Um dos maiores ícones LGBTQIA+ do País, Jorge Laffond marcou gerações com a irreverência e humor de sua Vera Verão, em uma época quando a representatividade no Brasil era escassa e podia transformava heróis em alvos. Mas hoje, o talento e a trajetória do astro e da personagem servem de inspiração para um espetáculo à parte do que causaram em vida com a peça JORGE pra sempre VERÂO, que desembarca no SESC Santana para sua primeira temporada em São Paulo, em cartaz até 21 de fevereiro.
O roteiro original é escrito pela prima de Laffond, Aline Mohamad, em parceria com Diego do Subúrbio. O espetáculo já foi apresentado no Rio de Janeiro, onde recebeu elogios da crítica e do público. Sob a direção de Rodrigo França, o elenco é formado por Alexandre Mitre, que vive Jorge; pela nossa cover star Aretha Sadick, como a entidade Vera Verão; e por Noemia Oliveira, que dá vida a Aline.
“É uma peça de cura, sabe? É a única possibilidade de reencontro que eu tenho com ele”, diz Aline, em uma conversa com a Híbrida. Apesar dos laços sanguíneos, ela conta que desde pequena foi praticamente ensinada a rejeitar a figura do primo, com quem afirma se parecer fisicamente. O motivo do afastamento foi a homofobia que se enraizou nela quando ainda era criança.
Aline diz que sempre foi comparada ao primo por se parecer muito com ele. E, por mais que a sua e outras figuras LGBTI+ pretas sejam reverenciadas agora, para uma criança dos anos 1990 ser chamada de Vera Verão era algo pejorativo e motivo de escárnio. Hoje, aos 40 anos, ela se sente suficientemente confortável para admitir que não conheceu Laffond porque não quis.
“Hoje em dia, a gente se exalta e se sente honrado com essa comparação. Mas, naquela época, era um xingamento, uma forma de ofender pessoas pretas ao compará-las com ele. Ele era um cara gay e essa brincadeira de me chamarem de Vera Verão me causava muita repulsa”, lembra.
O sentimento mudou quando, já trabalhando como curadora de teatro e em uma festa no Rio, Aline se viu atraída por uma travesti. “Senti um desejo por ela. Não de tesão, mas de afeto, de querer me relacionar. Quando entendi o que tinha sentido, me trouxe uma sensação de entendimento”, lembra.
Foi nesse dia que nasceu o espetáculo em cartaz no SESC Santana. Aline conta que se sentiu invadida por um sentimento de empatia com o primo, escreveu uma carta entre lágrimas para ele e enviou o texto para outros amigos que também eram bichas pretas. Ao acordar no dia seguinte, a maioria das respostas dizia: “Você tem uma peça em mãos”.
JORGE pra sempre VERÃO é descrita por Aline como uma “autoficção”, com um pé no real e outro na fábula de quem seria Laffond e como ele agiria em determinados contextos e situações que nunca chegou a viver. Nesse exercício mental, baseado em entrevistas que o comediante deu ainda em vida, ela tenta criar uma reconexão póstuma com o comediante e ao mesmo tempo com outras pessoas pretas LGBTQIA+ que possam se identificar com os estigmas e dilemas vividos pelo criador de Vera Verão.
“A peça dá uma questionada social. Nunca vou poder dizer se o Jorge era travesti ou não. O único registro dele sobre isso é dizendo que a Vera era uma entidade – o que é lindo, porque ele já levanta essa bandeira do candomblé”, avalia Aline. “Mas, se pararmos pra pensar, as travestis aceitas eram brancas. Hoje em dia, vemos corpos que se reconhecem no feminino e são pretos, barbudos e aceitos. Mudou muito.”
Assim, o texto passa por esse local de representatividade ancestral que Jorge Laffond e Vera Verão ocupariam para as gerações futuras de pessoas pretas e LGBTQIA+, mesmo que naquela época eles ainda não soubessem. “É um costurado. Tem muita verdade e nossas histórias são muito parecidas. O espetáculo tem seu lado de comédia, mas muito drama, porque é muito real”, aponta Aline.
Ela conta que “mergulhou muito no livro dele e nos vídeos de entrevista, no que era possível”, para dar ao texto a maior proximidade que conseguisse com a voz real do primo. “Não temos um registro dele de fato, e isso é um absurdo. Não tem homenagem a ele, temos só teses de doutorado e mestrado, mas nada da grande mídia”, argumenta.
Um dos mistérios sobre o primo que ainda assombra Aline é o boato de que Laffond teria caído em uma crise irreversível de depressão após sua participação em um quadro do Domingo Legal ter sido vetada pela equipe do Padre Marcelo Rossi, que participava da mesma gravação, em novembro de 2002, menos de dois meses antes da sua morte. “Eu acredito muito que isso influenciou”, afirma Aline sobre o episódio. “É um silêncio que se tem até hoje. Pra mim, é motivo de vergonha.”
Entre altos, baixos e divagações, ela acredita que a peça é um local de cura não só para si, mas para a plateia. “O Jorge pode não estar mais com a gente, mas a Vera está e vem atravessando gerações.”
Serviço:
JORGE pra sempre VERÃO
Temporada: 20 de Janeiro a 21 de fevereiro
Dias da semana: Sexta-feira a Domingo
Horário: 20h (sextas e sábados) e 18h (domingos)
Na sessão do dia 29 de janeiro haverá acessibilidade com intérprete de libras;
No dia 17 de fevereiro haverá sessão dupla – às 15h e às 20h;
Dia 19 de fevereiro, domingo de carnaval, a sessão será às 20h;
Dia 21 de fevereiro, terça-feira de carnaval, haverá sessão às 20h;
Ingressos: R$ 12 (credencial plena) / R$ 20 (meia-entrada) / R$ 40 (inteira);
Compra online de ingressos aqui.
Local: SESC Santana – Av. Luiz Dumont Villares, 579 – São Paulo