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CINEMA & TV

Luca Guadagnino rebate críticas a ‘Me chame pelo seu nome’

(Com Maria Eugênia Gonçalves)

Ao final da estreia mais aguardada na segunda noite da 19ª edição do Festival do Rio nesta última sexta-feira (06), “Me Chame Pelo Seu Nome” (“Call Me By Your Name”) provocou duas efervescentes rodadas de aplausos durante a rolagem de créditos finais. Na plateia da principal sala do Cine Odeon, personalidades como Malu Mader, Debora Bloch, Cauã Reymond, Bárbara Paz e Vik Muniz também se emocionaram e se enfileiravam estupefatos para cumprimentar o diretor Luca Gudagnino e o produtor Rodrigo Teixeira que, no início da sessão, introduziu comovido o filme e agradeceu à irmã: “Ela me abriu a cabeça para que quando eu visse uma história como essa, estivesse preparado para contá-la”, disse mais tarde à Híbrida.

Responsável por sucessos de crítica e bilheteria no Brasil (“O Cheiro do Ralo”  e “Tim Maia”) e na gringa (“A Bruxa”, “Frances Ha”  e “Patti Cake$” ,  que chega ao Festival no fim da semana), Teixeira conta à Híbrida que chegou ao romance de Elio e Oliver através do diretor italiano. “O Luca me procurou, mandou o projeto e eu topei na hora. Achei uma história linda e tinha muita vontade de trabalhar com ele. É alguém em quem eu confio completamente e tive certeza de que faria um trabalho incrível.”

Luca Guadagnino e Rodrigo Teixeira. durante a estreia de “Me chame pelo seu nome” no Festival do Rio (Foto: Ruano Carneiro | Divulgação)

A recepção ardorosa do público não foi nenhuma surpresa. Exibido pela primeira vez durante o Festival de Sundance no início deste ano, o mais recente trabalho de Guadagni, tem recebido críticas e reações entusiasmadas pelos eventos por onde passa. No Rotten Tomatoes, site que agrega as notas de diversas publicações críticas pelo mundo, o filme possui a impressionante pontuação de 96% de aprovação.

Para o diretor, o hype positivo é um tanto quanto inesperado e reconfortante: “Sempre me perguntam isso, mas eu fico muito constrangido porque não sei como responder. Quando você faz um filme, você faz aquilo e pronto, não fica pensando por quê ou como as pessoas vão reagir a ele. Agora, quando você coloca esse filme no mundo – e lançar um filme é como mandar um filho à guerra -, você sempre espera que ele chegue da forma apropriada. E quando ele é bem recebido, você fica feliz.”

Apesar da boa recepção, “Me chame pelo seu nome” também recebeu sua parcela de críticas, mais relacionadas à representatividade LGBTQ do que à qualidade do longa ou da narrativa. A diferença de idade entre os dois personagens: um de 17 anos e outro de 24, foi alvo de repreensão por alguns.

O ator James Woods, que recentemente é mais reconhecido por suas posturas conservadoras que pelo trabalho, escreveu no Twitter: “Enquanto eles silenciosamente eliminam as últimas barreiras de decência”, se referindo ao tweet do escritor Chad Felix Greene, que havia linkado uma notícia a respeito do audiobook do livro em que o longa fora baseado, dizendo “Homem de 24 anos. Garoto de 17 anos. Chega”. Woods foi repreendido por Hammer e pela atriz Amber Tamblynque apontou a hipocrisia do ator e relatou que ele a havia abordado com segundas intenções quando ela própria tinha 16 anos.

“Você já viu o filme ‘Dirty Dancing’? Jennifer Grey interpreta uma personagem de 17 anos e Patrick Schwayze um de 24 anos. No meu filme, Elio tem 17 e Oliver tem 24. Você diria que ‘Dirty Dancing’ era um filme sobre uma diferença dramática de idade? Então, eu não tenho mais nada a acrescentar”, responde.

E Gudagnino tem razão. Nem “Dirty Dancing” e nem “Me Chame Pelo Seu Nome” são sobre isso.

As reclamações de que o casal principal é interpretado por dois atores heterossexuais (pelo menos publicamente), Armie Hammer (Oliver) e Timothée Chalamet (Elio), também não é um dos assuntos preferidos do diretor. “Eu não peço meu atores para me darem uma carteira de habilitação da sexualidade. E eu não acredito em categorias. Não penso que as pessoas são necessariamente feitas para serem enquadradas em uma etiqueta”, rebate. “Acho que [isso] é uma tragédia do contemporâneo.”

Sobre a já infame e icônica cena de Elio se masturbando com um pêssego, Guadagnino desconversa: “Foi o mesmo que as outras cenas. Era importante que ela fosse feita do jeito certo, e eu espero que tenhamos feito”, diz, declarando que os atores são a força motora do filme e “queria muito trabalhar com eles”.

