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Durante ato em sua homenagem, Matheusa Passarelli enfim foi ouvida

Durante ato em sua homenagem, Matheusa Passarelli enfim foi ouvida

A Capela Ecumênica da UERJ transbordou de amigos, familiares, professores e admiradores de Matheusa Passarelli na noite desta quarta (9), durante o “Viva Theusinha”, ato em homenagem à estudante de Artes Visuais que foi executada no Rio de Janeiro, após sair de uma festa no bairro do Encantado. Na ocasião, o irmão de Theusa, Gabriel Passarelli, abriu a cerimônia pedindo licença para ler um “Trabalho de Vida” de 11 páginas que a irmã havia assinado para a disciplina de História da Arte, no início deste ano. “Quando eu recebi a mensagem do desaparecimento da minha irmã, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: ‘Não escutaram a Theusa!’. Então, me desculpem, mas agora eu preciso que vocês a escutem”, disse Gabe, emocionado.

​”Eu não tenho me perguntado por quê, e sim para quê isso tudo que estamos vivendo está acontecendo. Como nós vamos lidar com isso? Eu não acho que seja apenas comigo essa experiência de desigualdade e violência. E eu não vou naturalizar nenhum tipo de violência, nenhuma forma de omissão, principalmente quando se trata de alguém em sofrimento”, declarou Gabe, antes de avisar que aquele era um local de fala pertencente à Theusa e, portanto, pediria licença a ela para falar com o público presente e ler suas palavras.

Palavras que, no minímo, serviram para mostrar toda a sensibilidade e pluralidade ideológica do trabalho que Theusa estava desenvolvendo acerca da temática do “Corpo Estranho”. Nascida em Rio Bonito, interior do Estado do Rio de Janeiro, a estudante de 21 anos questionava ao longo das 11 páginas toda a secularidade das relações estruturais de poder que imperam na capital fluminense desde sua fundação, passando por questões sociais, sexuais, raciais, de gênero e de classe.

Em alguns trechos do trabalho, Theusa fala sobre a pressão de se identificar como não-binária em um mundo no qual ela se sentia tolhida de assumir até o próprio cabelo. Em outras partes, ela reclama da dificuldade de respirar frente às opressões vividas e, em outro determinado ponto, afirma: “Eu não perdoo aquele que aponta a arma para mim”, fazendo, naquele momento, alusão ao genocídio da população negra e LGBT no Brasil, em uma citação que, hoje, toma um significado infinitamente mais profundo.

A cerimônia, que durou cerca de três horas, foi marcada pelos questionamentos de Theusa e o paralelo que as palavras escritas por ela no início do ano reverberam hoje, após sua execução. “Por um momento, eu me esqueci que vivemos em uma realidade tão cruel como essa. Por um minuto, eu me esqueci e me deram um tapa na cara. Um tapa tão forte que me deixou em pé, porque foi a única opção que eu tive: ficar de pé”, declarou Gabe.

Saudado por uma onda de abraços dos participantes quando chegou ao local, Gabe continuou pregando os ideais da irmã sobre aceitação, amor e empatia ao longo do evento, mas sem deixar de questionar o crime cometido contra ela: “Não é só sobre abraços, é sobre organizar a raiva. Eu não posso naturalizar um corpo de 21 anos ser desterritorializado assim”, afirmou.

Durante ato na UERJ, Gabriel Passarelli frisou a brutalidade com que Theusa foi executada: "Não posso naturalizar um corpo de 21 anos ser desterritorializado assim" (Foto: Robison Barbosa | Reprodução Instagram)
Durante ato na UERJ, Gabriel Passarelli frisou a brutalidade com que Theusa foi executada: “Não posso naturalizar um corpo de 21 anos ser desterritorializado assim” (Foto: Robison Barbosa | Reprodução Instagram)

Durante o ato, professores e colegas de turma da UERJ também falaram sobre a presença marcante de Theusa nos movimentos estudantis, frisando sua constante participação nas manifestações à favor da Universidade. Emocionada, Salacione Passarelli, mãe de Theusa, também falou durante a cerimônia e se uniu ao coro do público durante a leitura de um dos trabalhos da filha,“O Rio de Janeiro continua lindo e opressor”. Representantes do Instituto de Artes da UERJ aproveitaram a ocasião para anunciar que o Centro Acadêmico passará a se chamar “Matheusa Passarelli”.

Novo Centro Acadêmico do Instituto de Artes da UERJ passará a se chamar “Matheusa Passarelli” (Foto: Reprodução Instagram)

De acordo com adelegada Ellen Souto, da Delegacia de Paradeiros, Theusa havia passado por um “tribunal informal do tráfico”, no qual, ao não se dar conta da situação, acabou sendo executada. Em entrevista à BBC, ela também não descartou a hipótes de que o crime possa ter sido motivado por LGBTfobia ou racismo. “Tiraram o maior direito dela, que era o de viver. Então, espero que sejam criados espaços para falar de direitos humanos”, afirmou.

Ao final do evento, o público finalmente havia ouvido as palavras de Theusa e, consequentemente, conhecido a sua versão de um Rio de Janeiro ainda “grande, exclusivo, elitista, separatista e fóbico” para tantos. Um lugar que, quase 500 anos depois, continua permitindo que corpos negros como o dela e o de Marielle Franco se juntem às outras centenas já enterradas nesse chão, com a mesma impunidade e descaso. Uma cidade que, aos poucos, torna impossível enxergar sua parte “Maravilhosa” se você não for um turista ou um neocolonizador.

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