O fotógrafo Pedro Stephan registra a cena LGBTQ desde o início dos anos 1990, capturando desde a euforia das Paradas do Orgulho até a intimidade dos romances em espaços tradicionais, como o Buraco da Lacraia, na Lapa. Nesta quinta-feira, 24, ele estreia a mostra “Sempre Gay”, ao lado de Eduardo Maphea, Bia Leite e Liz Under na galeria Transarte, em São Paulo, com a série “Lâmpadas de Mercúrio”, na qual mira suas lentes para um dos pontos mais frequentados e menos falados do universo gay carioca: o Aterro do Flamengo, ponto de cruising tradicional na Cidade Maravilhosa.
“Bom, em primeiro lugar eu fui criado e sempre morei em frente ao Parque do Flamengo. Conheço cada grão de areia dali”, explica o fotógrafo, acrescentando que, dos anos 1980 ao início do milênio, o local era seguro, deserto e frequentado tanto por casais de namorados quanto pelos “gays do cruising“. Em “Lâmpadas de Mercúrio”, seu objetivo foi exatamente mostrar o romance homoafetivo que floresce entre as árvores e sombras do jardim projetado por Roberto Burle Marx.
Depois de ter observado a evolução dos espaços LGBT através das décadas, levado seu trabalho para a Espanha, Alemanha e Itália, onde expôs uma coleção de fotos sobre Luana Muniz, a Rainha da Lapa, Pedro fala com a Híbrida sobre a evolução da cena, os registros que capturou ao longo dos anos e mais. Leia a entrevista abaixo:
Híbrida: Quando começou a fotografar a cena LGBT? E por que decidiu focar seu trabalho nesse tema?
Pedro Stephan: No inicio dos anos 1990, perdi muitos amigos jovens por causa da epidemia de AIDS. A década começou e havia uma nova geração sem medo de sair do armário, consciente da sua orientação sexual, mas completamente desinformada de seus direitos. Nessa época, as gangues de pitboys linchavam os LGBTs; na Baixada Fluminense, havia tiro ao alvo a travestis; e, dentro da comunidade homossexual, começava um surto de ‘Boa noite, Cinderela’.
Fotografar foi um ato de revolta contra o inferno que nossas vidas haviam se transformado; minha maneira de lutar contra o preconceito e ajudar na construção da nossa cidadania
Fotografar foi um ato de revolta, minha maneira de lutar contra o preconceito e ajudar na construção da nossa cidadania. Depois da liberdade que vivemos nos anos 80, isso era aterrador. Eu estava revoltado com o inferno que nossas vidas haviam se transformado e entrei para a militância, através do Grupo Arco-Íris, ainda em seus primórdios. A convivência com a militância foi transformadora para o meu caráter. Naquela época, escrevia e fotografava para jornais do Sul, mas comecei a fazer isso para a imprensa LGBT. Em alguns anos, montei um portfólio com essa temática.
H: Como tem sido acompanhar e registrar tanto a evolução quanto os retrocessos da comunidade?
PS: Minha geração usufruiu de uma liberdade que veio da revolução sexual dos anos 1970. Nós éramos pra ser a geração da “cuca legal” – liberada, livre e sem preconceitos. Mas veio a AIDS e, com ela, a destruição de quase tudo o que havia sido plantado. O ódio homofóbico renasceu mais violento. De 1990 até o inicio do milênio, apesar dos tropeços, competições, traições e arrivismos dentro da nossa própria comunidade, conseguimos consolidar nossa cidadania. Depois dessas conquistas, temos hoje um período de retrocessos, de embate e resistência. Minha vida inteira foi isso.
Sou um homem maduro e tenho que conviver com situações que, por eu já ter lutado, considerava como superadas. Mas não. Por um lado, isso é muito duro. Mas por outro, nos traz a consciência de que nenhuma conquista é permanente, sempre com a vigília por nossos direitos e cidadania.
H: Qual a principal diferença entre fotografar espaços LGBTs nas décadas passadas e hoje?
PS: Em 2005, eu fiz o ensaio “Entre Amigos & Amores – Os Espaços LGBT do Rio”. Como era da militância e repórter do Mix Brasil, foi um pouco difícil entrar no “gueto” e fotografar, principalmente quando não havia celular e as boates tinham alergia a câmeras. Depois disso, tivemos um período de muita liberdade que consegui fotografar bastante. Agora, com toda essa opressão e medo social, voltamos a uma situação análoga ao que já: pessoas com muita desconfiança e medo, além dos lugares voltaram a fechar.
H: Quais lugares resistiram como ponto de referência LGBT ao longo desses anos?
PS: Em São Paulo, muitos locais fecharam, como os Jardins, que era um foco de bares e boates. No Rio, idem. Aqui, vejo ainda como referência os locais onde a ocupação foi uma conquista: Avenida Paulista, Largo do Arouche, o shopping “GayCaneca”, Parque Ibirapuera etc.
H: Em “Lâmpadas de Mercúrio”, você fotografa um dos lugares mais famosos de cruising no Rio. Como foi a logística de segurança na hora de fotografar? Teve medo de alguma abordagem?
PS: Levei um segurança armado, porque foram várias noites fotografando no Aterro. Mas, como se diz aqui em SP, foi muito suave.
H: Por sinal, qual lugar/espaço/momento considera o mais difícil de fotografar até hoje? E qual foi o melhor?
PS: O melhor foi quando as Paradas estouraram. Era um delírio, inclusive já fotografei machucado ou até mesmo sob a chuva, mas fazia aquilo tomado por uma emoção indescritível. O mais difícil é hoje.
H: O que você gostaria de fotografar que ainda não conseguiu?
PS: Tenho vários projetos para São Paulo, um deles é o de fotografar os espaços em que travestis trabalham como cabeleireiras e esteticistas, com suas clientes também travestis. Historicamente, estes foram os primeiros empregos que elas tiveram fora da prostituição. Mas, pelo medo que vivemos hoje, mesmo tendo feito vários contatos não consegui continuar com a obra, que está parada.
A exposição “Sempre Gay” fica em cartaz entre 24 de outubro e 14 de dezembro, na galeria Transarte.