“Hoje em dia, eu digo com o maior orgulho do mundo que sou uma mulher negra e bissexual. Aliás, eu dedico minha vida e minha profissão a falar sobre questões de gênero, raça e sexualidade. Mas, até poucos anos atrás, eu não sabia que a bissexualidade era uma possibilidade para mim.
Como mulher negra, eu sempre vivi um não-lugar na sociedade. Por ser mulher em um mundo dos homens, e por ser negra em um mundo dos brancos, meus afetos eram a última coisa que pensava ou queria definir. Pelo menos eu achava que era assim. Hoje, vejo que isso era o reflexo de uma sociedade que nega as possibilidades do ser para pessoas negras. Como mulher negra, pobre, nordestina e migrante, eu já me encaixava em tantas caixinhas que não queria pensar sobre pertencer a mais uma. Principalmente, uma que iria contra as normas dessa mesma sociedade heteronormativa.
Apesar de conhecer desde a adolescência o movimento LGBT+ (graças à internet), no que se refere às orientações sexuais eu só conhecia dois extremos: ou você era hétero ou era homossexual.; e eu nunca me senti contemplada por nenhuma dessas sexualidades. Então, pela maior parte da minha vida, habitei esse limbo de indefinição sobre meus afetos, apesar de sempre ter sido muito claro para mim que sentia atração por mais de um gênero.
A falta da representatividade de pessoas bissexuais na mídia e a ausência de protagonismo dentro do próprio movimento LGBT+, principalmente por pessoas negras, foi uma das principais razões pelas quais eu não sabia que pessoas bissexuais existiam. Uma orientação sexual que ainda é muito invisibilizada, estereotipada e invalidada, o que faz com que muita gente tenha receio de se assumir como tal.
Alguns dos esteriótipos ligados à bissexualidade que ainda recai muito sobre mim é a questão da promiscuidade; da sexualização e da negação da identidade, o que se amplia quando relacionado à minha raça. Como mulher negra e bissexual, a negação do afeto é muito presente.
Eu não sou “mulher e branca o suficiente” para manter um relacionamento, mas sou a negra que serve para o sexo e para satisfazer os desejos, principalmente os de homens heterossexuais. Outro dia, ouvi que um homem hétero dificilmente conseguiria amar uma mulher bissexual – o que ele ama é a ideia que tem dela. Já no que se refere às mulheres, principalmente as lésbicas, tenho que lidar com uma desconfiança constante de que minha sexualidade levaria à infidelidade ou a uma aproximação forçada com homens.
Será que mulheres negras e bissexuais teriam então o direito de amarem e serem amadas?
Ainda hoje, as pessoas tentam definir minha sexualidade com base na pessoa que estou me relacionando. Se for com uma mulher, é porque sou lésbica; se for com um homem, é porque sou hétero; e se for não-binária, as pessoas só ficam confusas mesmo. Por isso, apesar de já ter me assumido para todas as pessoas que me importam, minha vida é, e acredito que sempre será, um eterno ‘sair do armário’. Eu sempre terei que reafirmar minha sexualidade quando conhecer e me relacionar com alguém. Ou só quando existir mesmo, em uma tentativa de não ter minha orientação sexual apagada.
Representação na mídia
A primeira vez que me senti representada na mídia, com relação à intersecção das minhas identidades, foi quando assisti à série “Queen Sugar”. Uma das personagens principais é a Nova Borderlon (Rutina Wesley), uma jornalista negra e bissexual. Ela é uma mulher segura da sua sexualidade e que busca ser amada. Eu finalmente pude ver, em uma personagem fictícia, tudo aquilo que buscava, além do fato de que minha sexualidade era validada e apenas uma de tantas outras características que fazem parte da minha vida.
No ano que celebramos os 130 anos da Lei Áurea e os 40 de luta do movimento LGBT+, eu só quero ser livre para amar quem quiser, independente do gênero, e ter minha sexualidade validada, assim como minha liberdade de existir. E lembrar que diversidade sexual não é uma exclusividade da branquitude, já que nós, pessoas negras, também somos diversas.
Eu não preciso escolher um lado, e nem quero; a bissexualidade é parte de quem eu sou e ninguém vai conseguir apagar isso”.
– Vicky Régia