Híbrida
MÚSICA

Com pop debochado e político, Calêendula lança ‘Rolê pelo bueiro’

Em "Rolê pelo bueiro", Claêndula dá vida a uma "flor do bueiro de um jardim encantado" com batidas eletrônicas, vocais etéreos e crítica social (Foto: Beto Assam)

Em "Rolê pelo bueiro", Claêndula dá vida a uma "flor do bueiro de um jardim encantado" com batidas eletrônicas, vocais etéreos e crítica social (Foto: Beto Assam)

Apoiada por uma produção pop, dançante e debochada, Calêendula botou no mundo seu EP de estreia, Rolê pelo bueiro. Ao longo das seis faixas, a “flor do bueiro de um jardim encantado” criada pelo multiartista paulistano Artur Contardi provoca uma sinestesia quase automática ao materializar uma verdadeira floresta neon e tecnológica apoiada por batidas eletrônicas, samambais fofoqueiras e a voz aguda de Calêendula convidado a se sentir “leveee, leveee”.

Antes de lançar o trabalho na última semana, Calêendula já tinha mostrado sua disposição pra dançar e indignação política em dois singles, “TikTok” “Tudo de bom”, esta última inspirada em “notícias, ações e comportamentos” do cenário brasileiro, em especial “com a eleição do atual presidente”. São essas duas vertentes que norteiam o “rolê pelo bueiro”. Nesse tour, a artista te guia pelos dejetos do que o país se tornou enquanto vai dançando pela madrugada, ora lembrando das boletas e do seu nome no Serasa, ora te pedindo pra esquecer isso tudo e se render ao feitiço de um ritual selvagem.

O EP traz as participações de Helleno, em “Deixa pra depois”, e Traemme, em “TikTok”. Mas a maioria das vozes, composições e produções é assinada por Calêendula, que também trabalha pesado por trás das câmeras de seus videoclipes. “Todas essas linguagens juntas me ajudam a trazer identidade estética pro meu trabalho e uma comunicação com o público, conta a artista à Híbrida.

Na lista de referências, Calêendula mescla Rita Lee e Ney Matogrosso (suas duas colaborações dos sonhos) com Prince, Mozart, Letrux e Linn da Quebrada. Abaixo, a artista conta à Híbrida como é seu processo criativo, a inspiração por trás de suas letras, como tem sido criar na pandemia e mais.

HÍBRIDA: Como tem sido trabalhar e se lançar como artista independente durante a pandemia?

CALÊENDULA: Tem sido um desafio pra mim e pra muitas artistas fazerem arte nesse momento, ainda mais lançar essas artes e fazer com que chegue no público. Mas acho que, ao mesmo tempo, nunca trabalhei tanto com arte como estou trabalhando neste ano. Antes da pandemia eu estava fazendo vários shows e vivendo muito fora de casa. E desde o início da pandemia, venho experimentando muitas possibilidades sonoras, de divulgações, compondo músicas, estudando peças, filmes, vídeos, fazendo parcerias, etc. A pandemia trouxe muita tristeza, mas também muitas possibilidades de acessar, de criar e de se consumir arte. Precisamos manter a chama da arte acesa, mesmo que seja uma brasinha, e encontrar meios de deixá-la acesa.

H: “Tudo de Bom” é um grito de muita indignação sobre o Brasil e o que acontece aqui. Ela foi inspirada por algum momento, pessoa ou acontecimento em particular?

C: O que me inspirou pra compor ”Tudo de Bom” foram notícias, ações e comportamentos da política brasileira opressora que desde 2016 vem tomando força e explodiu em 2018, com a eleição do atual presidente, e não para de disseminar ódio, nagacionismo, imaturidade e discriminação, influenciando boa parte da população.

H: Qual é a diferença entre se apresentar como Calêendula e como Artur? Quais as principais características que você quis trazer pra ela no processo de criação dessa personagem?

C: Artur é o nome do meu RG, do meu Facebook e como meus pais/família e alguns profissionais me chamam. Como uma pessoa queer, Calêendula eu uso quase como um nome social também, além de ser meu nome artístico. Pessoas mais próximas e artistas costumam me chamar de Calêendula.

Mas a persona artística em si é uma figura bufonesca, ácida, irônica, sensual… ela é uma flor do bueiro de um jardim encantado. É uma boa parte de mim.

O contexto por trás dessa persona é que ela foi expulsa de um jardim encantado por não se encaixar nas normas daquela sociedade, e mandaram ela pro bueiro do jardim, junto com outros seres sujos e imorais (risos). Lá acontecem várias coisas: festas, amores, poesia, escracho, boemias, psicodelia, dança, arte, feitiços etc. E é sobre esse universo que trago nas minhas letras, videoclipes, shows e imagens. É um mundo fantástico cheio de possibilidades no qual eu sugo minhas ideias.

H: Além de compor e produzir suas músicas, você também tem um envolvimento muito grande na produção dos videoclipes. Como essa parte do audiovisual te ajuda a construir uma visão completa para a mensagem que quer passar?

C: Desde criança gosto muito de videoclipes, e criei uma forma intuitiva de pensá-los e criá-los. E depois de estudar teatro, produção e passar pela dança, consegui ter uma visão mais técnica desse universo e hoje consigo colocar em prática melhor as minhas ideias.

Nas minhas obras, tudo é importante pra comunicar e expressar: a música, imagem, figurino, cores… É quase como uma peça de teatro ou dança, porém em vídeo. E todas essas linguagens juntas me ajudam a trazer identidade estética pro meu trabalho e uma comunicação com o público.

H: O clipe de “Tik Tok” foi concebido como uma releitura do relacionamento entre Adão e Eva. Como é sua relação com a religião? E por que escolheu emular esse casal?

C: Eu não me lembro como surgiu a ideia de colocar Adão e Eva. Mas não pensei no casal com base na religião, mas com base na visão de uma história de um conto de fadas. Como qualquer conto de fadas, poderia ser uma releitura de alguma peça grega ou um conto dos Irmãos Grimm. E vejo a Bíblia como um grande livro de contos. Eu gosto de trazer fantasias e diferentes temáticas pro meu universo artístico.

Escolhi esse casal, considerado da cultura bíblica cristã, pois gosto de trazer subversões de narrativas e imagens, trazer contrapontos, ironia e acidez. No clipe, por exemplo, quando comem a maçã, o casal renasce e se liberta ao invés de serem castigados.

H: “Tik Tok”, inclusive, é o primeiro single do seu EP de estreia. O que podemos esperar dele, em relação ao som e às letras?

C: No meu próximo EP, Rolê Pelo Bueiro, eu trago sonoridades pop, sexy, teatrais e psicodélicas. Na real eu quis mesclar música pop chiclete com sons contemporâneos e psicodélicos, com letras sobre relacionamentos, amor, dinheiro, feitiços amorosos (a abertura do EP, por exemplo, é uma evocação) e também sobre o universo do jardim encantado. Exploro diferentes momentos da minha voz: de agudos contratenor explosivos até meus graves mais suaves. E o que não falta nesse EP é parceria, tanto de artistas cantando junto quanto na parte de produção musical, concepções e ideias.

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