Aos 41 anos, Angelica Ross já pode colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila sabendo que já entrou para a história. Mesmo antes de estrear na TV como a doce e feroz Candy Ferocity de Pose, a série produzida por Ryan Murphy foi anunciada com o maior elenco trans já empregado na teledramaturgia e, nele, estava Angelica. Agora, quatro anos depois, a artista se joga na música, uma paixão antiga.
“Sendo trans, tive que focar mais em sobreviver”, conta Angelica durante entrevista à Híbrida diretamente do seu camarim na Marcha do Orgulho Trans de São Paulo. A atriz era convidada de honra do evento e, antes de subir ao trio elétrico para a primeira performance do single “Only You”, saiu para uma caminhada pelo Largo do Arouche distribuindo acenos, beijos, abraços e fotos com os fãs.
Produzida por Andre Lindal, Anthony Preston, Henrik Ofeldt e Raelene Selma Arreguin, “Only You” é um hino R&B sobre a importância do amor próprio que lança a carreira musical de Angelica na direção oposta dos closes e coreografias do ballroom que a consagrou em Pose. Apesar de ter sido uma das queridinhas do público, sua personagem Candy encerrou a jornada na série antes que as colegas, mas por um bom motivo: seu assassinato em um beco escuro de Nova York trouxe consigo uma série de debates sobre transfobia, vulnerabilidades e abandono familiar.
Mal deu tempo de engolir o luto por Candy e Angelica já estava de volta à TV, entrando para o leque de estrelas fixas na constelação televisiva construída pelas mil e uma produções de Ryan Murphy. O trabalho seguinte foi em American Horror Story: 1984, a 9ª temporada da antologia de horror inspirada nos slashers, onde interpretou uma psiquiatra sombria nos moldes do segundo Halloween.
Ela voltou no ano seguinte, em AHS: Double Feature. Primeiro como uma cientista responsável por criar uma droga que pode tanto despertar o suprassumo da criatividade quanto transformar pessoas sem talento em um híbrido de zumbi com vampiro. Na segunda parte da temporada, ela faz uma líder alienígena e andrógina que quer invadir o corpo de humanos e repopular a Terra.
Se mantida a tradição, é bem capaz que Angelica Ross volte à 11ª temporada de AHS, ainda sem título ou data de estreia anunciadas. As gravações começaram na semana em que nos falamos e, apesar de fazer mistério por enquanto, a atriz confessa que “sempre será parte da família” da série.
Até lá e independente disso, Angelica Ross continua cantando de forma doce e sendo uma ativista feroz pelos direitos e visibilidade da comunidade trans. Abaixo, leia nosso bate-papo sobre o que ela acha da posição de Joe Biden sobre o assunto, o legado de Pose e por que ela demorou tantos anos pra se jogar na música.
HÍBRIDA: Queria saber por que você escolheu “Only You” para começar sua carreira musical? E podemos esperar mais músicas em breve, talvez um disco?
ANGELICA ROSS: Sim! Estou trabalhando em um monte de músicas, estou escrevendo muitas músicas, e “Only You” é uma canção que me foi dada por alguns produtores que são LGBTQ e acreditaram em mim. Esses produtores gays e trans viram em mim, uma mulher trans, a possibilidade de ser uma artista.
Eu canto desde que era criança, aprendi piano aos 9 anos, então sempre fui muito envolvida com música. Mas sendo trans, tive que focar mais em sobreviver. Agora que fiquei um pouco famosa e tenho um pouco mais de privilégio, posso passar um pouco de tempo fazendo música. E eu realmente amo, porque meus fãs lembram de mim anos atrás fazendo isso, então é ótimo que eles possam me ver completando esse círculo.
H: Sobre TV, eu sei que Pose acabou, pelo menos por agora. Mas, olhando pra trás, qual você acha que será o legado da série para a representatividade trans na TV? Não só nos Estados Unidos, mas no geral.
AR: O legado de Pose é todo sobre a realidade e exigir igualdade. Exigir ser parte e algo e exigir que vocês nos vejam. Então, acho que a série deu a muitas pessoas a coragem para meio que contar suas histórias e vimos que as pessoas querem mais histórias diversas. Também acho que agora nós nos importamos mais com pessoas trans.
H: Nas duas temporadas de American Horror Story que você participou, a identidade de gênero das suas personagens não era relevante para a trajetória delas na história. Como foi para você poder expandir seus limites como atriz nesse sentido?
AR: Acho que Hollywood, mas especialmente Ryan Murphy, tem visto que eu sou mais do que apenas uma “atriz trans”. Que eu posso interpretar tantos tipos diferentes de papeis, e Ryan Murphy me dá essa oportunidade toda vez que me traz para dentro de AHS. Tem sido uma experiência bem afirmativa em saber que sou bem sucedida naquele espaço.
H: Por sinal, não sei se você pode me contar, mas a próxima temporada está chegando… Alguma chance de te vermos nela?
AR: Eu não sei! Sei que já começaram a filmar. Não posso te falar nada agora. Só sei que sempre serei uma parte da família de AHS.
H: Você tem sido uma crítica bem vocal sobre algumas políticas para pessoas trans – ou falta delas – no governo de Biden, inclusive tem tweetado sobre isso. O que você acha da administração dele de forma geral, tratando-se de assuntos LGBTQ e trans?
AR: Eu aprecio a intenção. Aprecio o esforço. Mas estamos esperando por algo que realmente mude as coisas. Até agora, tudo o que ele propôs me soou mais como uma sugestão do que uma exigência. E, agora, as pessoas trans estão dizendo “não, nós exigimos igualdade e nada menos”.