Revista Híbrida
Música

Em “Aos Prantos”, Letrux libera o choro: “Ser sensível é ser forte”

Em "Aos Prantos", Letrux libera o choro: "Ser sensível é ser forte" (Foto: Ana Alexandrino)

“Todo corpo tem lágrima, suor e gozo”. É assim que começa “Letrux Aos Prantos”, segundo disco da artista em carreira solo, lançado na primeira sexta-feira, 13, da nova década e no qual Letícia Novaes mergulha mais fundo em sua cabeça e no mundo que a cerca. Realizado através do projeto Natura Musical, o trabalho traz a mesma intensidade nas letras, apoiado por uma miscelânea de influências musicais sob a produção de Arthur Braganti e Nathália Carrera.

“Mesmo quando a música era mais triste, a nossa atmosfera no estúdio era astral”, afirma Letrux, em entrevista à Híbrida. “Aos Prantos”, como o nome sugere, traz ais desses momentos tristes, introspectivos, desesperados e desesperadores do que “Em Noite de Climão”, que, apesar de também se render às bads inevitáveis, tinha uma produção voltada essencialmente para as pistinhas de dança.

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Entre canções narrativas, quase crônicas, e a dose certa de psicodelia tropical e carioca (ou vice-versa), Letrux entrega “Aos Prantos” com um retrato brasileiro ainda mais contemporâneo do que seu antecessor, se é possível, com a ajuda das participações de Liniker e Luísa Lovefoxx, da Cansei de Ser Sexy (CSS). De referências à cultura online (“Mente que nem meme”), situações dilacerantes e desconcertantes (“Tô me preparando pra quando você passar/Pra quando você casar”) e a inevitável ressaca do clima político (“O País não colabora nem você”), o disco investe na sinceridade crua que marcou “Climão”, sem abrir mão do deboche enquanto abraça a vulnerabilidade.

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Abaixo, Letícia Letrux Novaes fala com a Híbrida sobre a criação de “Aos Prantos”, primeiro disco de inéditas que lança após Jair Bolsonaro ter assumido a presidência do Brasil, os efeitos do cinismo da extrema-direita sobre o trabalho, superstições e a relação de amor e ódio com o Rio de Janeiro:

"Achei que fosse ter um infarto no dia em que Bolsonaro ganhou", diz Letrux (Foto: Ana Alexandrino)
“Achei que fosse ter um infarto no dia em que Bolsonaro ganhou”, diz Letrux (Foto: Ana Alexandrino)

HÍBRIDA: O “Climão” teve uma estética muito voltada para a cor vermelha. Pretende manter isso com “Aos Prantos”? Se sim, qual cor escolheu para esse trabalho e por quê?

LETRUX: A cor vermelha aconteceu de forma bem despretensiosa no Climão. Era um momento político do país e lá estava eu cantando sobre paixão. Coube bem e fez sentido. Amo vermelho, mas acho que não seguiremos no total vermelho. Há algum de preto e branco nesse disco, um filme P&B, mas com pitadas de ouro para embelezar a densidade do disco.

H: A data de lançamento do disco é uma sexta-feira, 13, a primeira de 2020 (a outra é só em novembro). O que ela significa pra você? Pergunto porque, coincidentemente ou não (suspeito que não), o álbum também tem 13 faixas.

L: Tudo na minha vida passa por acaso, coincidência e destino. É um mix de sem querer com muito querer. Eu queria um disco pisciano, pela emoção. A maioria dos lançamentos é sexta. Mas a sexta perto do Carnaval não era boa porque ainda só se fala de Carnaval. Os shows da Casa Natura já estavam programados para 26, 27 e 28 de março. Então, quando fui olhar no calendário, lá estava ela: sexta-feira 13, me esperando. Sou mística, não tenho muitas superstições, mas gosto do mito que há em volta. As pessoas têm medo, eu não. Acho astral.

Quando estou numa fortaleza é que dá medo; quando estou na corda bamba, tudo faz sentido

– Letrux

H: A carioquice transparece muito nas suas letras e, em “Aos Prantos”, você faz referências a Copacabana e até um trocadilho hilário e infame sobre Botafogo. Como é se inspirar nessa cidade, levando em consideração seu momento atual?

