Híbrida
HISTÓRIA QUEER

O peso da homofobia no julgamento que levou Oscar Wilde à morte

O peso da homofobia no julgamento que levou Oscar Wilde à morte (Foto: Reprodução)

*Texto adaptado do original de Laura Darling

No novo artigo da coluna História Queer, vamos analisar a vida de Oscar Wilde, dramaturgo, poeta, novelista e autor reconhecido em todo o mundo. Lembrado até hoje pela influência de seu trabalho, o qual é muitas vezes editado para suprimir os subtemas queer de seus personagens, ele foi erroneamente julgado, condenado e encarcerado por um crime de pedofilia que não cometeu.

Oscar Wilde foi um homem popular em seu tempo, com trabalhos famosos como a peça “A Importância de Ser Prudente” e o romance “O Retrato de Dorian Gray”. Figura importante do Esteticismo, ele acreditava na filosofia de “Arte pela arte”, apreciando obras pela sua beleza e não pelo seu significado. Seu estilo extravagante e sua casa luxuosa eram bancados pelos lucros de sua escrita e pela riqueza de sua esposa, Constance Lloyd.

Tudo começou com o relacionamento entre Oscar Wilde e Alfred “Bosie” Douglas, filho de John Douglas, o Marquês de Queensberry. Após John ter descoberto a ligação entre os dois, ele começou uma campanha pública contra Wilde, chegando ao auge de ameaçar bater nos donos dos bares que o poeta frequentava com o filho, caso eles atendessem o casal. Quando o Marquês entregou em mãos um bilhete acusando o autor de ser pederasta e o xingando por escrito, a situação escalou

Wilde deu início a uma batalha legal contra John em 3 de abril de 1895, processando-o por difamação. Apesar de o poeta ter começado com certa vantagem jurídica, todo o seu argumento e vitória dependiam da comprovação de que as acusações feitas pelo Marquês – principalmente, sobre sua homossexualidade – eram falsas. Se provadas verdadeiras, então não haveria base para difamação. E, com isso, o primeiro julgamento ao qual o poeta foi submetido foi para estabelecer se ele mantinha ou não relações sexuais com outros homens, prática proibida na Inglaterra do século XIX.

Oscar Wilde (esq.) fotografado com Alfred "Bosie" Douglas, anos antes de seu julgamento (Reprodução)
Oscar Wilde (esq.) fotografado com Alfred “Bosie” Douglas, anos antes de seu julgamento (Reprodução)

Wilde começou o julgamento ganhando, graças à sua inteligência e à competência de seu advogado. As cartas românticas que ele trocava com Bosie foram descartadas como simples exageros de um poeta. Tudo indicava que ele venceria o processo, até que o Marquês explorou o fato de o escritor presentar homens mais pobres que ele com itens caros, sugerindo que isso seria um pagamento por favores sexuais.

Dali em diante, o julgamento foi dado como causa perdida para Oscar Wilde, que teve a imagem de “corruptor de jovens” pintada perante o júri. Ele foi condenado pelo crime de sodomia, enquanto o Marquês de Queensberry saiu como inocente. Mas mesmo com a gravidade da sentença para práticas homossexuais e a insistência de seus amigos para que ele fugisse do país, o escritor preferiu enfrentar seu segundo julgamento, agora no banco dos réus.

Enquanto o júri foi apresentado com provas de suas relações homoafetivas, Wilde conseguiu se desvencilhar das acusações e sentença. O momento mais decisivo, entretanto, foi sobre um poema que ele escreveu para Bosie: “Amor que ousa não falar teu nome”.

Durante seu depoimento de defesa, Oscar Wilde explicou o poema da seguinte forma:

‘O amor que ousa não dizer teu nome’ neste século é apenas uma enorme afeição de um homem mais velho por um mais jovem, assim como houve entre David e Jonathan, como Platão usou para a própria base de sua filosofia e assim como você encontra nos sonetos de Michelangelo e Shakespeare. É aquela profunda afeição espiritual que é tão pura quanto perfeita.

Ele dita e permeia grande obras de arte, como os de Shakespeare e Michelangelo, e aquelas duas cartas minhas, assim como elas são. Ele é mal compreendido neste século, tão incompreendido que pode ser descrito como ‘o amor que não ousa dizer teu nome’, e exatamente por isso eu me encontro onde estou hoje. Ele é lindo; é excelente, é a forma mais nobre de afeição. Não há nada de anormal sobre isso. Ele é algo intelectual e existe repetidamente entre um homem velho e outro mais jovem, quando o mais velho tem intelecto e o mais novo tem toda a alegria, esperança e glamour da vida diante dele. Que deveria ser assim, o mundo não entende. O mundo ri e às vezes ridiculariza alguém por isso.”

– Oscar Wilde

Aqui, precisamos fazer uma pausa para esclarecer algo. Havia, sim, uma diferença de idade entre Oscar Wilde e Alfred Douglas, mas Bosie não era um menino, nem menor de idade, e a relação entre eles foi consentida por dois adultos. Infelizmente, naquela época havia uma noção geral de que relacionamento homoafetivos são constituídos por uma pessoa mais velha, que seduz e corrompe outra mais jovem.

