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“Copa 181” leva respeito e felicidade à telona: “Não dá pra ser feliz querendo mudar a vida do outro”

Durante o Festival do Rio, a sessão de “Copa 181” no último domingo (08/10) demonstrou que viria com um tom político desde o princípio. “Censura nunca mais!”, disse Dannon Lacerda ao introduzir seu primeiro longa-metragem que, dentre as idas e vindas do cotidiano, entrelaça a história de seu três protagonistas: o funcionário de uma loja de materiais de construção, Taná (Carlos Takeshi); a travesti Kika (Silvero Pereira) e a cantora de ópera Eros (Simone Mazzer). “Estamos vivendo um momento totalmente conservador”, disse o ator Gabriel Canella  (que no filme interpreta o gigolô Davi), durante o debate realizado com a equipe após a exibição. “Os nossos direitos e a arte estão sendo proibidos na sociedade. A gente tem que lutar agora, e é isso que o filme faz, porque fala de tolerância e respeito”, pontuou, citando a repressão causada à performance do artista Wagner Schwartz no MAM, de São Paulo.

A equipe de “Copa 181”: Ivan Gomes, Caetano O’Maihlan, Fernanda Boechat, André, Simone Mazzer, Dannon Lacerda, Carlos Takeshi, Sergio Coelho, Breno Guimarães e Gabriel Canella, durante a estréia do longa no Cinépolis Lagoon (07/10) (Foto: Marina Calderon | Divulgação)

“Esse é um filme sobre respeito e que foi registrado num ambiente assim. É sobre respeito às diferenças, à individualidade e à vida de cada um. É sobre a felicidade, e a felicidade é de cada um”, disse Takeshi. Nos primeiros minutos do longa, começamos a compreender o que ele quer dizer: seu personagem aparece como alguém contente, embora aparentemente comedido. Sua rotina é vista como o típico dia-a-dia pacato: das xícaras de café ou chá compartilhadas com a esposa (Eros) ao momento em que ele vai à sua loja (sequências essas que, muito bem captadas por Lacerda, poderiam ser um curta à parte, mesmo que apresentem apenas o cotidiano quase rotativo daquele homem). Mais tarde, após os créditos iniciais, entramos com Taná num ambiente que ainda pouco conhecemos, mas que será o responsável para que percebamos o verdadeiro sentido de felicidade para ele e para outros ali presentes.

Frequentada pelo protagonista, alguns gigolôs fixos e outros senhores de meia-idade, o ambiente é a saúna gay Copa 181 (daí o título), um dos cantinhos escondidos de Copacabana. Como um refúgio para os seus clientes, a Copa 181 se mostra um local de expressão, uma espécie de palco criativo que serve tanto para Taná – quem nos apresenta a ela numa espécie de sonho-, quanto para Kika, que está mais próxima à plenitude quando canta do que quando limpa o local ou é importunada por Leo (Caetano O’Maihlan).

A escolha de uma sauna gay como cenário principal (e até mesmo como personagem) é um tanto quanto atípica, não só para o panorama nacional. “Ela nasceu desse desejo de mostrar um microcosmo que muitas pessoas não teriam acesso se não vissem o filme”, disse o diretor, que quebrou os próprios preconceitos durante o estudo do ambiente: “No início, eu achava que era um lugar só sacanagem, mas tem gente lá que vai fazer terapia, vai conversar.”

Silvero Pereira está irradiante como Kika, funcionária e performer na sauna gay (Foto: Reprodução)

“Esse é um filme extremamente importante para o que estamos vivendo. Eu acho que, felizmente, a arte ainda é a maior arma que temos para quebrar a cabeça de quem, em 2017, não consegue verticalizar determinados assuntos. Quanto mais tivermos a arte ao nosso favor, mais teremos esperança em uma humanidade melhor”, endossou eloquentemente Silvero, que acaba de retornar com a aclamada “BR-trans” aos palcos do Rio, no teatro Maria Clara Machado, embalado pelo sucesso de sua estreia na televisão com “A Força do Querer”.

A história de Kika, diga-se de passagem, também é uma história sobre resistência. Citada diversas vezes como uma travesti apunhalada pela vida, ela não se enfraquece mais diante das adversidades. Quando a vimos performar na saúna, percebemos que o palco é o momento em que mais se sente radiante. Méritos da performance luminosa de Silvero, que compartilha com a personagem a paixão pela ribalta: “A arte me salvou de muita coisa. Se me tornei artista, foi porque encontrei na arte a possibilidade de me salvar”.

Eros, por outro lado, talvez seja a protagonista menos desenvolvida no que diz respeito à mensagem central e conclusiva do longa – a tal felicidade de maneira particular. Ainda assim, ela se sobressai graças à interpretação de Mazzer – seja pelo impressionante alcance vocal explícito nos ensaios que a desgastam psicologicamente, ou seja pela expressividade de sua performance final, que funciona como catarse para a vida conjugal com Taná.

Simone Mazzer, expressiva e impressionante como Eros, em cena importante do filme (Foto: Reprodução)

Com apoio do Centro Técnico do Audiovisual – CTAV e de um crowdfunding online, “Copa 181” é um filme de baixo orçamento, mas que não deixa isso implicar na sua qualidade. “Eu acho que nunca devemos esmorecer diante de um projeto. Se ele é de baixo orçamento ou não, isso não importa. Os tempos estão difíceis, então temos que ir em frente. É baixo orçamento, mas com qualidade porque vocês merecem”, disse a produtora Marina Trindade sobre realização do projeto.

“Não dá pra ser feliz querendo mudar a vida do outro. Eles sabem como serão felizes e eu sei como vou ser feliz. É isso que o filme mostra”, enfatizou Takeshi. Divertidamente, “Copa 181” reflete (e nos chama para refletirmos com ele) sobre a subjetividade inerente no que cada um considera como sinônimo da mais verdadeira felicidade. Assim, o filme se torna mais um ótimo exemplar do cinema nacional, que enfrenta tempos tão difíceis nas repreensões artísticas pelo país. É uma análise de compreensão e, acima de tudo, uma veneração sobre a tolerância e o respeito.

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