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Drag Quem?

Naja White quer reviver o emocore através da arte drag

Naja White foi criada em 2014 por Nylo Bombati (Foto: Felipe Veiga)

Naja White foi criada em 2014 por Nylo Bombati (Foto: Felipe Veiga)

Naja White está disposta a reviver a onda do emocore através de sua arte drag e o recém-lançado clipe de Me Isolar é prova disso. Com letra confessional espalhada por guitarras e bateria, o single é parte do EP DesabafEMOS, que marca a estreia musical da persona criada em 2014 por Nylo Bimbati. “Como um homem cis gay, cresci valorizando o masculino e cego pelo machismo, mas a Naja me fez provar, experimentar e vivenciar coisas que ao longo desses anos estão me transformando e desconstruindo”, conta em entrevista à Híbrida.

Enquanto o gênero musical já foi explorado por Adore Delano na gringa, a maioria das drags cantoras e brasileiras têm se voltado para a mistura de funk, pop e eletrônica, transformando o rock em um terreno ainda pouco desbravado por aqui. “A pessoa que curtiu o emo nos anos 2000, hoje é um adulto de 30 anos. Mas a música não precisa deixar de existir”, defende Naja, cuja primeira música, O Emo Tá De Volta, já deixa clara sua intenção.

Inspirada por nomes que vão de Pabllo Vittar e Gloria Groove a Avril Lavigne e Paramore, Naja começou a cantar ainda na igreja evangélica, um espaço predominantemente hostil para pessoas LGBTI+. Abaixo, ela conta como foi crescer nesse ambiente, suas influências e como a arte drag se tornou uma válvula de escape para seu verdadeiro eu.

HÍBRIDA: Quais suas referências estéticas no universo rock?

NAJA WHITE: Minhas maiores referências foram minhas amigas da escola, que se vestiam de forma confortável, tênis, jeans e acessórios como munhequeiras e anéis. Mas o que elas consumiam nessa época de fato era o emo e pop punk, que estavam em alta, então as referências de moda basicamente eram franjas, lápis preto no olho e a camiseta da banda favorita.

Claro que ocasiões diferentes pedem looks diferentes. Dentro desse universo do rock, há muitas coisas que me encantam, mas tenho amado as tão famosas e-girls, que parecem mesclar a atualidade com o emo dos anos 2000.

H: Você tem uma música chamada O Emo Tá de Volta. O que inspirou esse título? 

NW: O Emo Tá de Volta foi o meu single de estreia. Eu precisava deixar claro o que estava propondo musicalmente, quais seriam as referências e cantar sobre algo que conversasse com tudo isso. Quando sentei pra compor, levei em consideração tudo o que estava acontecendo na cena do rock e senti que estava rolando um revival do emo, mesmo que ele não se apresentasse com aquela estética da franja e lápis no olho. Afinal, a pessoa que curtiu o emo nos anos 2000, hoje é um adulto de 30 anos. Mas a música não precisa deixar de existir. E assim nasceu essa canção. Eu entendi que o emo seria o estilo que me conduziria nesses projetos musicais como drag queen.

A letra fala basicamente de como eu me sentia naquela época, fingindo ser quem eu não era, tentando me encaixar e sempre gostando de alguém que não gostava de mim.

H: Inclusive, quais seus artistas emo preferidos?

NW: Eu sou uma pessoa que ouve muitos estilos diferentes e, mesmo dentro do rock, há muitos que não se encaixam nessa classificação emo. Mas os principais que me inspiram musicalmente são Hateen, Fresno, Avril Lavigne, Simple Plan, Blink 182 e Paramore, entre outros.

H: O que te motivou a criar uma personagem drag queen?

NW: A Naja nasceu em meados de 2014, como uma redescoberta da arte drag pra mim. Através do reality RuPaul’s Drag Race, eu passei a enxergar essa arte de um modo totalmente diferente.
Como um homem cis gay, cresci valorizando o masculino e cego pelo machismo, mas a Naja me fez provar, experimentar e vivenciar coisas que ao longo desses anos estão me transformando e desconstruindo.

A princípio, eu não pensei que fosse passar de um hobby. Mas quando vi que poderia cantar e fazer muito mais com isso, encontrei um significado maior na música e na composição.

A pessoa que curtiu o emo nos anos 2000, hoje é um adulto de 30 anos. Mas a música não precisa deixar de existir

H: No que a montação drag te ajuda na performance como cantora?

NW: Eu já me fiz essa pergunta, afinal eu cresci cantando como um garoto, por que não investir numa carreira solo masculina?! Mas a resposta hoje é bem clara pra mim. A Naja é uma personagem. Sendo assim, eu me visto, me porto de forma diferente e posso elevar tudo a um nível diferente através da visão que as pessoas têm sobre uma drag queen. Com a Naja eu não tenho medo de ser vulnerável, de ser espontâneo sem parecer ridículo ou engraçado demais… A gente cresce e muitas vezes se torna sério. Perde o brilho e a vontade de brincar. A arte drag me permite brincar com a boneca que me foi negada na infância e, não só isso, revisitar muitas feridas do meu passado e transformar tudo em música e cura para mim e para quem quiser ouvir o que eu tenho a dizer e cantar.

O simples fato de ser afeminado foi o suficiente para ser castigado

H: Você começou a cantar numa igreja evangélica. Como foi frequentar esse espaço na infância? Acha que houve alguma influência daquele período na Naja?

NW: Eu comecei cantando desde pequeno na igreja e sempre senti que era o que eu mais amava fazer! Mas se tratando de igreja evangélica, não foi nada fácil. Houve momentos em que tudo o que eu fazia era ir pra escola, casa e igreja e, por medo da rejeição, somado ao bullying que sofria em qualquer lugar que estava, eu não aceitava o fato de ser gay e evitava qualquer experiência que pudesse me comprometer publicamente.

Mas mesmo assim, o simples fato de ser afeminado foi o suficiente para ser castigado com o que eles chamavam de “banco”, no qual a pessoa era proibida de cantar no louvor da igreja, até que isso servisse de lição e a pessoa melhorasse etc. Sinceramente, hoje me lembro deles como pessoas despreparadas para lidar com o assunto e, de modo geral, ficaram muitas marcas e mágoas, coisas que eles nem devem imaginar, mas que quase me fizeram tirar a própria vida.

Com o passar dos anos, tudo isso virou um grande conflito, até que eu fui ressignificando a minha fé, fazendo terapia e tentando transformar coisas ruins em coisas boas, como músicas. Eu, inclusive, já compus uma música sobre esse período de igreja. Aguardem!

Acredito que a única coisa dessa época religiosa da minha vida que possa se refletir na Naja hoje são os melismas vocais (risos).

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