Na seleção de agosto com os principais lançamentos musicais de artistas nacionais e internacionais LGBTQIA+, o colunista Fabiano Moreira* comenta os novos discos de Jão, IZA e Anitta, além da nova mixtape de MC Xuxú e singles de Antínoo, Irakytan, Maikon, Kevin O Chris, Maluma, Karol G e Dennis, Doce Delix.
Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.
Jão – “SUPER”
É claro que o “Super” que intitula o quarto álbum de Jão é todo escrito em caixa alta, SUPER, como a nova geração gosta de grafar as palavras. Achei esse o seu melhor álbum, especialmente nas faixas mais pra cima. De triste já chega a vida, né? A faixa no foco do lançamento, a sexy “Me lambe”, puxa a ala das animadas, como “Escorpião” e “Gameboy”. Não à toa, elas abrem o trabalho, que revisita o passado do artista com sonoridades regionais características de Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, como country, rock e hits upbeat, modernizados pelo pop e pelo elétrico, influências da sua atual fase na capital paulista. As canções foram compostas por Jão, Pedro Tófani e Zebu, falando de amores, desamores, traição, vingança, interior, cidade grande, sonhos e realizações. Jão se apresentará no festival The Town, em 10 de setembro. A garotada ama, grita e bate palmas.
IZA – “Afrodith”
Falando na “maiusculização” (risos) da grafia, mais um álbum, AFRODITH, também chega em CAIXA ALTA, toda grandona, corrigindo um erro na carreira da nossa carismática estrela da música nacional. IZA, que também assina o próprio nome com maiúsculas, agora tem um álbum pra chamar de seu, depois da estreia insossa e desamarrada de Dona de mim (2018). Ela tem uma imagem impecável perante o público, é uma mulher linda e simples, que canta pra caramba e é empática, “serumani”, o poder.
A campanha do novo disco já começou com o pé na porta através de “Fé nas maluca”, parceria com outra gigante, a MC Carol. O álbum é marcado por boas parcerias, com Russo Passapusso, do BaianaSystem, no power reggae “Mega da Virada”; Djonga e Nave, em “Sintoniza”; a rainha do afrobeat nigeriana Tiwa Savage, em “Bomzão”; e L7nnon e Papatinho, em “Fiu Fiu”. Com uma imersão nas questões femininas, a artista celebra ainda o término de um casamento totalmente tóxico, com acordo de R$ 3 milhões na Justiça, como fica visível em “Nunca Mais”, desabafo contundente que abre o projeto em arranjos de cordas do maestro Verocai. Aí que os fãs se apaixonam ainda mais por ela, sua autenticidade e independência feminina regadas a afrobeat, R&B, rap, lovesong, funk e MPB.
MC Xuxú – “Mavamba”
MC Xuxú é uma precursora e uma referência para a comunidade trans nacional, como me confirmou a cantora sergipana Isis Broken, impactada pela sua arte em outra região do País. Sua mensagem é tão importante que atravessa fronteiras. E foi justamente pelas potências da sua música e de suas apresentações ao vivo que ela inaugurou a Sexta Sei, há exatos três anos. Xuxú acaba de lançar a mixtape Mavamba, sucessora do seu álbum de estreia, Senzala (2018). No trabalho, ela fala sobre diversas experiências da população trans ao som de variações do ritmo que a revelou, o funk, que aparece como 150bpm, trap e brega funk.
Mavamba é um alterego e significa malandra, marginal. Xuxú é precursora da participação de pessoas transexuais no funk desde que viralizou com seu hit “Um beijo”, exatamente como diz a faixa de abertura da mixtape, “Jog4”, “do Complexo da Candinha para o mundo”. A mixtape conta com participações de Boombeat e Bixarte, nomes importantes na cena trans nacional, além de Mulher Banana, Sanvtto, Aika Cortez e Caetano Brasil.
No brega funk “Tr4ve$ty”, com MC Trans e Garota X, ela emula o próprio sucesso “Um beijo“ e avisa que “tudo vai depender da forma que for tratada”. É trava, “é trava, é trava”, diz a letra, que acaba citando o meme que imortalizou Luisa Marilac. Laura Conceição e Dona Chapa, nomes da potente cena jovem juiz-forana, participam na maravilhosa “Hora do chá II”. E como não se dedicar a “See the dick”, que encerra o volume com chave de ouro e levada de samba? A mixtape foi gravada com recursos do edital Fernanda Müller, da Funalfa, uma bonita conexão geracional de nomes que marcaram a cultura LGBTQIA+ de Juiz de Fora.
Anitta – “Funk Generation – A Favela Love Story”
Anitta segue sendo a mais capitalista das estrelas do pop nacional e honra a sua fama de businesswoman com este bundle (novo nome para EP, risos), Funk Generation – A Favela Love Story. De forma magistral, ela embala os nossos funks e outros ritmos brasileiros, com letras em inglês, espanhol e pitadas de português, já de olho no faturamento para o mercado externo, seu alvo nos últimos anos. Eu já tinha falado aqui, em junho, de “Funk rave”, que anunciou o projeto e rendeu uma segunda indicação da carioca ao MTV Video Music Awards (VMA). A produção é de Diplo e da dupla de brasileiros Gabriel do Borel e Márcio Arantes. “Casi Casi” e “Used to be” completam a tracklist, esta última com clipe no qual Anitta serve funk melody, um casamento loucurinha, dança, “cafonice intrínseca” e poder. Ela, claro, já aproveitou e também lançou um lojinha.
