Híbrida
CINEMA & TV

Festival de Cannes 2023: Palma Queer terá mentoria para cineastas iniciantes

Franck Fincance-Madureira, criador da Palma Queer, que premia os filmes LGBTQIA+ do Festival de Cannes (Foto: Déborah Puente | Reprodução)

Com o objetivo de jogar luz sobre produções LGBTQIA+ no cinema, o jornalista Franck Finance-Madureira criou em 2010 a premiação Palma Queer (Queer Palm), que contempla as obras com essa temática exibidas durante o Festival de Cannes 2023. Na corrida pelo prêmio estão filmes da seleção oficial e das mostras paralelas ACID, Quinzena de Cineastas e Semana da Crítica, esta última com Levante, da brasileira Lillah Halla.

Em meio a uma seleção de 7 curtas-metragens e 12 longas, estão filmes do Brasil, Estados Unidos, França, Hungria, Bélgica, Irã, China, Alemanha e Espanha. Neste ano, o júri é presidido por John Cameron Mitchell, realizador de Hedwig – Rock, Amor e Traição (2001), Shortbus (2006) e da série Como Falar com Garotas em Festas (2021).

O Queer Palm anunciou na sexta-feira (26) os vencedores da sua 13ª edição (veja a lista abaixo). Mas antes disso, Franck Finance-Madureira, presidente e fundador da premiação, recebeu a Híbrida para uma conversa regada a sol e café em Cannes. Ele reflete sobre os 13 anos da Palma Queer e conta detalhes do seu próximo projeto, a residência artística Queer Palm Lab, um projeto de mentoria para novos cineastas queer.

Cartaz oficial da Palma Queer 2023 (Foto: Divulgação)
Cartaz oficial da Palma Queer 2023 (Foto: Divulgação)

HÍBRIDA: Porque você decidiu criar o Queer Palm?

FRANCK FINANCE-MIRANDA: A primeira vez que eu pensei nisso foi durante a sessão de Shortbus, em 2006. Foi uma sessão da meia-noite com todo mundo gritando. Pensei que esse tipo de filme, apresentado fora da competição, nunca seria premiado em Cannes. E comecei a imaginar como seria. Fui extremamente inspirado pelo Teddy Awards, [premiação LGBTQIA+ no festival de cinema Berlinale]. E pensei exatamente na mesma coisa que eles estavam fazendo. Fiquei pensando ‘como pode ser que no principal festival do mundo não existia nada sobre esses temas’. Tinha pouquíssimos filmes e imaginei que seria importante identificá-los e deixá-los visíveis, exibi-los.

H: Não existia uma conversa sobre diversidade nos filmes em Cannes?

FFM: Havia poucos filmes queer. Quando organizamos a primeira edição, tínhamos cinco ou seis filmes competindo. Achei que seria importante jogar luz sobre essas produções e fazer o comitê de seleção perceber o quão longe eles estavam nesse tipo de tema. Mas foi melhorando com os anos.

H: Por que está ficando melhor agora?

FFM: Há muitas razões. Nós mostramos entre 15 e 20 filmes queer, penso que essa é uma evolução natural.

FFM: O que é natural? Você quer dizer que mais realizadores estão enviando seus filmes ou o comitê de seleção está decidindo mostrar mais esses filmes?

FFM: As duas situações, penso. Há diferentes propostas de filmes queer, porque surgiram novas vozes, novos diretores, mais mulheres. O fato é que existe uma motivação maior do comitê de seleção. Eles dizem ‘eu vi (um filme) que deveria estar no Queer Palm‘. Está funcionando, há mais olhares sobre essa produções.

John Cameron Mitchell é o presidente do júri da Palma Queer 2023 (Foto: Divulgação)

H: Quais foram as suas dificuldades na criação do Queer Palm?

FFM: A primeira edição foi como ‘faça você mesmo’. Eu selecionei alguns jornalistas e programadores de festivais LGBTQIA+ que eu sabia que estariam em Cannes. Foi simples, para falar a verdade. Precisei encontrar essas pessoas e, depois disso, pensei em selecionar gente que tivesse mais conexão com o próprio Festival de Cannes. São sete pessoas da nossa equipe organizando tudo isso, convidando os membros do júri. Certamente, em 13 anos, foi ficando profissional.