L: Sou carioca clássica: amo e odeio o Rio. Há dias que quero fugir daqui, mas aí sou atropelada pela beleza e simpatia. Tenho vergonha e horror ao nosso governador [Wilson Witzel] e prefeito [Marcelo Crivella], homens retrógrados que não amam a cidade que representam, só amam o próprio bolso, infelizmente. Sou muito observadora, quase voyeur, adoro sentar em banco de praça, ficar na praia ouvindo o povo à minha volta. Tem muita coisa hilária sendo dita. Eu anoto, observo, aprendo. O Rio é uma loucura, mas ainda é minha casa. Aqui me reconecto, aqui tenho meus locais de amor, paixão, segredinhos. Criei uma história aqui.

H: Ao anunciar o lançamento de “Aos Prantos”, você escreveu no Instagram que “o choro é livre e, que bom, pelo menos isso ainda nos é permitido”. A frase, claro, foi muito dita pelos bolsonaristas ao longo da campanha de 2018 e após a vitória de Jair Bolsonaro. Considerando que o “Climão” foi lançado em 2017, antes do atual governo chegar ao poder, como você diria que o “climão político” dos últimos dois anos te influenciou como compositora?

L: Achei que fosse ter um infarto no dia em que Bolsonaro ganhou. Estava num apartamento e o vizinho de cima deu 13 tiros na janela. Não esqueço o barulho e o choro que eu dei parecia vir da barriga. Foi estranho demais e muito triste. Observei uma galera cínica, irônica e debochada, botar as asas pra fora, o que eu abomino. Segui minha vida na contramão desses homens nojentos no poder. Minha intuição me guia, minha sensibilidade me protege, ao contrário do que acham. Ser sensível não é ser frágil, é ser forte. É preciso ser sensível pra aguentar tudo isso que estamos vivendo agora.

Observei uma galera cínica, irônica e debochada, botar as asas pra fora, o que eu abomino. Segui minha vida na contramão desses homens nojentos no poder

– Letrux

H: “Se ajeitar direitinho, todo mundo chora e sente”*. Foi difícil admitir e cantar esse lado mais sensível e vulnerável? Deu medo?

L: A frase não é exatamente essa, mas eu quis tratar desses assuntos, de forma honesta e sensível. Não deu medo algum, é o que sempre fui, quando estou numa fortaleza é que dá medo, quando estou na corda bamba, tudo faz sentido.

H: “Aos Prantos” tem, em partes, a identidade dançante do “Climão”, mas também passeia por rock, samba, alguma coisa de jazz e outras influências sonoras. Como foi traçar a identidade sonora desse projeto? O que “não podia faltar”?

L: Sou muita bem amparada por uma banda dos sonhos. Músicos e musicistas excepcionais que amam música, nos divertimos nos ensaios e nas gravações. Mesmo quando a música era mais triste, a nossa atmosfera no estúdio era astral.

É preciso ser sensível pra aguentar tudo isso que estamos vivendo agora

– Letrux

H: Como surgiu a ideia de convidar Lovefoxx e Liniker, ambas de dois extremos tão distante no espectro musical, pra esse disco?

L: Eu amo CSS e amo a Liniker. São vozes e estilos diferentes mas eu amo genuinamente cada uma. Cresci e me inspirei muito na Lovefoxxx, que é uma artista sensacional. A volta delas foi emocionante. E a Liniker é das maiores vozes da atualidade, tem um trabalho mágico. Ela canta e você se arrepia.

H: A última música de “Aos Prantos”, “Cry Something Awakward”, é quase um poema lido a capella. A gravação dessa faixa foi tão improvisada quanto parece?

L: Escrevi essa letra ao longo de alguns pensamentos, ia mudando, ia ajeitando. Pensei em gravar voz e piano, mas tudo fez sentido só com a voz. A solidão da voz a capella pra fechar fez sentido nessa viagem sensível e emocionada.

*Os versos corretos da música “Déjà-vu Frenesi” são: “Se organizar direito, todo mundo chora/Se organizar direito, todo mundo cansa/Mas nem todo mundo transa”.

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