Antínoo – “Púrpura”
Conheci o artista goiano Antínoo em abril, quando começou sua parceria com o talentoso Adriano Cintra, produtor que fez fama e história com a banda Cansei de Ser Sexy (CSS) e com quem ele lançou o single duplo de versões eletrônicas e soturnas para “Infinito Particular”, de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, e “I have a woman inside my soul”, de Yoko Ono. Em agosto, o artista lançou “Púrpura”, o primeiro single de seu segundo álbum, Antínoo passa o recado, também produzido pelo craque Adriano, que já chega com texto escrito em padê, tapa-olho e gritaria, sampler de um diálogo do filme Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, e citação a “Mora na Filosofia”, composição de Arnaldo Passos e Monsueto Menezes. O clipe, dirigido por ele mesmo, tem narrativa sombria e elementos decadentes.
Bati um papo com ele pra Sexta Sei, no qual falamos da escolha do Copan como cenário pro clipe por ser o “exemplo perfeito de metrópole latino-americana, com pessoas das mais diversas origens, orientações sexuais, raças, classes sociais e gerações”, da falta de um show com plateia, já que começou seu trabalho artístico na pandemia, e da parceria com Cintra, que é, para ele, o melhor produtor do Brasil.
Doce Delix – “a vida que eu quero”
O casal Gabriel Alyrio e Tiago Tortora, que forma o duo Doce Delix, está vivendo “a vida que eu tô afim” no clipe leve e amorzinho de “a vida que eu quero”, com imagens deles coletadas nos últimos 17 anos. Só podemos desejar a partir daí um amor leve e gostoso na natureza. O casal do selo Peneira Musical estreou em 2020, como Dulceneia, e esse é o primeiro lançamento sob o novo nome. Geral sentiu. Eles contam, em vídeo de financiamento para o álbum, que já esconderam a condição de namorados no começo da carreira. Como diz a letra, “a vida é melhor assim”. Há seis anos, eles também abriram mão de seus antigos empregos para se dedicarem completamente à música. Essa leveza permeia o som, da letra ao arranjo, sweet groove, com referências da MPB, neo soul e pop. Deu vontade.
Kevin O Chris, Maluma, Karol G e Dennis – “Tá OK”
Umas das vozes mais lindas da nova geração e que já chamou até a atenção de Drake, Kevin O Chris deu o que falar em agosto, colocando duas músicas no topo das mais tocadas no Spotify: o sucesso de “Faz um Vuk Vuk”, do EP Tamborzão Raiz, Vol. 2; e o novo hit “Tá OK”, com os gringos Maluma, Karol G e Dennis. Kevin achou que os colombianos estavam ganhando mais atenção do que ele, postou um comunicado e tentou até derrubar a faixa que marca o encontro do nosso funk com o reggaeton. Fato que ele é a grande estrela da música, em tempo de tela e de voz. Karol G está linda e sexy como funkeira, mas realmente é difícil gostar de Dennis depois daquelas aparições ao lado de um boneco inflável de si mesmo. O videoclipe começa da pior forma, com dramaturgia ruim, e foi gravado entre Bruxelas, Los Angeles e Rio de Janeiro, resgatando a estética do “Funk Carioca 2000” de forma repaginada.
Maikon – “Ainda estou aqui”
O paulistano Maikon já foi evangélico e cantor de gospel. Há dois anos, ele saiu do armário com muita força e, VRAU!, está quebrando tabus dos tempos de oração no clipe de “Ainda estou aqui”, esquenta pro seu novo EP, Independente. O gato, que canta pra caramba, gravou um clipe que mostra “situações de fetiches, desejos e sexo” no Dédalos Bar, point de pegação gay do Arouche, em São Paulo.
“A espiritualidade é muito mais importante do que levar o título de alguma igreja”, prega o artista. Maikon já regravou canção de Wanessa Camargo, “Não resisto a nós dois”, mas foi uma composição sua, “Inabalável”, que ganhou atenção do público e chegou a mais de 600 mil plays no Spotify. Para o EP, ele promete “canções sobre amizade, curtição, quebra dos paradigmas da família tradicional, e situações do cotidiano de pessoas LGBTQIAPN+”.
Irakytan – “Asas”
Eu falei aqui na página, em maio, do conceitual Talismã, EP de estreia do paranaense Irakytan, de 26 anos. A faixa “Asas” acaba de ganhar clipe gravado sobre montanhas de barro na terra roxa de Maringá, sua terra natal, para falar sobre não pertencimento e metamorfose. “O videoclipe conta esta história de uma fuga de si mesmo que não deixa enxergar suas mudanças, e a necessidade de estar em outro lugar, ao ponto de se permitir voar”, explica. Bati um papo sobre o EP, o uso do clarinete e as reflexões sobre o sentimento de se entender uma pessoa não-binária com ele aqui.
A redação também está ouvindo:
“Quase não namoro”, Juliette e Marina Sena
“Campo de morango”, Luiza Sonza
“Pegada de vilão”, Thiago Pantaleão e Kynnie
“Snooze”, SZA
“Used To Be Young”, Miley Cyrus
“Single Soon”, Selena Gomez
*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O Globo, Tribuna de Minas, Mix Brasil, RG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.