A pedofilia não pode ser classificada como um relacionamento queer simplesmente por não ser um relacionamento, mas abuso, já que não há uma maneira de crianças consentirem a prática. E, apesar de alguns autores terem defendido a diferença de idade entre duas partes, não significa que defendiam relações com crianças, apenas com pessoas mais jovens que eles próprios. Quando Douglas e Wilde se conheceram, Douglas tinha 21 anos. A diferença de idade entre elas era de 16 anos, mas consensual entre ambas as partes.

É importante fazer essa distinção para que as pessoas não achem que relacionamentos homoafetivos e pedofilia são a mesma coisa. Não são. E Oscar Wilde apenas falou sobre o tipo de relação que conheceu em vida, em um discurso que foi inclusive bem recebido à época – ou, pelo menos, tão bem recebido quanto discursos de amor entre dois homens poderiam ser na Inglaterra de 1895.

Precisamos contextualizar que, no século XIX e ao longo de toda a Era Vitoriana, adolescentes com mais de 13 anos já tinham permissão para se casar, fossem homens ou mulheres. Claro, isso hoje é algo abominável para a nossa sociedade contemporânea – e com razão. Mas é preciso levar em conta o tempo em que o poeta viveu e a forma como esses relacionamentos não chocavam da mesma maneira quando se tratavam de um casal heterossexual.

Diferença de idade entre Oscar Wilde e Bosie era de 16 anos, mas o jovem já tinha 21 quando o casal se conheceu (Foto: Reprodução)

Assim, as regras que se aplicavam para casais heterossexuais eram as mesmas utilizadas para condenar casais queer, e foi graças a elas que o júri decidiu por condenar as “perversões” de Oscar Wilde. Mais por elas serem de orientação homossexual, menos por se tratarem de garotos jovens. Aqui, é preciso frisar que a única prova desse comportamento do poeta foi o depoimento de uma camareira que alegou ter visto “um rapaz que aparentava ter uns 14 anos” em seu quarto de hotel. Ela trabalhava no mesmo local que o Marquês de Queensberry frequentava e, a essa altura, nada nos garante que suas motivações não foram financiadas, coagidas ou solicitadas por ele.

O depoimento de Oscar Wilde acabou levantando dúvidas entre o júri e todo o processo foi prorrogado. Novamente, o escritor optou por ficar no país, dizendo a amigos que “não queria ser chamado de covarde ou desertor”. Com isso, no terceiro julgamento sobre sua sexualidade, ele foi considerado culpado e sentenciado a dois anos de prisão e trabalho forçado por “cometer atos imorais com diversos rapazes”.

Uma vez preso, Wilde não teve acesso a livros ou à arte. Devido ao trabalho forçado para o qual seu corpo não estava preparado, ele sofreu um colapso por malnutrição, bateu a cabeça e rompeu seu tímpano direito, ficando internado por dois meses. Ainda assim, ele conseguiu escrever uma longa carta a Bosie, “De Profundis”, que foi publicada postumamente. Nela, o poeta fala sobre sua experiência na prisão de Reading:

“[… ]A cama de tábua, a comida repugnante, as duras cordas esfrangalhadas em estopa até as pontas dos dedos ficarem adormecidas de dor… o silêncio, a solidão, a vergonha – cada uma e todas essas coisas eu tenho de transformar em uma experiência espiritual”

Após ser liberado, o escritor não tinha mais esposa e nem lucros, já que seus livros e textos não vendiam tanto como no passado e nem ele escrevia como antes. “Posso escrever, mas perdi a alegria de fazê-lo”, disse a amigos. Três anos depois, ele faleceu, muito em parte por causa do acidente que sofreu na cadeia.

Após sua condenação, obras de Oscar Wilde foram editadas para subtrair possíveis códigos queer (Foto: Reprodução)

Conhecido pelo seu espírito extravagante e inteligência, Oscar Wilde foi condenado pública e socialmente pelo simples fato de se sentir atraído por homens. Até seu trabalho foi posto em xeque e seu nome apagado do material de divulgação da peça “A Importância de Ser Prudente” à medida em que o julgamento foi pendendo para a sentença de “culpado”. Partes de “O Retrato de Dorian Gray” foram retiradas em edições futuras para suprimir qualquer referência a personagens, relacionamentos ou situações queer.

Até hoje, algumas obras de Oscar Wilde são editadas para suprimir as referências queer de personagens, relacionamentos ou situações. Em vida ou em morte, ele não foi aceito completamente como era, mas apenas tolerado na forma que as pessoas queriam que ele assumisse.


Este texto faz parte do projeto Making Queer History, cuja existência só é possível graças a doações. Se tiver interesse, você pode fazer uma doação única no Paypal ou tornar-se um Patrono.  

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