Depois da tentativa frustrada de barrar a exposição “Queermuseu” no Rio, Marcelo Crivella (PRB) volta a confundir os papeis de prefeito e de bispo na administração pública com um novo alvo, a peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha dos Céus”. A montagem, que rodou o Brasil ano passado, após outras duas censuras em Jundiaí e em Salvador, estava finalmente a caminho da capital fluminense para sua primeira apresentação durante a Mostra Corpos Visíveis, que aconteceria entre os dias 8 e 10, em Madureira.
Mantendo seu estilo inconfundível (e felizmente nos poupando de uma nova investida no humor), Crivella publicou um vídeo em suas redes sociais, afirmando com todas as letras: “Na minha administração, nenhum espetáculo, nenhuma exposição vai ofender a religião das pessoas”.
O problema é que Crivella parece ter esquecido que a pró´ria Prefeitura já havia autorizado a Mostra. A tal exposição à qual ele se refere, talvez por lapso de memória, já está confirmada no Rio de Janeiro e será aberta no segundo semestre desse ano, graças a um poderoso financiamento coletivo que bateu recorde na plataforma da Benfeitoria. E, por fim, quando outros movimentos conservadores tentaram inviabilizar as apresentações de “Rainha dos Céus”, eles o fizeram através de ações judiciais e não apenas com base em “achismos” e no uso desmedido do poder público.
“Jesus é a imagem e semelhança de todes, menos de nós pessoas trans – é inapropriado”, escreveu Renata Carvalho, estrela principal de “O Evangelho segundo Jesus”, em um texto publicado nas suas redes sociais. Na peça, com texto original de Jo Clifford, a atriz questiona a forma como Jesus seria recebido no mundo de hoje se voltasse como uma travesti.
Para a atriz, que vem encarando uma verdadeira batalha burocrática e judicial apenas para subir aos palcos, o posicionamento do prefeito evidencia ainda mais o cenário de exclusão social e transfobia que a população trans sofre no Brasil: “Não é uma perseguição e tão somente a arte, e sim ao corpo travesti. Ser Travesti é errado, vergonhoso ou apenas sem-vergonhice. Precisamos desmistificar essa construção social que criminaliza nossos corpos, identidades e vivências trans”.
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Além de “Rainha dos Céus”, o veto de Crivella acabou censurando boa parte da Mostra Corpos Visíveis, que trará ao Rio uma programação especial para o Mês do Orgulho LGBT, com uma série de performances, palestras, oficinas, shows e peças celebrando a diversidade. Quatro imagens que seriam expostas foram vetadas e todos os eventos agendados para a Arena Fernando Torres também estão suspensos.
Na tarde desta terça (5), militantes e ativistas invadiram o Teatro Imperator, em Madureira, para protestar contra o cancelamento e pressionar os membros da Secretaria Municipal de Cultura. Uma reunião foi marcada para a manhã de hoje, na qual a Secretaria, a Comissão de Cultura da Câmara dos Vereadores e a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual irão definir os novos rumos do evento.
Enquanto o futuro da Mostra é incerto, é preciso lembrar que esse já configura o terceiro caso de censura protagonizado pelo gabinete de Marcelo Crivella. Mas, dessa vez, a atitude ganha um gosto especialmente amargo, por vir exatamente no mês em que nossa cultura e nossas vivências deveriam ser celebradas, não caladas. Em um período no qual deveríamos lembrar as lutas do passado e as conquistas até aqui, o prefeito do Rio reforça o recado de que a luta está longe de acabar.