Híbrida
ARROBA

Klébio Damas sobre bissexualidade: “Nunca me declarei como gay na vida”

Klébio Damas sobre bissexualidade: "Sempre acham que sou gay encubado"

Uma pesquisa lançada em junho pela agência Mosaico apontou que apenas 15,1% dos criadores de conteúdo LGBTQ+ do Brasil se identificam como bissexuais, enquanto a grande maioria (64,5%) se declarou como gay. Um dos principais nome representando o B da comunidade nessa seara de influenciador é Klébio Damas, youtuber e dono do canal Mundo Paralelo, com mais de um milhão de inscritos.

Klébio começou a gravar vídeos ainda na adolescência, quando morava em Itaperuna, sua cidade natal no interior de São Paulo. Naquela época, seu conteúdo era voltado para o universo editorial e literário, até que ele se entendeu como homem bissexual e resolveu abordar o tema em seu canal. “Eu não me identificava com o que encontrei naquela época e vi uma brecha ali”, afirma o youtuber, em entrevista por telefone à Híbrida.

A identificação como bissexual fez com que Klébio procurasse mais conteúdos de empoderamento e decidisse abandonar os vídeos sobre livros para abordar sua própria vida e cultura pop. “Eu não tinha consciência de nada, era uma garoto branco, que se considerava hétero no interior, e a internet me abriu os olhos pra isso”, relembra.

Hoje, como uma das principais referências no meio, Klébio observa problemas que ainda persistem no relacionamento entre criadores de conteúdo LGBTQs e marcas ou empresas que tentam levantar bandeiras de diversidade. “Eu acabo fazendo trabalho durante o ano inteiro, mas porque tô no meio-termo entre militância e entretenimento. O que acontece muito é a marca querer fechar alguma coisa, mas quando eu falo sobre ser LGBT não querem mais que eu aborde o tema.”

A pesquisa da Mosaico citada acima aponta que mais de 60% dos contratos fechados nesse setor acontecem em junho, mês do Orgulho LGBTQ+ e quando as pautas sobre a comunidade costumam atrair mais atenção e passarem a ideia de “representatividade” ou consciência social. Em outros períodos do ano, como Dia das Mães, essa porcentagem não ultrapassa os 10%.

Leia abaixo a entrevista completa com Klébio Damas:

Klébio Damas: "Meu canal sempre teve meus valores, mas claro, sempre tive que pensar sobre isso todo dia" (Foto: Divulgação)
Klébio Damas: “Meu canal sempre teve meus valores, mas claro, sempre tive que pensar sobre isso todo dia” (Foto: Divulgação)

 

HÍBRIDA: Como bissexual, você sente preconceito ou invisibilidade dentro da comunidade LGBT+?

KLÉBIO DAMAS: Sim, existe muito. Nunca me declarei como gay na vida, as pessoas falam muito isso porque eu namoro homem. No começo do meu canal, eu falava sobre livros e, com o passar da minha própria aceitação, percebi que não tinha homens bis falando sobre isso. Eu não me identificava com o que encontrei naquela época e vi uma brecha ali.

H: E como é essa aceitação nos relacionamentos?

KD: Tive um pouco de sorte porque, logo que me identifiquei como LGBT, conheci o Cris [Cristiam Oliveira] e comecei a namorar. Antes, eu ficava com muitas meninas, mas desde que me entendi como bi não passei por isso. Sempre acham que eu sou um gay encubado e as mulheres não dão muita credibilidade. Querendo ou não, existe muito da masculinidade frágil e do machismo [nisso].

H: Como foi seu processo de conscientização sobre a responsabilidade de ser um influencer?

KB: A questão do conteúdo foi muito complicada no começo. Cresci muito rápido no nicho de livros e tive uma visibilidade muito grande, num período muito curto de tempo. Entendi que tinha potencial, mas precisaria me dedicar e o meio editorial não gera muita renda porque o mercado não tem tanto dinheiro e os brasileiros não leem muito.

Nesse período, foi a época que o youtube começou a dar certo pra mim. Comecei a falar de outras coisas e o público aceitou. No mesmo ano, comecei a me entender como bissexual e a consumir conteúdo de empoderamento. Eu não tinha consciência de nada, era um garoto branco, que se considerava hétero no interior, e a internet me abriu os olhos pra isso. Daí pensei ‘beleza, estou vendo muitos LGBTs, mas não me enxergo em ninguém que eu olho’.

H: Do que você sentia falta no conteúdo que encontrou?

KB: Era uma questão de linguagem e de conteúdo. Vi que tinha muito conteúdo cabeça, com termos difíceis, mas não tinha o básico, o feijão com arroz. Quando comecei, não tinham pessoas falando sobre LGBTs e sobre o seu estilo de vida. E eu gosto muito mais de um conteúdo vida real, então queria ser esse meio-termo. Eu não queria ser muito militante, queria militar de uma forma leve.

