Os cabelos descoloridos já dão o tom da personalidade efervescente de Benjamín Damini. O ator, cantor e compositor vive um momento importante na carreira e na vida pessoal, poucos meses após contar publicamente que se identifica como um homem trans. Desde pequeno, ele conta, sempre houve uma inconformidade com questões de gênero. Quando tinha 4 anos, seus amigos já sabiam que ele era um “menino disfarçado de menina”, mas ele mesmo só começou a entender sua própria identidade aos 22, quando ele ainda participava de “Malhação – Toda Forma de Amar”.
“Eu tive esse estalo de que era trans algumas vezes, já mais velho, só que nunca quis dar vazão a isso porque acreditava que eu teria que encarar tudo – o fato de que durante toda a minha existência, eu vivi uma mentira, de certa forma. E acho que eu não estava pronto”, conta Benjamín, em entrevista exclusiva à Híbrida.
Não encarar isso começou a me trazer muita ansiedade, depressão e eu vivi uma crise existencial que perdurou por muito tempo
No dia 22 de setembro de 2020, Benjamín finalmente se sentiu pronto o suficiente para revelar sua identidade de gênero em um texto impactante nas redes sociais. “Chegou um momento em que isso foi me trazendo muitos danos psicológicos. Não encarar isso começou a me trazer muita ansiedade, depressão e eu vivi uma crise existencial que perdurou por muito tempo”, lembra.
A data não foi por acaso: era o início da primavera. A necessidade de contar sua própria história teve uma repercussão maior que imaginava, e ele conta que acabou ajudando outras pessoas trans a lidarem com suas próprias questões: “Eu escrevi o texto e deixei no bloco de notas durante muito tempo, amadurecendo, até que eu estivesse pronto para compartilhar isso para as pessoas. Quando ele teve essa repercussão tão positiva, quando eu recebi mensagens de outras pessoas trans que se identificaram, e também mensagens de pais e mães que começaram a aceitar os filhos e filhas depois do texto, foi muito especial”.
A arte também sempre foi parte da sua trajetória. Criado em Salto de Pirapora, uma cidade no interior de São Paulo com pouco mais de 45 mil habitantes, ele sentia necessidade de se expressar através da música e das histórias que escrevia. Hoje, Benjamín não gosta se limitar enquanto artista, curte se envolver em todas as partes de criação e ainda aplica o que vem aprendendo na faculdade de Artes Cênicas.
“Eu não me entendo só enquanto ator, só enquanto cantor, só enquanto compositor. Acredito que eu existo enquanto artista, e dentro disso existem maneiras de expressar a minha arte. Muitas pessoas perguntam o que eu prefiro ou se tenho que escolher entre uma coisa ou outra. É sempre uma soma.”
Apesar das muitas possibilidades, sua prioridade agora é a música, ainda mais depois de assinar um contrato com a gravadora Sony. Com o single “Gela”, resultado do processo de superação após seu último relacionamento, Benjamín já atingiu mais de 1,5 milhão de visualizações no Youtube. E ele promete mais.
“‘Gela’ é uma música muito reconfortante para mim. Eu escrevi em 2017, mas a decisão de colocar no mundo só agora também é cheia de ressignificados, dentro de tudo que eu experienciei e tudo que eu sou”, explica. “É muito bom dar vida a esse projeto neste momento. Sinto até que não estaria pronto para lançar essa música quando escrevi, precisava ressignificar muita coisa dentro de mim.”
Para o futuro próximo, Benjamín já trabalha no próximo single, que não virá desacompanhado, e um álbum de estreia, já em processo de pré-produção. Ele se diz empolgado com o trabalho, que traz seu lado como contador de histórias e amarra o conceito e contextos das músicas avulsas que o público poderá conhecer até lá. “Eu gosto muito desse amarrar de ideias, de colocar detalhes.”
Por mais que Benjamín estivesse finalmente pronto, o começo da sua carreira artística também coincidiu com o começo de uma pandemia mundial que, naturalmente, afetou seu trabalho e principalmente seu processo criativo. Para o clipe de ‘Gela’, por exemplo, o cantor tinha a ideia de que as cenas fossem ambientadas em uma festa, tarefa praticamente impossível na quarentena.
“São desafios que provocam um lado criativo: como fazer uma festa sem pessoas?”, conta Benjamín. Foi então que o diretor Mess Santos teve a ideia de usar manequins. “Super coube e acho que ficou até mais interessante”, diz o artista, adiantando que também planeja usar essa tática para o próximo clipe. “Eu não gosto de falar em coisas boas e coisas ruins porque a pandemia é horrível, mas existiram provocações que me tiraram da zona de conforto e me obrigaram a pensar em outras possibilidades artísticas.”
Com o distanciamento social, Benjamín lidar com a falta de convivência física entre a comunidade LGBTI+. Como ninguém do círculo dele era transsexual, foi através das redes sociais que o artista conheceu outras pessoas que o apoiaram e o fizeram sentir-se acolhido. Agora, ele espera usar sua voz para também acolher quem precisa:
“Eu tinha muito pouco contato com a comunidade antes de me entender trans. Por mais que eu tivesse amigos LGBT, não tinha muito contato com as questões que permeiam a existência de pessoas LGBTQIA+. Acho que me entender trans fez com que eu entendesse também esse cenário, que as questões de transfobia que eu enfrento são muito diferentes de questões que pessoas negras trans enfrentam. Entender esses recortes. Eu me aproximei de pessoas trans e todos foram receptivos. Nesse momento, eu tendo voz, faço questão de que outras pessoas se sintam acolhidas.”
O jeito aquariano de Benjamín faz com que ele esteja sempre em busca de novos desafios. As caretas, cores e estilo irreverente mostram um artista que muitas vezes se percebe em outra frequência e até um pouco deslocado no mundo, mas que é apaixonado pela vida.
“Acho que dentro de mim, eu tenho sede de viver, de existir. Eu gosto de ver o mundo, de conhecer pessoas, de tudo que é diferente e me tira da zona de conforto. Vou citar Cazuza, porque eu acho que sou ’meio bossa nova, meio rock’n roll’. Essa dualidade é muito forte em mim, até nas minhas músicas. É um reflexo da minha personalidade.”