Afeto, raça, ancestralidade e pertencimento. Em seu disco de estreia, “Um Corpo no Mundo”, Luedji Luna consegue transitar por temas espinhosos com leveza na voz e uma mistura de ritmos que a colocaram no radar como uma das artistas mais promissoras dessa nova geração.
Baiana baseada em São Paulo, ela largou a faculdade de Direito, a família e as certezas em Cabula, bairro de Salvador, e partiu para a capital paulista aos 28 anos, jogando seu corpo no mundo e vivendo as experiências que resultariam no seu primeiro álbum, lançado em 2017 por financiamento coletivo.
Ser “sua própria embarcação”, como ela mesma canta, acabou despertando um novo olhar tanto sobre as mudanças internas que passava como para as novas diásporas africanas que observou desde que chegou a São Paulo. Em meio ao isolamento da nova fase, se percebeu nos imigrantes que viu na cidade e foi descascando afeto, solidão, saudade, coragem e coletividade em “Um corpo no mundo”.
De forma direta, Luedji acaba se inserindo nesse novo cenário cultural brasileiro – e, a certo nível, mundial – onde a arte tem sido um dos motores principais para repensarmos certos esqueletos sociais, inclusive o papel da mulher negra em um mundo dominado por homens brancos.
Mais do que atuar apenas com a própria música, ela também lançou no ano passado a Mostra Palavra Preta, em Salvador, reunindo mais de 20 autoras e poetisas negras da Bahia e de outras regiões do Brasil. Paralelamente, também tem levado sua música de cura para áreas periféricas, afirmando à Híbrida: “Minha música só faz sentido com essa troca, com esse diálogo direto com quem quero comunicar”.
Abaixo, leia a entrevista completa com Luedji Luna, na qual ela fala sobre o disco de estreia, os encontros e desencontros da capital paulista e a importância da arte no Brasil:
Híbrida: A escolha por falar de ancestralidade, história e cultura africana foi algo consciente ou surgiu de forma natural? Como acha que isso pode reverberar pelo público?
Luedji Luna: Foi uma escolha natural, que nasceu do meu encontro com a cidade de São Paulo e suas dinâmicas raciais. A música ‘Um Corpo no Mundo’ foi uma resposta a essa experiência.
H: O que te levou à decisão de se mudar para São Paulo? O que esperava encontrar na cidade que não encontrava em Salvador?
LL: São Paulo é o mundo! Tive boas experiências na cidade antes de decidir mudar, é uma cidade onde há mais possibilidade pra tudo.
H: Por sinal, como a ida para lá influenciou seu crescimento artístico e pessoal?
LL: Eu sempre digo que quando a gente se move, tudo se mobiliza, dentro e fora. São Paulo me deu a inspiração pra essa história que venho contando/cantando ultimamente, e me deu condições para a consolidação da minha carreira.
H: A música “Um corpo no mundo” fala sobre o isolamento que você sentiu quando chegou a São Paulo, por não se identificar com a maioria de pessoas brancas da cidade. Hoje, já conseguiu encontrar um sistema de apoio nessa cidade? Como foi esse processo?
LL: Sim. Aparelha Luzia, um quilombo urbano no centro da cidade, capitaneado por uma mulher preta trans, Erica Malunguinho, é um desses espaços.
H: No ano passado, você lançou a Mostra Palavra Preta, composta por artistas negras. Como enxerga a importância de eventos como esse e de onde veio a ideia para criar esse espaço
LL: A ideia nasceu da necessidade de construir um espaço de diálogo, circulação e visibilidade dos trabalhos de mulheres pretas na ausência desses espaços. O projeto foi concebido por mim e por Tatiana Nascimento, poeta, cantora e compositora de Brasília.
A arte tem sido nossa arma mais poderosa!
H: Você contou em outras entrevistas que seus pais são muito militantes e que cresceu em um ambiente onde a política era sempre abordada. Lembra de algum episódio específico em que você tenha absorvido essa mensagem ou alguma conversa que tenha te marcado mais por algum motivo?
LL: Não tem uma lembrança específica, mas era algo do cotidiano, de estar assistindo um programa infantil e seu pai sinalizar que não havia nenhuma Paquita ou apresentadora parecida comigo ou com minha mãe.
H: Como foi se apresentar na Maré, uma das comunidades cariocas que mais sofre com a violência policial contra jovens negros, ataques a centros de religiões de matriz africana etc.? Como essas experiências contribuem para o seu trabalho?
LL: Foi lindo! Percebi como o Rio de Janeiro estava carente desse abraço. Essas experiências não contribuem para o meu trabalho, são o meu trabalho. Minha música só faz sentido com essa troca, com esse diálogo direto com quem quero comunicar. Maré foi isso.
H: Por fim, de que forma você acha que a arte contribui para a diminuição do preconceito, da violência e da invisibilidade contra as pessoas negras?
LL: A arte tem sido nossa arma mais poderosa!