Híbrida
CINEMA & TV

A complexidade e o cotidiano do universo trans de “Tailor”

Em agosto, Calí dos Anjos saiu do Festival de Gramado com um título histórico para ele e para a premiação: o de primeiro cineasta trans a levar um Kikito de Direção ao longo das 45 edições do evento. O resultado veio graças ao elogiadíssimo curta-metragem “Tailor”, uma imersão animada e documental no universo psicológico do cartunista Orlando Tailor e dos personagens criados por ele. Além de contar a história de um artista transexual, o filme ainda vai além: sua equipe por trás das câmeras é majoritariamente formada por profissionais LGBT+, um marco que em 2017 ainda precisa ser celebrado pela inclusão e veracidade que dá às narrativas dessa comunidade.

Hoje, após ter circulado por festivais na Argentina, Alemanha, Estados Unidos, Portugal e Espanha, além de ter competido no Festival do Rio, “Tailor” está em cartaz no Curta Cinema e prepara-se também para estrear na mostra competitiva do Festival Mix Brasil, a partir do próximo dia 15, em São Paulo. Contemplado por edital da RioFilme, o curta animado por Raissa Laban e produzido por Bia Medeiros, da SUMA Filmes, é mais do que apenas “cinema de gênero”. Sob a direção sensível, emocionante e bem humorada de Calí, situações rotineiras na vida de uma pessoa trans ganham dimensões humanas e universais, à medida que tópicos como maternidade, autoestima e exclusão social ganham espaço na tela.

Em um bate-papo com a Híbrida, Calí fala sobre a trajetória de “Tailor”, a sensação de ter feito história no Festival de Gramado e a felicidade de criar um produto audiovisual feito por e sobre pessoas trans.

Orlando Tailor e Calí dos Anjos durante palestra no Festival de Gramado, onde “Tailor” foi premiado (Foto: Divulgação | Facebook)

Híbrida: Como surgiu a ideia e a inspiração para “Tailor”?
Calí: Eu conhecia poucas pessoas trans, principalmente no Brasil. O Tailor foi uma das primeiras pessoas que eu tive contato e que também produzia material sobre esse universo. Sempre admirei muito o seu trabalho. Assim, quando percebi que os seus desenhos baseados em fotos eram compatíveis com a rotoscopia, tive esse desejo de fazer o filme.

H: Quanto do Cali há nas experiências e nos questionamentos de Tailor?
C: Eu, como pessoa trans, compartilho muito do que o Tailor e os personagens dizem no filme. Com certeza, tem muito de mim ali.

Cena do crta-metragem “Tailor”, dirigido por Calí dos Anjos e ilustrado de forma colaborativa sob a supervisão de Raíssa Laban (Foto: Reprodução)

H: Qual foi a maior dificuldade e o maior prazer de abordar os temas do curta?
C: Foi um prazer estar numa equipe composta de pessoas trans e mulheres cis, majoritariamente. Senti que conseguimos abrir algum espaço para essas pessoas, que muitas vezes não têm lugar no mercado de trabalho, principalmente nessa indústria. Fiquei contente que nós mesmos contamos nossa história, de uma forma não-patologizante. Escutamos as próprias pessoas que sofrem com a transfobia e também estivemos atrás das câmeras.

H: Acha que o cinema nacional está se abrindo mais para as questões LGBT+, em especial as relativas à transexualidade?
C: Acho que sim e acho que, no geral, isso é muito bom. Mas também acredito que as pessoas precisam sempre ter o cuidado de chamarem profissionais LGBTs para integrarem essas equipes, além de terem atenção à forma que essas histórias são contadas.

H: Como um cineasta jovem, de que forma você tem encarado o sucesso de “Tailor”?
C: Eu fiquei muito contente com o prêmio em Gramado, está sendo muito importante para a repercussão do filme. O trabalho da Raissa Laban também foi fundamental para o processo do curta. Ela reuniu diversas pessoas para ajudarem na animação e o filme acabou sendo ilustrado por muitas mãos.

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