Em 21 de janeiro, dia que completaria 21 anos, Matheusa Passarelli foi homenageada com um mural no morro da Tavares Bastos, no Catete. Pintado por Marcela Cantuária e com curadoria de Ludimilla Fonseca, o grafite faz parte do circuito a céu aberto do Museu Nami, da Rede Nami, que desde 2010 vem usando a arte do grafite como ferramenta de transformação social pela luta e conscientização dos direitos humanos.
“Eu acho que a gente carece de representação da Theusa nos muros, para [a imagem dela] acessar o inconsciente coletivo das pessoas”, explica Marcela sobre a decisão de homenagear a amiga, executada em maio do ano passado após sair de uma festa na Zona Oeste do Rio.
No mural, Matheusa aparece ao lado de uma índia e de uma criança branca com boné e bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O objetivo, segundo Marcela, foi representar “as três raças” que compões o Brasil: “Isso foi também a porta de entrada para pensar o governo Bolsonaro e todo o proibicionismo de movimentos sociais, a repressão e a opressão institucionalizadas”.
Para a artista, é ainda significativo que a obra esteja disposta a céu aberto e seja capaz de criar diálogos dentro de uma comunidade carioca: “É bom para fazer as pessoas ‘se coçarem’ e refletir. Durante o processo criativo, alguns moradores vieram me parabenizar pela inclusão do MST, dizendo que a favela está ‘ficando muito fascista’. E a gente vê isso acontecendo com muita frequência, porque é um movimento articulado de fazer os pobres comprarem o discurso da classe dominante e não se reconhecerem”.
Criar diálogo e consciência através da arte é, por sinal, a espinha dorsal do trabalho que a Rede Nami vem criando desde 2010, sob o comando de Panmela Castro. Fundadora e presidente da ONG, ela conta que se (re)descobriu através do grafite quando, após ter sofrido agressão doméstica, começou a usá-lo para debater a Lei Maria da Penha, em 2008.
“A gente informava sobre as ferramentas legais que a Lei oferece e depois pintava um mural sobre aquilo com a galera da comunidade”, conta Panmela, que à época tocava o projeto com mais cinco mulheres grafiteiras – algo que, diga-se de passagem, não era fácil encontrar pelo Rio de Janeiro.
Dois anos depois, ela criou a Rede Nami e, em 2015, começou o curso Afrografiteiras, conscientizando mulheres negras sobre as estatísticas da Lei Maria da Penha. O projeto já formou mais de 560 alunas ao longo de sua história e produziu pelo menos 1.000 murais espalhados pelo Rio de Janeiro. Panmela conta que as alunas são, em sua maioria, moradoras de outras periferias cariocas, além de haver também uma grande incidência de grafiteiras lésbicas.
Em 2018, Panmela teve outro marco na história da Rede Nami quando, em junho, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai, visitou o mesmo circuito a céu aberto no qual está o mural em homenagem a Matheusa. Na ocasião, a ativista paquistanesa fez seu próprio grafite e escolheu pintar o rosto de Marielle Franco na parede do museu.
Para esse ano, ainda é possível se inscrever nas oficinas para grafiteiras através do site oficial. O módulo básico é composto por uma aula teórica, uma aula para criar o esboço do mural e, em seguida, duas aulas onde o grafite das alunas é finalizado. Os temas trabalhados em 2019 serão História das mulheres, História do corpo negro, Autocuidado, Direitos sexuais e reprodutivos e Violência contra a mulher.
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