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POLÍTICA

ENTREVISTA: No Congresso, Erika Hilton quer “reeducar a sociedade” sobre pessoas trans

Erika Hilton foi eleita a primeira travesti e transexual deputada federal por São Paulo

Erika Hilton foi eleita a primeira travesti e transexual deputada federal por São Paulo

Aos 29 anos, Erika Hilton (PSOL) já é uma travesti pioneira na história da política brasileira. Mesmo antes de se tornar uma das duas primeiras transexuais eleitas para o Congresso Nacional nas eleições do último domingo (2), a agora deputada federal de São Paulo já havia encabeçado o ineditismo como co-deputada estadual em 2018 e, dois anos depois, a vereadora mais votada da maior capital do País. Mas agora, ela pode estar diante do seu maior desafio ao chegar em um Legislativo que será majoritariamente formado por pessoas tão conservadoras quanto radicais, eleitas com bandeiras, discursos e propostas que se opõem a tudo que Erika representa e é.

Ciente da dificuldade à frente, entretanto, ela não se deixa abater: “Não será algo fácil. A composição [do Congresso] é preocupante e demonstra um avanço da direita fascista e extrema que tirou a direita moderada”, avalia a deputada, em entrevista à Híbrida. “Será um espaço duro de batalhas e onde nossa presença será importante para barrar e jogar luz nos retrocessos que já estão postos na legislatura de 2023.”

O primeiro turno das eleições 2022 trouxe um recorde de pessoas LGBTI+ eleitas e as primeiras transexuais alçadas ao posto de deputadas federais, com Erika e Duda Salabert (PDT-MG). Mas também tornou o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, na maior bancada do Congresso Nacional, com 99 candidaturas eleitas. O próprio chefe do Executivo recebeu mais votos do que o esperado no primeiro turno, sendo o escolhido por mais de 51 milhões de brasileiros.

Mas superar obstáculos e construir pontes parece estar impregnado no DNA de Erika, uma travesti preta vivendo no País que mais mata pessoas como ela. Apesar de ter sido um dos principais alvos do conservadorismo paulistano e ter encarado ameaças de morte e ofensas ao longo dos últimos quatro anos na política institucional, a deputada federal conseguiu se eleger com mais de 256 mil votos, figurando entre as 10 candidaturas mais votadas no Estado e a terceira entre as mulheres.

“Entendo esse ineditismo como uma denúncia contra todo o processo de exclusão, marginalização e violência de pessoas trans. É brutal que não tivemos uma representação desde a redemocratização do nosso País. Esse é o primeiro ponto que grita”, diz a deputada. “Mas também vejo o avanço que estamos dando, o escancarar dessa democracia.”

De certa forma, enfrentar uma maioria conservadora e contrária à sua presença é algo que Erika vem fazendo desde o início, quando foi expulsa de casa aos 14 anos e se viu vítima da prostituição compulsória à qual a população trans é submetida no País. Não à toa, ela defende que apesar das muitas demandas e carências da comunidade LGBTI+, a mais urgente agora é “defender a vida” dessa população.

“Seguimos sendo executadas de forma brutal. É preciso um programa de dignidade cidadã para assegurar renda, moradia, acesso à educação e à saúde públicas”, observa. “Precisamos comer, morar e vestir, ter o direito de ir e vir sem estarmos com nossas vidas e corpos ameaçados.”

Nos últimos dois anos, Erika conseguiu mais do que levar representatividade à Câmara Municipal de São Paulo. Ela foi eleita presidenta da Comissão de Direitos Humanos e seu mandato instituiu a CPI da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis. Ao fim das investigações, foi publicado um documento com mais de 200 páginas contendo 189 recomendações factuais e sólidas a 33 instituições públicas e privadas para o combate à transfobia institucional.

Ainda assim, não pense por um minuto que Erika Hilton pretende olhar apenas para as pessoas LGBTI+. “Temos um projeto e sabemos o programa que queremos, de combate à fome, ao desemprego, às devastações ambientais, de enfrentamento ao aumento da população de rua, de proteção às mulheres negras e aos direitos humanos”, explica.

Abrimos uma fenda sem volta do escancarar da presença trans e travesti nos espaços

A deputada, que despertou para a política quando teve seu nome social negado no transporte escolar de Itu, em 2016, diz que “sempre será uma ativista hackeando a democracia e os espaços”. Mas alguma coisa mudou na sua visão de militância desde então? “Os últimos anos me fizeram entender que o ‘jogo’ é profundo e é preciso uma capacidade de diálogo, negociação, desenvolvimento de estratégias e mecanismos para enfrentar todos os horrores.”

É assim que ela pretende construir seu legado no Congresso: através de alianças estratégicas, “dialogando com os moderados” e demonstrando “como essas pautas são essenciais não só para os grupos específicos, mas para a sociedade”. “E esperamos que o presidente Lula possa se eleger, porque algumas políticas não precisam ser do parlamento, mas podem ser construídas em conjunto entre o Legislativo e o Executivo.”

Foi Angela Davis quem declarou a máxima de que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Agora, o Brasil verá pela primeira vez o que acontece quando essa mulher negra é uma travesti e se movimenta como uma parlamentar na capital federal do País.

“Acho que vamos começar a pautar, discutir e enxergar coisas que nunca foram nem avaliadas. Abrimos uma fenda sem volta do escancarar da presença trans e travesti nos espaços, como o parlamento”, avalia Erika Hilton, com um desejo e promessa: “Conseguiremos reeducar a sociedade de alguma forma para nos enxergar com outros olhos, derrubar os estereótipos da nossa sociedade e nos humanizar ainda mais”.

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