H: O que mudou para você, na forma como pensa seu conteúdo e a responsabilidade sobre ele, quando começou a fazer vídeos sobre LGBTs?

KB: A responsabilidade é muito maior. Querendo ou não, quando você conforta alguém e ela se ajuda [com seu conteúdo], isso cria uma outra relação. Sempre tive essa noção de responsabilidade e de não colocar nada que eu ache errado. Meu canal sempre teve meus valores, mas claro, sempre tive que pensar sobre isso todo dia. Às vezes tenho medo de soltar algo sem pensar ou dizer algo que interpretem mal. É raro acontecer, mas quando acontece eu sempre me esclareço pra ninguém pegar a mensagem errada.

H: Acha que influenciadores LGBTs têm ganhado mais espaço no mercado?

KB: Com o passar do tempo, as marcas estão olhando mais, só que bem lentamente. Junho é quando querem apoiar tudo, mas no decorrer do ano isso não acontece, principalmente em relação às travestis. Eu percebo que [as empresas] até trabalham com alguns LGBTs, mas que são muitos “vendáveis” e até podem falar sobre [ser LGBT], mas de maneira breve, branda e sem problematizações graves. Vejo LGBTs trabalhando, mas que falam de comédia ou games, enquanto os que empoderam não fecham tantos contratos.

Eu acabo fazendo trabalho durante o ano inteiro, mas porque tô no meio-termo entre militância e entretenimento. O que acontece muito é a marca querer fechar alguma coisa, mas quando eu falo sobre ser LGBT não querem mais que eu aborde o tema.

H: O que pode ser melhorado nesse sentido?

KB: Eu acho que a coisa mais básica é contratar LGBTs, o que significa contratar também trans e travestis. Outra é trabalhar o ambiente da empresa para ser favorável para LGBTs, porque muitas marcas contratam e a pessoa não se sente à vontade e é alvo de chacota. A empresa também não pode tolerar racismo, misoginia, LGBTfobia, por mais que aparente ser algo leve. Por último, é dando representatividade, um ponto clássico, mas mostrando que LGBTs podem evoluir dentro da empresa e não estão lá só para cargos baixos. É necessário colocar essas pessoas no topo.

H: Como é a relação habitual com seus seguidores? O que você costuma ouvir de feedback deles?

KB: Eu sempre recebo muitas mensagens, por dois motivos clássicos. Primeiro, são pessoas dizendo que eu as ajudo a se aceitarem – muitas já sabem que são LGBTs, mas até se aceitar é um caminho -, principalmente pela bissexualidade, que não é muito falada. De bissexuais [youtubers], eu sou um dos únicos. E outra coisa é sobre inspiração. Quando comecei a falar sobre isso de um jeito leve, queria exatamente mostrar que vim do interior para São Paulo, com nada, e consegui minhas coisas. Minha vida é muito “comum”, então é meio que isso.

Eu comecei com um novo projeto que são os vlogs sobre a minha vida. Primeiro, queria que as pessoas conhecessem o Klébio sem nada e também mostrar a minha relação com o meu noivo. São Paulo tem uma realidade, mas no interior é outra coisa realmente diferente. O Klébio de 11 anos não tinha medo do pai, mas de saber se seria alguém na vida.

H: Que dica você dá para LGBTs do interior que estão com dificuldade de convívio com a família durante a pandemia?

KB: A primeira questão é o respeito de ambas as partes – cobrar da família e respeitá-la. E isso vem junto com o conhecimento. Uma coisa que eu tentei [com a minha família] desde o início era mostrar vídeos do cotidiano, falando de algum amigo e trazendo isso para a realidade. Sei que muitos pais não aceitam nem falar sobre isso e, se sua família for assim, eu acho que a melhor coisa agora é passar por esse momento de pandemia e não falar nada, por mais que seja difícil. Se você tem esse medo dos seus pais, tenta trabalhar e juntar dinheiro para sair de casa.

Às vezes, a gente cria os próprios demônios dentro da cabeça. Mas eu acho que é necessário passar conhecimento de tudo, se sentir seguro e ver o tempo certo. Durante a pandemia, as pessoas estão com os nervos à flor da pele, não tem pra onde correr, então pode não ser o momento ideal. Se a pessoa estiver se sentindo muito pressionada, a dica mais básica é fazer uma terapia, mesmo que escondido; usar a internet para se sentir mais próximo, vendo vídeos e procurando amigos. Eu, mesmo quando morava no interior, minhas amizades eram basicamente online.

Notícias relacionadas

Ana Claudino: “Qual o lugar da sapatão?”

Vitória Régia
5 anos atrás

Gustavo Rocha conta por que decidiu sair de um “armário transparente”

João Ker
4 anos atrás

Tá passada? Esse Menino sobre seu sucesso, humor no Brasil e “Poodle”

Maria Eugênia Gonçalves
3 anos atrás
Sair da versão mobile