhar a literatura e a coesão social é dar voz a essas margens.
H: Em relação à própria comunidade LGBTQ+, como podemos encarar a necessidade de ampliarmos essas narrativas dentro do próprio movimento?
JP: A proposta de uma das mesas (“As novas fabulações da figura paterna”) pensamos a partir da literatura LGBTQ+ e essa figura do homem gay como a pessoa que vai ser expulsa de casa, assassinada, vivendo infeliz e morrendo de HIV. Qual o papel que nós gays temos para mudar essa figura, principalmente da figuração paterna? Por que sempre existe esse entrave entre pai e filho? Por que a figura paterna é tão importante ou especulativa nesse momento, partindo de um ideal ou de um inconsciente? Queremos colocar o dedo na ferida causada pelo social e até na replicação de uma postura feita por nós gays.
Já na mesa sobre “Novas representações da mulher na literatura” abordamos as mesmas questões pelo olhar das mulheres, porque na literatura lésbica temos uma perceptividade maior nessa questão. Como é a pertinência da literatura lésbica na literatura do movimento atual? E também é importante pensarmos em representações de mulheres trans.
H: Estamos em um momento onde pautas como representatividade e inclusão estão mais fortes do que nunca. Como você vê a inclusão desses temas na literatura nacional? Acha que o mercado tem se mostrado mais receptivo para essa pluralidade de narrativas ou ainda é um avanço difícil?
JP: Sendo bem sincero, o mercado editorial ainda não consegue abrir as portas para a diversidade. Quem faz esse movimento são as revistas literárias. O que a gente tem de movimento independente é mais forte que o mercado em si, por exemplo. Principalmente sobre literatura voltada para o mundo trans – se é difícil para uma escritora lésbica, é mais difícil ainda para a trans, até porque existe segregação dentro do próprio movimento LGBTQ+. Como a literatura gay sendo vista como universal, sem incluir por exemplo a perspectiva do gay negro. Há sempre uma pertinência que precisa ser levada em consideração.
Confira aqui a programação completa da Casa Philos durante a 16ª edição da FLIP.