Mesmo envolvido em polêmicas, o sucesso de “Me chame pelo seu nome” já é tamanho que o longa se tornou uma das principais apostas de indicação ao Oscar. “A gente lida com isso tendo bastante expectativa, mas por enquanto não dá para transformar em realidade. É preciso esperar”, diz Teixeira, ao passo que Guadagnino alega: “É claro que eu estou animado, mas por enquanto é apenas buzz. É algo abstrato”.

Embora possa ser algo realmente abstrato, não é difícil apostar no longa ou crer que ele chegará lá. A Academia do Oscar, embora acusada de retrógrada diversas vezes, já incluiu obras com temática LGBTQ em sua lista de indicados e também na de vencedores, tendo, em especial, a surpreendente vitória de “Moonlight: Sob a Luz do Luar” como Melhor Filme, em 2017.

No Festival do Rio, “Me chame pelo seu nome” reafirma o buzz na corrida pelo Oscar que vem angariando em outros festivais mundo afora (Foto: Reprodução)

Um romance natural, identificável e extremamente sensual 

Adaptado por James Ivory e baseado no romance de mesmo nome do autor André Aciman, “Me Chame Pelo Seu Nome” conta a história do garoto-prodígio Elio (Timothée Chalamet). No verão de 1983, “em algum lugar no norte da Itália”, o adolescente conhece Oliver (Armie Hammer), um acadêmico mais velho e que está de passagem por alguns dias na casa de sua família a convite dos pai, vívido por Michael Stuhlbarg. A interação entre os dois, a princípio, é tangida por uma tensão sexual e uma forte curiosidade que, mais adiante, se desenvolve para algo muito maior e acima do que o protagonista poderia sonhar.

Como detentor do ponto de vista daquela história, vivemos com Elio a confusão e os anseios provocados pelo seu despertar sexual. Há, nesse ponto, ecos do relativamente recente “Azul é a Cor Mais Quente” (“Blue Is the Warmest Color”, 2013), romance LGBTQ dirigido por Abdellatif Kechiche. E, assim como a musa de Keniche (Adèle Exarchopoulos), Timothée entrega uma performance inesquecível, daquelas que transformam a carreira de muitos intérpretes e que, dada a tamanha naturalidade, nos faz esquecer que o artista está representando.

Ao lado do jovem, Hammer também tem a chance de brilhar no que, até então, pode ser considerado o melhor trabalho de sua carreira. Revelado por David Fincher, em “A Rede Social” (“The Social Network”, 2010), o americano imprime charme e carisma suficientes ao estudante acadêmico Oliver, seja em suas diversas cenas sem camisa ou até mesmo ao proferir seu característico “até mais”. Sua postura, embora inicialmente pareça “convencida e arrogante” – nas palavras do próprio Elio -, logo mais se converte para algo mais vulnerável e multidimensional.

Timothée Chalamet e Armie Hammer (fundo) entregam performances inesquecíveis em “Me chame pelo seu nome” (Foto: Reprodução)

Embora influencie o fato de um jovem se apaixonar por alguém poucos anos mais velho, no que diz respeito à descoberta do garoto e à influência que ele possa ou não receber de alguém “mais experiente” —  e tal discussão é presente no filme -, essa distinção não é, de fato, o principal ponto da trama. O desenrolar da relação entre os personagens é muito mais que uma “diferença de idade dramática”, já que ambos apresentam graus semelhantes de maturidade. Natural, identificável e extremamente sensual (sem, em momento algum, soar como gratuito ou apelativo), o romance entre Elio e Oliver pode ser sentido pelos olhares que um lança sobre o outro, pelo toque e afeto que compartilham e pela ansiedade que o mais jovem exprime em relação àquele homem.

Apesar da diferença de idade, o romance entre Elio e Oliver é mostrado de forma natural, identificável e extremamente sensual, sem apelações (Foto: Divulgação)

Há presente também um senso de nostalgia na retratação do que é viver um primeiro grande amor e tudo que isso implica. A sensação é expressa pelos belos cenários enquadrados por Guadagnino (que dão vontade de nos transportamos imediatamente para aquela paradisíaca Itália dos anos 1980) e pelas músicas compostas por Sufjan Stevens. Complementando como pano de funo, há também as divagações sobre literatura, Bach, esculturas, linguagem e até mesmo sobre o cinema de Luis Buñuel  — citado em discussão num dos mais divertidos momentos do filme.

Em meio a tanta repressão e a tanto preconceito enfrentados diariamente pelos membros da comunidade LGBT+ – estendido até mesmo na arte, com a polêmica da “Queermuseu” – , “Me Chame Pelo Seu Nome” é o mais terno, sensível e caloroso retrato de amor de 2017. E, ao mesmo tempo, nos questiona se “É melhor falar ou morrer?”, como o trecho extraído de “Heptameron”, (Margarida de Valois) e citado no longa. Conclusivamente, o filme nos responde a questão ao ensinar uma lição universal e importante sobre crescimento, reconhecimento e, acima de tudo, sobre se permitir a sentir.

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