Um homem de 20 anos pode se tornar o primeiro condenado à pena de morte pela Lei Anti-Homossexualidade sancionada em maio na Uganda. Ele foi acusado e preso no último dia 18 por supostamente ter praticado “homossexualidade agravada” após ter “praticado relações sexuais ilegais” com outro homem de 41 anos no distrito de Soroti.
De acordo com a Reuters, que teve acesso ao boletim de ocorrência, a acusação não apresentou nenhuma explicação para justificar o motivo de o crime ser “agravado”. Segundo a nova lei, essa classificação se aplica a episódios de reincidência do acusado, sexo gay com transmissão de doenças letais ou relações sexuais com pessoa do mesmo gênero que seja menor de idade, idosa ou com alguma deficiência.
Jacqueline Okui, representante do Ministério Público ugandês, disse que o jovem foi detido e seu caso será julgado pela Suprema Corte como um “crime capital”. À CNN, afirmou depois que o “agravo” foi justificado porque o homem de 41 anos com quem o acusado praticou sexo tinha deficiência.
A advogada do jovem, Justine Balya, não deu detalhes do caso à agência de notícias, mas afirmou acreditar que a lei seja inconstitucional por criminalizar um ato consensual entre dois adultos. Segundo ela, outras quatro pessoas já foram processadas com base na nova legislação, mas esse é o primeiro caso de “crime agravado” e que poderia levar à pena de morte.
Ainda no mês passado, um outro jovem de 19 anos foi detido no distrito de Jinja e acusado de “homossexualidade agravada”. Segundo Okui, ele teria supostamente praticado “um ato sexual com uma criança de 12 anos do mesmo sexo”.
Os dois acusados continuam detidos e o julgamento de ambos os casos está previsto para setembro.
Mesmo sem o agravo, apenas o ato de praticar sexo com alguém do mesmo gênero pode ser punido com a prisão perpétua segundo a nova legislação.
Desde que foi aprovada, a Lei Anti-Homossexualidade recebeu o apoio da maioria do Parlamento ugandês, mas foi rechaçada pela comunidade internacional. Ela também foi contestada nos tribunais, mas os juízes ainda não analisaram o mérito dessa ação.
LEIA TAMBÉM:
- Uganda aprova lei que criminaliza pessoas LGBTQIA+ com pena de morte
- David Kato, o professor que liderou a luta por direitos LGBTQIA+ em Uganda
- Brasil vai facilitar acolhimento de refugiados LGBTQIA+
- Banco Mundial corta financiamento bilionário a Uganda por lei anti-LGBTQIA+
Ainda no início de agosto, o presidente Yoweri Museveni reclamou publicamente após o Banco Mundial ter suspendido os financiamentos bilionários direcionados a Uganda como uma reação à Lei Anti-Homossexualidade. Em comunicado, a instituição afirmou que a lei contradiz seus valores e só retomaria os empréstimos se pudesse testar medidas para prevenir a discriminação nos projetos que usassem o dinheiro.
A sanção do Banco Mundial não foi o único efeito colateral sentido pela Uganda desde a aprovação da Lei Anti-Homossexualidade. Em uma consequência imediata, o visto para os Estados Unidos da presidente do Parlamento ugandês, Anita Among, foi cancelado assim que a lei foi sancionada. O presidente americano Joe Biden afirmou ainda que a “trágica violação” de direitos humanos poderia transformar “em todos os aspectos o envolvimento dos EUA com Uganda”.
Uganda e direitos LGBTQIA+
A perseguição contra pessoas LGBTQIA+ não é novidade na Uganda, que proíbe e criminaliza as relações homoafetivas desde que seu Código Penal foi criado, em 1950. Ainda em 2019, o parlamento ugandês tentou aprovar a “Mate os Gays”, lei que propunha condenar qualquer pessoa “culpada de homossexualidade” à morte.
“Nossa atual legislação penal é limitada. Ela apenas criminaliza o ato”, disse o então ministro de Ética e Integridade, Simon Lokodo. Em maio, uma das parlamentares que aprovou a nova lei defendeu ainda que ela incluísse um artigo prevendo que gays fossem castrados.
O sentimento é compartilhado e promovido pelo presidente Yoweri Museveni, que já fez publicamente uma série de declarações absurdas, para dizer o mínimo, contra a comunidade LGBTQIA+. Ele chegou a dizer que gays são “depravados” em rede nacional e acusou o Ocidente de querer “impor seus valores” ao país africano.
A nova legislação, entretanto, foi um retrocesso perigoso por institucionalizar a perseguição contra a comunidade e aumentar o tipo de pena e a abrangência do que é considerado como um comportamento, pessoa ou prática LGBTQIA+. Não à toa, ela foi considerada uma das mais rigorosas contra essa população em todo o mundo.
O texto condena a propaganda, encorajamento, promoção, relações afetivas e até hospedagem de pessoas LGBTQIA+ no país. Também prevê punição para quem “testemunhar um casamento homoafetivo”, “se tocar com intenção homossexual”, “declarar uma identidade LGBTQIA+”, “advogar pelos direitos e igualdade LGBTQIA+” ou “falhar em denunciar comportamento homoafetivo à polícia”. Crianças que “se deixarem atrair pela homossexualidade” também podem ser presas por até 3 anos.