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Cinema brasileiro LGBTI+ faz sucesso no Festival Pink Apple, da Suíça

Quatro produções brasileiras são exibidas na 25ª edição do Pink Apple, festival de cinema queer na SuíçaMarte Um, do diretor mineiro Gabriel Martins; Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre; o curta Inabitável, de Enock Carvalho e Matheus Farias; e Matar a La Biesta, coprodução entre Brasil, Argentina e Chile assinada pela diretora Augustina San Martin estão na programação que pode ser vista até a próxima quinta-feira (5) em Zurique e dos dias 6 a 8 de maio em Frauenfeld.

Em 2022, o Pink Apple celebra seu aniversário de 25 anos e para a comemoração lança a plataforma Quuer Films, que une produções de cineastas suíços, além de rodas de conversa sobre diversidade. Para essa edição, a programação selecionou 50 longas e 28 curtas-metragens entre mais de 500 títulos inscritos.

“Em diversos lugares, a vida dos LGBTQIA+ está em perigo”, diz Andreas Bühlmann, um dos diretores do Pink Apple. O festival promove um painel de discussões com cineastas e com outros realizadores de festivais na Polônia, Hungria e Eslovénia – país que, a propósito, teve o primeiro evento desse tipo na Europa, o Ljubljana LGBT Film Festival, fundado em 1984. “Estamos descobrindo onde a luta também continua e como nós, na Suíça, podemos ajudar.”

É comum ver o logo da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e do Fundo Setorial do Audiovisual, mas essa prática será cada vez mais escassa. A diminuição do apoio público a projetos de temática LGBTI+ tem sido uma bandeira levantada desde o início pelo presidente Jair Bolsonaro e mantida pelo ex-secretário especial de Cultura, Mário Frias.

Entre 2017 e 2020, ao menos 35 médias e curtas-metragens brasileiros foram exibidos nos festivais de Sundance, nos Estados Unidos; em Roterdã, na Holanda; e no Berlinale, na capital alemã. Levando em consideração que a produção de cinema leva, por vezes, alguns anos, os filmes brasileiros exibidos no Pink Apple são parte da última safra de filmes produzidos com incentivo do governo federal.

Criado em Frauenfeld, no Cantão suíço Thurgau (conhecido como terra das maçãs) em 1998, o Pink Apple chegou a Zurique no ano de 2000. Durante a fundação do evento, a união entre pessoas do mesmo gênero começava a ser discutida no país, o que também gerou protestos de cristãos fundamentalistas contra o festival, com slogans como “O que diria Jesus sobre isso?”.

Essas uniões só passarem a ser autorizadas de fato um pouco mais tarde, em 2007. E agora, desde 26 de setembro 2021, o casamento é um direito adquirido por LGBTIs na Suíça.

Destaque brasileiro no Pink Apple

Marte Um, de Gabriel Martins, é fruto da produtora mineira Filmes de Plástico, de onde saíram filmes como Temporada (2018), de André Novais Oliveira com Grace Passô e Karine Telles no elenco; e No coração do Mundo (2019), de Gabriel e Maurilio Martins.

Marte Um, de Gabriel Martins [Foto: Divulgação]
Marte Um, de Gabriel Martins [Foto: Divulgação]
Na trama, a vitória de Bolsonaro em 2018 é o ponto de partida da narrativa que tem uma família negra de classe média baixa como personagens centrais. Deivinho (Cícero Lucas) sonha em se tornar astrofísico, mas seu pai, Wellington (Carlos Francisco), deseja que o filho se torne jogador de futebol. Um fato inusitado abala Tércia (Rejane Faria) e faz com que a mãe pense a sua existência e confronte a si mesma com a ideia da morte. Eunice (Camilla Souza), a filha mais velha, é estudante de direito em uma universidade pública e planeja morar com a namorada Joana.

Ao longo de seus 115 minutos , Marte Um foi recebido com aplausos na sexta (29), na sala 1 do cinema Movie, em Zurique. “Uma carta de amor aos brasileiros”, é assim como Gabriel Martins define o seu primeiro longa solo.

 

Reação do público no Pink Apple

“Foi tocante ver o contexto dos personagens. Essa é uma realidade do Brasil”, relata a brasileira Yasmin Graff que assistiu ao filme com a esposa Anna. “O pai acredita que o filho só alcançará o sucesso como jogador de futebol, o que pode parecer cômico na Europa, mas no Brasil não é”, destaca. “As cenas do casal Eunice e Joana foram bonitas de ver.”

Marte Um, de Gabriel Martins [Foto: Divulgação]
“O filme mostra como a vida é difícil para pessoas com baixa renda”, diz a suíça Anna Graff. “Embora a situação de pessoas LGBTQIA+ tenha piorado com o Bolsonaro, o filme não mostra essas dificuldades, mas uma relação de amor entre mulheres sem estereótipos, o que é positivo”, elogia.

O filme já foi exibido em Sundance e no Festival de Cinema de São Francisco. Neste último, recebeu o prêmio do público de Melhor Filme. No Brasil, Marte Um tem estreia prevista para o próximo agosto.

Três tigres tristes

Já manhã de sábado (30), Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre, teve sua estreia em Zurique. O longa já foi apresentado na última Berlinale e é ganhador do Teddy, prêmio entregue às melhores produções LGBTI+ exibidas durante o tradicional festival alemão.

Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre [Foto: Divulgação]
Pedro, após a morte do namorado, vive do dinheiro que faz com as lives eróticas e dos programas com homens mais velhos. Já Isabella é uma jovem obstinada a passar no vestibular e se prepara para o ENEM, enquanto Jonata vai até São Paulo fazer um teste de HIV. “É um filme bonito, é potente como o HIV é relatado no longa”, comenta Roland Loosli, fundador do Pink Apple.

Durante a estreia em Berlim, o diretor disse que “teve que adaptar o roteiro escrito, pois estava pronto para filmar, quando a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil”. Ele comentou que “não era uma boa ideia fingir no longa que não estávamos em uma pandemia.”

A preparação do elenco aconteceu online. Vinagre ainda relatou que “enviou uma série de e-mails para a Ancine para mudar a data de entrega do filme e solicitar o aumento da verba, mas não obteve respostas.” Por essa razão algumas locações do filme foram mudadas e filme teve cenas diminuídas, o que não compromete o resultado final.

Inabitável, de Enock Carvalho e Matheus Farias [Foto: Divulgação]
Entre os curtas-metragens está Inabitável, de Enock Carvalho e Matheus Farias. No Brasil, onde a cada três dias uma pessoa trans é morta, Marilene procura sua filha Roberta. O trabalho concorre com outros filmes de países como EUA, Líbano, Holanda, Suíça, Bélgica, França e Argentina.

Matar a la Biesta, de Augustina San Martin [Foto: Divulgação]
Na co-produção Chile, Brasil e Argentina Matar a la Biesta, Emilia chega de Buenos Aires em uma cidade na fronteira do Brasil com a Argentina para procurar o irmão desaparecido. Os locais avisam a jovem sobre uma besta que está fazendo vítimas. O primeiro filme da diretora argentina Augustina San Martin tem no elenco a atriz paraguaia Ana Brun e o ator brasileiro João Miguel.

Sem apoio federal, os caminhos para o audiovisual brasileiro apontam para filmes desenvolvidos para o streaming e coproduções com outros países, principalmente se pensarmos em um cinema diverso feito com e para negros, indígenas, mulheres e pessoas LGBTI+.

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