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Angelica Ross: “Como mulher trans, tive que focar mais em sobreviver”

Angelica Ross durante sua passagem pela Marcha do Orgulho Trans em São Paulo (Foto: Rafael Monteiro | Revista Híbrida)

Aos 41 anos, Angelica Ross já pode colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila sabendo que já entrou para a história. Mesmo antes de estrear na TV como a doce e feroz Candy Ferocity de Pose, a série produzida por Ryan Murphy foi anunciada com o maior elenco trans já empregado na teledramaturgia e, nele, estava Angelica. Agora, quatro anos depois, a artista se joga na música, uma paixão antiga.

“Sendo trans, tive que focar mais em sobreviver”, conta Angelica durante entrevista à Híbrida diretamente do seu camarim na Marcha do Orgulho Trans de São Paulo. A atriz era convidada de honra do evento e, antes de subir ao trio elétrico para a primeira performance do single “Only You”, saiu para uma caminhada pelo Largo do Arouche distribuindo acenos, beijos, abraços e fotos com os fãs.

Produzida por Andre Lindal, Anthony Preston, Henrik Ofeldt e Raelene Selma Arreguin, “Only You” é um hino R&B sobre a importância do amor próprio que lança a carreira musical de Angelica na direção oposta dos closes e coreografias do ballroom que a consagrou em Pose. Apesar de ter sido uma das queridinhas do público, sua personagem Candy encerrou a jornada na série antes que as colegas, mas por um bom motivo: seu assassinato em um beco escuro de Nova York trouxe consigo uma série de debates sobre transfobia, vulnerabilidades e abandono familiar.

Mal deu tempo de engolir o luto por Candy e Angelica já estava de volta à TV, entrando para o leque de estrelas fixas na constelação televisiva construída pelas mil e uma produções de Ryan Murphy. O trabalho seguinte foi em American Horror Story: 1984, a 9ª temporada da antologia de horror inspirada nos slashers, onde interpretou uma psiquiatra sombria nos moldes do segundo Halloween.

Ela voltou no ano seguinte, em AHS: Double Feature. Primeiro como uma cientista responsável por criar uma droga que pode tanto despertar o suprassumo da criatividade quanto transformar pessoas sem talento em um híbrido de zumbi com vampiro. Na segunda parte da temporada, ela faz uma líder alienígena e andrógina que quer invadir o corpo de humanos e repopular a Terra.

"O legado de Pose é todo sobre a realidade e exigir igualdade. Exigir ser parte e algo e exigir que vocês nos vejam" [Fotos: Rafael Monteiro | Revista Híbrida]
“O legado de Pose é todo sobre a realidade e exigir igualdade. Exigir ser parte e algo e exigir que vocês nos vejam” [Fotos: Rafael Monteiro | Revista Híbrida]
Se mantida a tradição, é bem capaz que Angelica Ross volte à 11ª temporada de AHS, ainda sem título ou data de estreia anunciadas. As gravações começaram na semana em que nos falamos e, apesar de fazer mistério por enquanto, a atriz confessa que “sempre será parte da família” da série.

Até lá e independente disso, Angelica Ross continua cantando de forma doce e sendo uma ativista feroz pelos direitos e visibilidade da comunidade trans. Abaixo, leia nosso bate-papo sobre o que ela acha da posição de Joe Biden sobre o assunto, o legado de Pose e por que ela demorou tantos anos pra se jogar na música.

HÍBRIDA: Queria saber por que você escolheu “Only You” para começar sua carreira musical? E podemos esperar mais músicas em breve, talvez um disco?

ANGELICA ROSS: Sim! Estou trabalhando em um monte de músicas, estou escrevendo muitas músicas,  e “Only You” é uma canção que me foi dada por alguns produtores que são LGBTQ e acreditaram em mim. Esses produtores gays e trans viram em mim, uma mulher trans, a possibilidade de ser uma artista.

Eu canto desde que era criança, aprendi piano aos 9 anos, então sempre fui muito envolvida com música. Mas sendo trans, tive que focar mais em sobreviver. Agora que fiquei um pouco famosa e tenho um pouco mais de privilégio, posso passar um pouco de tempo fazendo música. E eu realmente amo, porque meus fãs lembram de mim anos atrás fazendo isso, então é ótimo que eles possam me ver completando esse círculo.

“Sendo trans, tive que focar mais em sobreviver. Agora que fiquei um pouco famosa e tenho um pouco mais de privilégio, posso passar um pouco de tempo fazendo música” [Fotos: Rafael Monteiro | Revista Híbrida]
H: Sobre TV, eu sei que Pose acabou, pelo menos por agora. Mas, olhando pra trás, qual você acha que será o legado da série para a representatividade trans na TV? Não só nos Estados Unidos, mas no geral.

AR: O legado de Pose é todo sobre a realidade e exigir igualdade. Exigir ser parte e algo e exigir que vocês nos vejam. Então, acho que a série deu a muitas pessoas a coragem para meio que contar suas histórias e vimos que as pessoas querem mais histórias diversas. Também acho que agora nós nos importamos mais com pessoas trans.

H: Nas duas temporadas de American Horror Story que você participou, a identidade de gênero das suas personagens não era relevante para a trajetória delas na história. Como foi para você poder expandir seus limites como atriz nesse sentido?

AR: Acho que Hollywood, mas especialmente Ryan Murphy, tem visto que eu sou mais do que apenas uma “atriz trans”. Que eu posso interpretar tantos tipos diferentes de papeis, e Ryan Murphy me dá essa oportunidade toda vez que me traz para dentro de AHS. Tem sido uma experiência bem afirmativa em saber que sou bem sucedida naquele espaço.

“Acho que Hollywood, mas especialmente Ryan Murphy, tem visto que eu sou mais do que apenas uma ‘atriz trans'” [Fotos: Rafael Monteiro | Revista Híbrida]
H: Por sinal, não sei se você pode me contar, mas a próxima temporada está chegando… Alguma chance de te vermos nela?

AR: Eu não sei! Sei que já começaram a filmar. Não posso te falar nada agora. Só sei que sempre serei uma parte da família de AHS.

H: Você tem sido uma crítica bem vocal sobre algumas políticas para pessoas trans – ou falta delas – no governo de Biden, inclusive tem tweetado sobre isso. O que você acha da administração dele de forma geral, tratando-se de assuntos LGBTQ e trans?

AR: Eu aprecio a intenção. Aprecio o esforço. Mas estamos esperando por algo que realmente mude as coisas. Até agora, tudo o que ele propôs me soou mais como uma sugestão do que uma exigência. E, agora, as pessoas trans estão dizendo “não, nós exigimos igualdade e nada menos”.

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