Revista Híbrida
Música

Rendeu: Letrux celebra um ano de climão com Circo lotado e “Lula Livre”

Com ingressos esgotados e uma fila que dobrou o quarteirão do Circo Voador nessa sexta-feira 13, Letícia Novaes assoprou as velas de um ano do disco “Em noite de climão”, o primeiro (de muitos, com sorte) lançado sob seu codinome Letrux. Com participações de Linn da Quebrada e das meninas do bloco Toco-Xona, a noite foi completamente envolvida por uma clima de resistência política, momentos tênues entre o cômico e o constrangedor e a presença de palco singular da artista, que entre uma música e outra (ou às vezes entre um verso e outro), se dirigia à plateia com anedotas e declarações.

Letícia entrou no palco erguida por dois boys de cueca preta, encarnando “a fênix da Tijuca”, como havia sido anunciada momentos antes. O vermelho que dá o tom do disco apareceu no seu figurino, nas luzes e nos antúrios pendurados pelo palco, uma sacada genial da Boca Produção. Mas nada de pose ou trono: Letrux saiu carregada pelos mesmos boys após um tchauzinho para o público, só para voltar minutos depois se rastejando pelo palco enquanto começava o show com o anúncio certeiro de “Vai Render”.

Letrux, "Fênix da Tijuca", entra no palco do Circo Voador para comemorar um ano de climão (Foto: Lucas Alexandre)
Letrux, “Fênix da Tijuca”, entra no palco do Circo Voador para comemorar um ano de climão (Foto: Lucas Alexandre)

E rendeu. O público mostrou a potência e o alcance de Letrux, com gente de idades, gêneros e estilos diferentes, desde adolescentes fanáticxs a drag queens e celebridades como Bruna Linzmeyer, Gregório Duvivier e Bárbara Paz, todxs unidxs pelo climão. Letícia não tinha medo de se expor no palco ainda mais do que já havia feito no disco. Tanto que, em determinado momento, chegou a comentar com a plateia que havia feito cocô no Circo, antes do show.

Antes de apresentar “5 Years Old”, a hora mais deprê e introspectiva de Climão, disse que não se importava se as pessoas saíssem naquele momento para comprar cerveja;  em “Puro disfarce”, aproveitou o intervalo eletrônico da música para anunciar que “apenas duas palavras resumem todo esse sentimento: ‘LULA LIVRE'”, antes de repetir os gritos de “socorro” da faixa; em “Flerte Revival”, voltou ao palco envolta num cubo que cobria seu corpo, talvez revelando finalmente qual o look escolhido após um dia inteiro de dúvidas para flertar nas artes plásticas.

Em “Flerte Revival”, Letrux aparece com look conceitual das artes plásticas (Foto: Lucas Alexandre)

As outras artistas convidadas para esse aniversário também ajudaram a aumentar o volume da mensagem de Letrux. A bateria do Toco-Xona, bloco carioca tradicionalmente voltado para o público lésbico, apresentou sua versão de “I Follow Rivers” (Lykke Li) antes de ajudar Letícia em “Que Estrago”, que a essa altura já é um dos principais hinos contemporâneos das sapatões.

Com a também canceriana Linn da Quebrada, ela apresentou A Lenda”, um dos destaques de “Pajubá”, e ainda uniu forças para uma homenagem à “Rainha do Climão”, Angela Ro Ro, com uma versão de “A mim e a mais ninguém” – transformada no final em “À Linn e a mais ninguém”. Juntas, elas também puxaram os gritos de “Fora Crivella”, “Marielle vive”, “Matheusa vive” e, antes de sair do  palco, Linn fez questão de lembrar: “Eleição sem travesti é golpe!”, uma referência ao PSOL do Rio ter deferido a candidatura de Indianare Siqueira a Deputada Federal.

Além das 11 faixas de climão e das participações especiais, a setlist ainda veio recheada com covers inusitados e que, na voz de Letrux, dão um novo significado aos versos antológicos, como foi o caso de “Ex-Factor” (Lauryn Hill), transformada em balada quase irreconhecível; e “Ray of Light”, uma palinha para o público carioca do show completamente dedicado a Madonna que Letícia apresentou durante a última Virada Cultural de São Paulo.

Letrux celebrando um ano de climão no palco do Circo Voador (Foto: Lucas Alexandre)

Letrux mostra-se plenamente em domínio de sua arte que, realmente, não há termo melhor para descrever o show do que “uma noite de climão”. Assistir ao show foi inevitavelmente um sopro de esperança no coração do público, especialmente dos cariocas, que nesses anos de Prefeito-Bispo tem visto uma mistura entre as leis da Igreja Universal e as do Estado, com censuras a esmo e uma dificuldade paradoxal de fazer-se cultura, logo, no Rio de Janeiro. E aqui é importante frisar que as fotos da mostra Corpos Visíveis, aquela mesma que foi censurada ainda no mês passado, como contamos aqui, estava exposta ontem no Circo Voador.

Um disco feito por financiamento coletivo; uma casa lotada em época de crise; uma carreira de anos que finalmente gera os merecidos frutos. Letrux é o exemplo de que, apesar dos pesares, é possível. E se o Circo Voador já tem sua cota de shows antológicos na cultura popular, esse um ano de climão certamente entrou direto para o portfólio da casa. A sinergia foi tão grande que rolou até um after informal na festa Xêpa, ali na Cinelândia, onde até Linn e Letícia também deram as caras. Noite estranha, de fato, mas geral sentiu.

Leia aqui nossa entrevista exclusiva com Letrux sobre climões, signos e mulheres molhadas.

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