Durante os 13 anos em que esteve controlada por uma tutela, Britney Spears teve seu dinheiro utilizado para financiar uma igreja conservadora que aplica a “cura” para pessoas LGBTI+ nos Estados Unidos. A suspeita já pairava entre os fãs da Princesa do Pop e foi confirmada no último fim de semana pelo jornal The New York Times.
A equipe de reportagem do NYT descobriu que, em 2010, dezenas de milhares de dólares foram transferidos do patrimônio de Britney Spears para um grupo religioso ligado a Louise M. Taylor, dona da empresa Tri Star, que passou a gerenciar a carreira da artista desde o início da tutela. “Lou” Taylor é também apontada como uma das principais articuladoras por trás do arranjo legal que restringiu as liberdades individuais da popstar por 13 anos.
Os documentos obtidos pela reportagem apontam que o dinheiro de Britney foi transferido para membros de uma filial da Capela do Calvário, no estado do Tennessee, a qual tem ligações diretas com Lou Taylor e seu marido. O fundador do grupo de igrejas evangélicas, Chuck Smith, já declarou publicamente que a homossexualidade é um “estilo de vida pervertido” e tem contribuído para o fim do mundo.
Jamie Spears, pai de Britney e responsável por cuidar de sua vida pessoal e suas finanças no período, lucrou cerca de R$34,5 milhões como conservador da filha e também doou ocasionalmente 10% de tudo que recebeu da tutela à igreja, de acordo com os documentos obtidos pelo NYT. O dinheiro era enviado para um grupo de voluntários ligados à Capela do Calvário, os Mercy Ministries (“Ministros da Misericórdia”), que também defendem abertamente a suposta “cura gay” e a ideia de que a homossexualidade é um pecado.
O programa oferecido pelos Mercy Ministries é especialmente voltado para lésbicas de 13 a 32 anos. De acordo com a descrição original, eles prometem mudar “problemas de vida” ao longo de seis meses e ajudar mulheres a seguirem uma “sexualidade saudável e baseada na bíblia”, além de afirmar que relacionamentos homoafetivos são apenas uma “confusão sexual”. Tanto Jamie quanto Lou doavam milhares de dólares para o grupo dos Ministros, que por sua vez os repassavam para a Capela do Calvário, que conta com de 2 mil filiais espalhadas pelo mundo, presente inclusive no Brasil.
Em 2017, o pai da artista foi batizado no rio Jordão, em Israel, pelo marido de Lou, Rob Taylor, que à época também era pastor na Capela do Calvário. Uma foto da cerimônia foi publicada pela própria empresária (veja abaixo), mas hoje está indisponível no seu perfil oficial. Desde o início do movimento “Free Britney”, Lou fez uma limpa em suas redes sociais e apagou uma série de postagens, incluindo esta imagem.
Como a própria reportagem do NYT aponta, o repasse de verbas ligadas ao patrimônio de Britney Spears para instituições que se opõem aos direitos LGBTI+ é uma atividade que contraria os princípios defendidos pela própria artista, considerada desde o início da sua carreira como um ícone para a comunidade.
Ainda em 2018, Britney foi homenageada pela GLAAD, uma das principais organizações voltadas à promoção dos direitos e visibilidade de LGBTIs, com o prêmio Vanguarda, dedicado aos principais aliados da causa. Além disso, são incontáveis as veze que ela demonstrou apoio, respeito e engajamento com a comunidade.
Perseguição de fãs e autopromoção
O dinheiro da Princesa do Pop também foi usado para que Lou Taylor e representantes da Tri Star perseguissem e intimidassem os próprios fãs da artista, que começaram a impulsionar o movimento “Free Britney” em 2019. À época, ela cancelou o que seria sua segunda residência de shows em Las Vegas e, logo em seguida, o público passou a desconfiar que ela foi internada em uma clínica psiquiátrica contra a sua vontade – o que foi confirmado pela própria em depoimento à Corte de Los Angeles neste ano.
Segundo os documentos obtidos pelo NYT, Britney teria pagado cerca de R$ 1,9 milhão para os advogados intimidarem fãs que criticavam o papel de Lou Taylor na tutela com acusações de “difamação”. Um dos principais alvos foi o fan site BreatheHeavy, fundado por Jordan Miller, um dos primeiros adeptos do “Free Britney”.
Outros pagamentos com o dinheiro de Britney também foram feitos a revistas de entretenimento, que passaram a publicar propagandas com supostos quotes da artistas chamando Lou Taylor de “a melhor das melhores empresários”. Durante seu depoimento, em junho deste ano, a Princesa do Pop pediu que a tutela fosse terminada, que era vítima de abusos e que todos envolvidos no esquema – incluindo a empresária – deveriam ser presos.
Britney disse que estava “cansada de ser explorada”. Ela também condenou especificamente o uso de seu patrimônio para perseguir os fãs.
Hoje, Britney está livre da tutela após 13 anos, mas seu pai e Lou Taylor contiuam sendo investigados pelo Estado da Califórnia e pelo novo advogado da artista, Matthew Rosengart. Eles tentam descobrir quanto Jamie, Lou e a Tri Star lucraram ao longo da administração do patrimônio, mas todos os envolvidos têm negado entregar documentos cruciais para essa conta, segundo o atual representante legal da Princesa do Pop.
Já ela, que desde quando se viu livre da tutela não tem poupado críticas públicas à família e, bem, qualquer um que tenha abusado da sua boa vontade nos últimos 20 anos, desabafou pelo Instagram no último dia 13 em uma publicação posteriormente apagada. Britney lembrou de uma entrevista concedida a Diane Sawyer, em 2003, ocasião em que foi cobrada por não ser um bom “modelo” para crianças e explorar sua sexualidade nas músicas, fotos e vídeos da época.
“Bastante lamentável que meu pai e três homens apareceram na minha porta quando eu mal podia falar. Dois dias depois colocaram Diane Sawyer na minha sala. Eles me forçaram a falar! Eu era um bebê… Tinha quase 22 anos e não entendia… Ela disse ‘uma mulher ou uma menina?’. Eu gostaria de dizer agora ‘Senhora, eu sou uma puta católica'”, escreveu Britney, livre.