Quando Eddie Redmayne viveu uma mulher trans no filme “A Garota Dinamarquesa“ (The Danish Girl, 2015), parte da crítica especializada e do público o ovacionaram. Indicado às principais categorias do circuito de premiações, como o Oscar, BAFTA e Globo de Ouro, o ator foi elogiado por sua “transformação” , “coragem” e entrega ao papel de Lili Elbe – considerada uma das primeiras mulheres a passar por uma cirurgia de designação sexual da história.
Agora, seis anos depois, com o debate público mais questionador em torno da representatividade da comunidade LGBTI+ na mídia e do transfake, Redmayne confessou que se arrepende de ter aceitado viver a personagem. “Eu não aceitaria atualmente. Eu fiz aquele filme com a melhor das intenções, mas acho que foi um erro”, revelou o ator para o Sunday Times.
Lili Ilse Elvenes (popularmente conhecida como Lili Elbe), a verdadeira Garota Dinamarquesa, nasceu na cidade de Vejle, Dinamarca, em 1882. Especula-se que, ao contrário do que foi retratado no filme, ela veio ao mundo como intersexo – informação impossível de ser comprovada hoje em dia, já que seu arquivo médico foi queimado por conta da Invasão Nazista na biblioteca do Instituto onde Lili realizou seu primeiro procedimento cirúrgico (saiba mais aqui).
Na adolescência, Lili se mudou para Copenhague, capital do País, com a intenção de estudar na Real Academia de Belas Artes da Dinamarca. Lá, conheceu a jovem Gerda Wegener (interpretada na versão cinematográfica por Alicia Vikander), com quem acabaria se casando em 1904, aos 22 anos.
Durante o relacionamento entre as duas artistas, Wegener, ilustradora de livros e revistas de moda, encorajava Lili a se vestir como mulher para ser pintada. “Não posso negar, por estranho que pareça, eu gostei de estar nesse disfarce. […] Eu gostava do toque macio das roupas das mulheres. Eu me senti em casa com elas desde o primeiro momento”, escreveu mais tarde. As pinturas fizeram sucesso e, em 1913, foi descoberto que a modelo de Wegener era sua esposa.
Com a mudança do casal para Paris, em 1912, Lili começou a se aceitar mais como mulher e, anos depois, passou por uma sequência de cirurgias de designação sexual na Alemanha. A primeira delas, realizada pelo médico Magnus HIrscfeld, ocorreu no Institut für Sexualwissenschaft [Instituto de Sexologia, em tradução livre], instituição revolucionária para a organização política da comunidade LGBTI+ no País.
As demais operações, feitas pelo Dr. Warnekros na Dresden Municipal Women’s Clinic [Clínica Municial de Dresden para Mulheres] permitiram que ela mudasse oficialmente seu nome e identidade de gênero, obtendo uma nova certidão de nascimento e passaporte como Lili Ilse Elvenes.
No ano anterior à sua morte, o casamento entre ela e Wegener chegou ao fim por decisão mútua e amigável. Posteriormente, a pintora se envolveu com o negociante de arte francês Claude Lejeune, com quem desejava se casar e ter filhos. De acordo com sua biografia, Lili desejava ser mãe pois, naquela época, era considerado que para ser uma “mulher de verdade”, era necessário ter filhos.
Em 1931, ela passou por uma operação de transplante de útero e, 3 meses depois, aos 48 anos, sofreu uma parada cardíaca em decorrência de uma infecção causada pela cirurgia. Foi enterrada em Dresden, onde uma nova lápide foi instalada no ano de 2016 pela Focus Features (produtora do longa em que sua história é baseada), incluindo apenas seu nome social e locais de nascimento e morte.
Embora não tenha realizado o sonho de ser mãe, Lili pôde viver parte de sua vida da maneira que desejava: como uma mulher. Além do filme “A Garota Dinamarquesa”, sua história também foi retratada no livro “Fra mand til kvinde” [“De Homem Para Mulher”, em tradução livre], lançado em 1931 por Ernst Ludwig Hathorn Jacobson sob o pseudônimo de Niels Hoyer.