Eleito como o 16º presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln se tornou uma das figuras mais veneradas da historiografia norte-americana. Admirado por democratas e republicanos, tema de obras artísticas e um dos quatro rostos esculpidos no Monte Rushmore, ele é considerado por muitos como um dos melhores presidentes da história dos EUA, devido ao seu papel crucial em eventos marcantes, como a abolição da escravidão e a reunificação do país durante a Guerra Civil.

Apesar do legado político inegável, a vida pessoal de Abraham Lincoln tem gerado especulações e debates. Nesse contexto, uma teoria que ganhou bastante destaque desde a metade dos anos 1990 sugere que ele, na verdade, poderia ter sido LGBTQIA+.

Essa hipótese ganhou ainda mais visibilidade neste ano, ao ser defendida no documentário Lover of Men: The Untold History of Abraham Lincoln [Amante dos Homens: A História Não Contada de Abraham Lincoln, em tradução livre], do diretor Shaun Peterson. Na obra, que ainda não ganhou data de estreia no Brasil, especialistas em Lincoln, dramatizações e cartas inéditas insinuam que o ex-presidente teve relacionamentos românticos com homens ao longo de sua breve, mas notável vida.

No História Queer de hoje, falaremos um pouco sobre a teoria acerca da sexualidade de Lincoln, além de elencar fatos de seu importante legado.

Quem foi Abraham Lincoln?

Abraham Lincoln nasceu no dia 12 de fevereiro de 1809, em uma pequena cabana no estado de Kentucky, EUA. Filho de Thomas e Nancy Lincoln, sua infância foi marcada por dificuldades econômicas num ambiente de constante instabilidade.

Apesar disso, desde jovem ele demonstrou uma grande sede de conhecimento e talento natural para a oratória. Mesmo com pouca educação formal, Lincoln cresceu lendo avidamente e estudou diversas disciplinas por conta própria.

Na década de 1830, mudou-se com a família para New Salem, Illinois, onde trabalhou como comerciante e iniciou a carreira política, servindo como deputado local. Suas habilidades em debates e discursos rapidamente o destacaram na comunidade.

O jovem Abraham Lincoln em desenho (Foto: JR/Wikipedia)
O jovem Abraham Lincoln em desenho (Foto: JR/Wikipedia)

Em 1834, foi eleito para a Assembleia Legislativa de Illinois e, posteriormente, formou-se em Direito de forma autodidata. Em 1842, casou-se com Mary Todd, com quem teve quatro filhos e acompanhou até os dias de sua morte. Durante os anos seguintes, Abraham estabeleceu-se como advogado em Springfield, ganhando reconhecimento por sua habilidade e integridade no campo jurídico.

Sua ascensão à presidência dos EUA ocorreu somente na segunda metade do século XIX, quando foi escolhido pelos republicanos para representar o partido na eleição presidencial. À época, o Partido Republicano era um ferrenho defensor da abolição da escravidão, enquanto o Democrata seguia a favor de uma pauta agrária escravocrata. O papel conservador e liberal somente se alternou, como os  conhecemos hoje, ao longo dos anos.

Em 1860, com 40% dos votos, Lincoln se tornou o 16º presidente do país. Seu mandato foi profundamente marcado pela Guerra Civil, que começou em 1861 após a secessão de vários estados do Sul, que ao contrário dos estados do Norte, defendiam a permanecência da escravidão. Republicano, Lincoln seguiu lutando pelos ideais democráticos e, em 1863, emitiu a Proclamação de Emancipação, que declarou a liberdade dos escravizados.

Lincoln e a esposa Mary Todd (Foto: National Portrait Gallery/Smithsonian)
Lincoln e a esposa Mary Todd (Foto: National Portrait Gallery/Smithsonian)

Com a abolição da escravidão e a vitória dos estados do Norte na Guerra, os estados confederados, derrotados, foram obrigados a se reintegrar à União, tornando os Estados Unidos uma só federação.

Em 1864, Lincoln foi reeleito. No entanto, seu tempo no cargo foi tragicamente interrompido quando ele foi assassinado por John Wilkes Booth no dia 14 de abril de 1865, enquanto assistia a uma peça no Teatro Ford em Washington, D.C.

Possível homossexualidade de Abraham Lincoln

A especulação sobre a orientação sexual de Abraham Lincoln começou a ganhar atenção significativa na década de 1990, quando estudiosos revisitaram algumas de suas relações pessoais com uma perspectiva nova. Um dos principais focos dessa teoria é a amizade íntima e prolongada que o ex-presidente manteve com o ex-membro da Câmara dos Representantes do Kentucky Joshua Speed.

Conhecidos desde 1837, Lincoln e Speed compartilharam um quarto e uma cama em vários períodos, o que era comum para a época devido às condições de habitação. A correspondência entre eles, que inclui cartas carinhosas e profundamente emocionais, é interpretada por alguns pesquisadores como sugestiva de um relacionamento romântico. Outros, no entanto, argumentam que tais expressões podem ser vistas dentro dos padrões de amizade masculina do século XIX, onde a intimidade emocional era mais aberta.

É o que defende Anthony Rotundo, autor de American Manhood: Transformations in Masculinity from the Revolution to the Modern Era [Masculinidade Americana: Transformações na Masculinidade da Revolução à Era Moderna, em tradução livre]. Segundo ele, durante o período que Lincoln viveu, era socialmente aceitável para os homens desfrutar de “amizades românticas” antes do casamento.

Joshua Speed e Elihu Washburne, supostos amantes de Abraham Lincoln (Foto: Reprodução)
Joshua Speed e Elihu Washburne, supostos amantes de Abraham Lincoln (Foto: Reprodução)

Além de Speed, outro relacionamento que alimenta a especulação é o de Lincoln com o coronel Elihu Washburne. A intensidade do vínculo entre os dois, documentada em cartas e registros, é citada como evidência possível de sentimentos românticos, embora, como no caso com Speed, seja variável segundo a perspectiva histórica e cultural.

De maneira conclusiva, não se pode afirmar categoricamente que Abraham Lincoln era uma pessoa LGBTQIA+. Durante sua vida, os conceitos de orientação sexual e identidade de gênero, como os conhecemos atualmente, não faziam parte do léxico, o que torna qualquer tentativa de classificação do ex-presidente como um simples exercício de anacronismo histórico.

“Você não precisava dizer ‘Eu estou deste lado ou daquele,’ como se faz hoje”, diz Rotundo, que explicou à CNN que a noção de que alguém se identificaria como homossexual há 150 anos ainda não havia se desenvolvido, tornando difícil retroativamente encaixar um homem do século XIX em uma definição do século XXI.

Ainda assim, ao trazer a luz do presente para o passado, é possível levantar questões mais amplas sobre como interpretamos a sexualidade ao longo da história, desafiando narrativas tradicionais e oferecendo uma nova perspectiva sobre uma figura histórica amplamente admirada, especialmente se ele não cumpria os moldes heteronormativos da sociedade contemporânea.

Assista ao trailer de “Lover of Men: The Untold History of Abraham Lincoln” abaixo: