Se você foi uma criança viada no início dos anos 2000, as chances de ter se apaixonado pelas meninas do Rouge e ter dançado o “Ragatanga” são altas. Artistas pioneiras no fenômeno de reality shows musicais, Aline Wirley, Fantine Thó, Karin Hills, Li Martins e Luciana Andrade foram o primeiro e mais bem sucedido produto do Popstars, a versão do SBT para o Americal Idol que chegou ao país em 2002 sem a certeza de aceitação que o formato conseguiu na última década. Mas depois de milhões de discos vendidos, videoclipes de sucesso e uma onipresença na mídia e nas rádios, o grupo se desfez em 2005.
Hoje, 15 anos depois, elas estão de volta e melhores que nunca, prontas para a gravação de um DVD inédito e uma turnê nacional em parceria com o Chá da Alice. “É como entrar em uma máquina do tempo. Nós temos essa oportunidade de reviver o que o Rouge foi, mas com a cabeça de hoje, com uma nova chance e com uma equipe que quer o nosso bem”, comemora Fantine, em coletiva de imprensa no Hotel Promenade, em Copacabana.
A espera dos órfãos de Rouge não é de hoje. Não é difícil esbarrar em alguma festa, temática ou não, que conte com “Ragatanga”, “Beijo molhado” ou “Brilha la luna” em sua setlist. Na internet, campanhas para que o repertório da banda entre no Spotify são feitas quase que mensalmente. Mais do que isso, as meninas se tornaram ícones pop da geração Z brasileira, cultuadas até hoje como a melhor girlband que já foi criada no país e, de certa forma, ícones da comunidade LGBT+, mesmo que, como elas mesmas admitem, esse não tenha sido um objetivo consciente. “A gente só foi descobrir isso agora! Foi uma consequencia bem natural, mas não era a intenção do nosso trabalho”, diz Karin, em entrevista exclusiva à Híbrida.
Nós não fizemos essa escolha de forma consciente, foi orgânico. O público LGBT+ que nos escolheu.
Como Li explica, a audiência mirada pela Sony Music e por todo o time de marketing por trás do grupo eram as crianças daquela época, hoje todas na casa de seus 20 anos. “Nosso produto era voltado para o público infantil, tanto que 90% dos nossos fãs estavam dentro desse recorte. Mas acabou que, ao mesmo tempo, eles eram gays: o CD com glitter, todo rosa e com cheiro de chiclete…”, comenta, ao que Luciana logo emenda: “Nós não fizemos essa escolha de forma consciente, foi orgânico. O público LGBT+ que nos escolheu. O objetivo era infantil, mas o produto era gay!”, ri.
Fantine, mais cedo, já havia falado também sobre como a própria formação do Rouge é vista como inspiração para a comunidade: “Essa diversidade que o Rouge representa é o nosso maior orgulho. A chance de podermos ser como somos – negras, mestiças, gordinhas, baixinhas etc. – passa uma grande mensagem de aceitação”.
Hoje, quase todas as emissoras têm um reality show musical em suas grades de programação. Mas isso não significa que o formato seguido pelo Rouge tenha sido o mesmo: em 2002, o SBT anunciava seu programa com vinhetas de Beyoncé, Shakira e Britney Spears, enquanto perguntava: “Você acha que tem o que é preciso para ser a próxma popstar?”. As cinco meninas foram selecionadas dentre milhares e milhares de candidatas, em um processo completamente televisionado, quando a TV aberta tinha uma influência muito mais latente na geração jovem do que tem hoje em dia.
“A mídia não era pulverizada, tudo era feito através da televisão. Hoje, você tem internet e um monte de coisa…”, avalia Luciana. Para Li, o fenômeno das redes sociais também deve ser levado em conta: “Era muito difícil você poder mostrar o seu trabalho e agora isso fica muito mais acessível. As pessoas têm mais oportunidades, a concorrência é maior e o número de vozes está mais ampliado do que antes”. Aline ainda lembra: “Na nossa época, nos inscrevemos para o programa através de cartas! Quem manda carta hoje em dia, gente?!”.
Mesmo 15 anos depois e com o boom de programas similares como “Fama”, “The Voice”, “X Factor” etc., as meninas do Rouge ainda mantêm a coroa de maior sucesso comercial para um grupo brasileiro como o delas. “É muito difícil associar a nossa história com a fórmula de um reality show. O que aconteceu com a gente não foi algo típico de um programa. A nossa trajetória foi muito única, não existe um histórico parecido com o que tivemos. Hoje em dia, é bem mais difícil para alguém sair de um reality show e atingir o mesmo sucesso que nós alcançamos em 2002”, pondera Luciana.
Aline completa que a forma como elas foram apresentadas para o país também influenciou os louros que elas ainda colhem: “Isso tem muito a ver com a nossa cultura. O brasileiro é muito emocional. Eu lembro que o programa entrou na minha casa, gente, e o povo abraça muito esse tipo de atitude”.
Popstars na vida adulta: maiores, melhores e mais maduras
O retorno do grupo foi ensaiado, remarcado e cancelado algumas vezes nesses últimos 15 anos, o que levou os fãs do êxtase à decepção nesse meio-tempo. Mas graças à produção do “Chá da Alice”, encabeçada por Pablo Falcão, o sonho finalmente virou realidade. Tradicional na cena noturna e LGBT+ carioca, a festa foi também a responsável pela volta de Xuxa aos palcos, além de ter ajudado a impulsionar nomes como Anitta, Ludmilla e Valesca, ainda no início de suas carreiras, dando a todas essas artistas a chance de se apresentarem em uma megaprodução com cenário e figurino já gravados na memória do público. “Nada disso seria possível se não fosse feito com uma equipe visionária, profissional e do bem. Eles não nos podam e ainda nos dão a oportunidade de criarmos e florescermos”, explica Luciana.
“Batalhamos muito para que isso fosse possível e eu me surpreendi demais. O projeto era para ser de uma forma, mas sinto que ele é algo muito maior. Quando elas se juntam, é uma energia inacreditável. O trabalho que vamos apresentar é fruto de cinco seres humanos incríveis e uma equipe de mais de 100 pessoas que compartilham do mesmo objetivo e do mesmo amor pela arte”, revela Pablo. Não à toa, mostrando que a festa está completamente em sintonia com o desejo do seu público, os ingressos para o show que elas realizam na noite de hoje, no Vivo Rio, já estão esgotados há dias.
Para as meninas, a adaptação à nova rotina não foi fácil, mas foi prazeroa. Em apenas 15 dias, elas coreografaram, regravaram músicas e ensaiaram exaustivamente para um show de cerca de duas horas, algo que elas não faziam há pelo menos 10 anos. ”Pra mim, tá difícil!”, diz Li, entre gargalhadas. “Concilicar a vida de mãe – com uma bebê de três meses! – e essa bateria de ensaios tem sido um desafio. Em relação à rotina que eu tinha de mãe full-time, voltar ao esquema de dançar nessa intensidade foi um choque para o meu corpo. É muita dor nas costas, nas pernas… O peito cheio de leite chega a doer quando eu pulo!”, brinca, contando que às vezes precisa amamentar entre um número e outro durante os ensaios.
O apoio entre elas também está maior e mais nítido, sem nenhum sinal dos estranhamentos típicos de uma banda ou do desconforto que foi criado com a saída de Luciana do grupo, em 2004. “Estar em um grupo é como um casamento: você precisa entender onde fica o espaço da individualidade e onde fica o bem maior coletivo, que nem sempre é o mesmo. Estamos entendendo como potencializar o todo e ter esse tipo de maturidade é muito difícil. É um esforço aprender a colocar o ego de lado e ver o que vai servir melhor ao público e ao conceito do trabalho”, pontua Fantine
“Nos sentimos mais empoderadas. E, ao mesmo tempo, nós nos refletimos umas nas outras. Essas meninas são a minha inspiração para não desistir! Quando eu acho que não vou aguentar mais, olho para o lado e vejo a Li, amamentando um bebê e dando o máximo de si para estar ali”, elogia Luciana, enquanto as amigas balançam a cabeça assertivamente. Ela ainda acrescenta: “Hoje, estamos mais seguras e mais maduras. Agora, podemos cantar com mais propriedade algumas coisas que não faziam tanto sentido antes, quando tinhamos 20 anos”, comenta, citando de exemplo versos como “te deixo tocar” ou “chega devagarinho, faz do jeito certo”.
Fantine faz eco às afirmações de Luciana e concorda que hoje também se sente melhor e mais segura em relação à própria imagem. “Eu estou desfrutando mais do meu corpo e da minha beleza hoje, como uma mulher de 38 anos, do que quando eu tinha 20. Foi muito confrontante superar essa crença de que eu ficaria mais feia ou dançaria menos quando estivesse mais velha. Isso não é verdade”, considera. Aline ainda completa: “A gente se reconectou, se amou e se curtiu nessas duas semanas. Estamos muito felizes!”.
Aline, que hoje é casada com o ator Igor Rickli, ainda comenta sobre a importância que o retorno da girlband teve não só para as artistas, mas também para os fãs: “Falar do Rouge não é falar só de nós cinco. É uma geração inteira que ouvia os discos, dançava o ‘Ragatanga’, queria ir aos shows… São muitas histórias ligadas à nossa”. Fantine, que por sua vez dedica parte do tempo a aulas de dança e de ioga, complementa: “Estamos com a energia guardada de anos, muito renovadas e trabalhando duro!”. E Luciana, assim como o público, confessa que sempre teve esperanças de um reencontro: “Eu sou um pouco mais romântica e acho que há sempre um plano maior”.