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CINEMA & TV

“Abrindo o armário” narra os prazeres e as lutas de ser LGBT no Brasil

Chega hoje aos cinemas “Abrindo o armário”, documentário escrito e dirigido por Dário Menezes, em parceria com Luiz Abramo. Através do recorte de 16 personagens, o longa lança uma investigação sobre quais aspectos do universo LGBT evoluíram ou não ao longo das últimas décadas no Brasil, ao mesmo tempo em que mergulha no processo de autoaceitação dessas pessoas. Com exibição em 19 cidades, sempre a preços especiais (R$12 a inteira e R$6 a meia), o filme traça um panorama sobre a persistência de problemas intrínsecos à comunidade, mesmo sob a luz dos avanços recentes. “Não é só para registrar o momento e o movimento de quem saiu do armário, ou como foi o processo. Quero mostrar para quem está fora [do armário] como é lá dentro e encorajar as pessoas a se assumirem”, comenta Dário, em entrevista à Híbrida.

A ideia para o filme surgiu exatamente da dualidade entre conquistas significativas na comunidade, como a regulamentação do casamento homoafetivo, e os casos recorrentes de agressão e execução de pessoas LGBTs no Brasil. “Ele nasceu como ideia no início de 2015. Uma noite, eu estava lendo jornal e me dei conta de que, nas últimas quatro semanas, os assuntos do universo LGBT estavam na primeira página da imprensa não só nacional, mas mundial”, Dário conta.

Udylê Procópio durante a performance "Madame Satã", em "Abrindo o armário" (Foto: Divulgação)
Udylê Procópio durante a performance “Madame Satã”, em “Abrindo o armário” (Foto: Divulgação)

Com isso em mente, o diretor usou sua experiência de 33 anos na TV – a maior parte deles à frente do “Fantástico”, na Rede Globo – para desenvolver um filme que traçasse paralelos entre as diferentes gerações e seus respectivos problemas, persistentes ou não. “Senti que precisava usar minha experiência de audiovisual e a minha experiência pessoal e individual. Aí eu comecei a me ligar que queria contar a história da minha geração, a minha história, através do depoimento de pessoas que viveram as coisas que eu vivi”, ele expica, acrescentando que “Cada um dos personagens fala de algo que a minha geração passou e de algumas coisas que não foram resolvidas, nem pelas pessoas mais jovens”.

Entre esses personagens, estão Linn da Quebrada e Jup Pires (a Jup do Bairro), que lideram o escopo temático do filme no que diz respeito à fluidez de gênero e às identidades não-binárias, tanto através de suas músicas como através de seus próprios relatos e experiências; Marlon Parente, autor do webdocumentário Bichas”, que dá um depoimento dolorosamente sincero e necessário sobre a imposição da masculinidade, a limitação de representatividade na mídia e o ato político em se assumir como gay em meio à homofobia do Brasil; enquanto nomes como o do escritor João Silvério Trevisan, Ulisses de Andrade e do diretor Fabiano Canosa entram com relatos de como a Ditadura Militar e a epidemia do HIV afetaram a comunidade, ajudando a abrir ainda mais o leque de vivências possíveis e problemas enfrentados pelos gays.

Ao lado de Jup Pires, a Jup do Bairro, Linn da Quebrada ajuda a traçar um panorama sobre as identidades de gênero não-binárias em “Abrindo o armário” (Foto: Divulgação)

E, no que diz respeito a essas dificuldades, nenhuma delas parece mais universal e simultaneamente individual do que o ato de se assumir – ou, como bem pontua a drag queen Viper Venomous, “se declarar” – como homossexual, tanto para si mesmo quanto para os amigos, para a família e para a sociedade. Nesse ponto, os depoimentos de Artur Francischi e Evandro Diegues funcionam como um soco no estômago por ilustrarem exatamente dois dos piores cenários possíveis, citando tanto casos de agressão familiar quanto a repulsa, a culpa, o remorso, a dúvida e o autoflagelo impostos pelo próprio indivíduo ao longo do processo e autoaceitação.

Claro, como o objetivo do documentário é mostrar as diferentes possibilidade de uma vida “fora do armário”, o filme também tem momentos divertidos, leves e com mensagens de esperança ao longo de seus quase 80 minutos. Através da história de Gilberto Scofield Jr.Rodrigo Barbosa, temos contato com um casal comum, constituindo uma família feliz e saudável; Sergio Bright e Luiz Carlos Rossi mostram a diversão e a liberdade de expressão das baladas LGBTs e do senso de comunidade que elas criam; o gamer Gabriel Kami divide o seu próprio processo de aceitação e como usa a sua plataforma de influenciador para ajudar outras pessoas na mesma posição; e a dupla Ciro Barcelos e Bayard Tonelli lembram a irreverência transgressora dos Dzi Croquettes e toda a sua influência em plena Ditadura Militar.

Em “Abrindo o armário”, Bayard Tonelli relembra a transgressão irreverente dos Dzi Croquettes em plena Ditadura Militar (Foto: Divulgação)

“O que eu quis mostrar com esse título é que, ao escolher o ‘abrindo’, você joga uma luz não só no movimento, mas também estimula que essas pessoas se assumam para serem felizes. Hoje as pessoas têm mais facilidade de se assumir? Sim, mas ainda há dificuldades. Vamos batalhar para consolidar esse avanço e não permitir que as ameaças de retrocesso vençam, porque nenhum gay consegue ser feliz sem se assumir. A gente só quer respeito e o direito de ser feliz sendo quem é”, declara o diretor.

Com a intenção de mostrar como é o mundo “dentro e fora do armário”, Dário acaba traçando um panorama abrangente das várias formas em que a masculinidade é imposta na nossa cultura, mais do que retrata o universo LGBT como um todo, já que não vemos a presença de lésbicas ou mulheres bissexuais dentre os personagens. Não à toa, o filme já abre com uma frase emblemática de Madame Satã: “Eu sempre fui viado, mas nunca deixei de ser homem por causa disso”. São os efeitos dessa mesma heteronormatividade, nociva a homens, mulheres e pessoas não-binárias, que desencadeiam e permeam os relatos que o público testemunha ao longo do documentário.

A drag queen Viper Venomous durante seu depoimento em “Abrindo o armário” (Foto: Divulgação)

A grande espinha dorsal de “Abrindo o armário” é essa pluralidade de expressões e experiências de quebra da heteronormatividade, narradas por pessoas de diferentes gerações, origens, gêneros e cores, todas lidando com o que se espera de uma vida “assumida”. Nisso, os 16 depoimentos do filme servem como um ótimo lembrete de que, apesar dos poucos avanços, ainda temos muito o que progredir. Um lembrete de que é essencial sairmos tanto da nossa bolha social e territorial quanto da bolha online, a qual nos serve como um “espaço seguro e de acolhimento” na maior parte do tempo, já que lá fora, no mundo real, bichas ainda são agredidas e ridicularizadas, pessoas trans ainda seguem sendo assassinadas. Mas ao mesmo tempo, serve também como um lembrete de que é possível sobreviver, resistir e ser feliz no final.

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