H: Como é feita a seleção dos filmes que concorrem ao prêmio?

FFM: Tenho sempre uma conversa com os diretores de programação da seleção oficial de Cannes e das mostra paralelas Quinzenas de Cineastas, ACID e Semana da Crítica. Eles sabem do nosso entendimento de queer. Não são apenas histórias LGBTQIA+, mas qualquer narrativa que quebre os códigos de gênero. Alguns desses filmes eu posso ver antes do festival, para ter certeza. Algumas vezes, não é possível porque eles estão na seleção oficial. Outras vezes, o júri diz ‘que os filmes não são realmente queer’, mas tentamos jogar luz nessas produções que quebram a heteronormatividade.

H: Como você seleciona o júri?

FFM: Bom, essa é a minha responsabilidade. É importante para mim representar diferentes profissões no cinema: atores e diretores. Geralmente, temos um jornalista ou alguém da programação de um festival. É uma seleção feita com pessoas que encontro durante o festival. Não faço uma seleção às cegas para o júri, porque todos esses 12 dias em Cannes não são fáceis. São pessoas que realmente têm interesse em cinema queer. Eu não ligo sobre o que eles fazem na vida privada. É uma mistura de pessoas, mas ainda é complicado ter diversidade na indústria do cinema.

Leia também:

 

H: Com mistura de pessoas, você quer dizer pessoas negras, brancas, com deficiência…?

FFM: Ainda existe um déficit de pessoas não-brancas na indústria do cinema. É complicado encontrar esses tipos de perfil, mas estamos trabalhando nisso.

H: A seleção de filmes dessa edição diminuiu, se compararmos com os anos de 2017, 2018 e 2019. Por quê?

FFM: Nós adicionamos outros dois filmes, porque eles entraram mais tarde na seleção oficial. Bom, esse ano é diferente porque estamos em um momento pós-covid e muitos projetos frágeis ficaram paralisados, como sabemos. Então, penso que é por esse motivo que temos menos filmes queer.

H: Você poderia nos dizer sobre o que a seleção tem de especial? Você viu todos os filmes, certo?

FFM: Não, nós não vimos todos os filmes. Ainda temos que ver cinco ou seis. Não posso comentar sobre os highlights do programa, porque eu selecionei o júri.

H: Você tem o filme brasileiro Levante na seleção…

FFM: Sim. Eu vi o filme, mas não posso falar… (risos)

 

H: Quais são os próximos passos para a Palma Queer?

FFM: Para falar a verdade, tivemos uma reflexão quando Cannes foi cancelado em 2020. Quando teria acontecido nosso 10º aniversário. Pensamos muito nos próximos passos e como apoiar as produções queer. O que estamos fazendo é bom, mas ainda não é suficiente. Antes e durante o festival, recebemos muito e-mails de jovens diretores pedindo dicas, conselhos e sugestões de como encontrar pessoas da indústria, que poderiam ler seus roteiros etc. Sabemos que, em muitos países, novos diretores queer não têm acesso às escolas de cinema e acaba sendo uma tarefa árdua fazer um primeiro filme abordando temas queer.

Então, decidimos criar o Queer Palm Lab. Queremos lançar no final deste ano. A ideia é fazer um chamado para projetos de todos os países. Queremos lidar com muita diversidade de territórios, gêneros, sexualidade e raça, porque vislumbramos encontrar novas vozes. Nós faremos o anúncio no nosso site. Na próxima edição do festival, vamos anunciar os projetos e fazer uma mentoria online. Possivelmente, em Lisboa, por duas semanas. Para a primeira edição, Lukas Dhont, o diretor belga de Girl e Close, vai ser nosso mentor e padrinho, auxiliando e promovendo a residência artística.


Longas-metragens na competição da Palma Queer 2023:

Curtas-metragens na competição da Palma Queer 2023:

Notícias relacionadas

“Normal” investiga as pressões do gênero sobre homens e mulheres

João Ker
4 anos atrás

Juíza impede censura de Bolsonaro a séries LGBTs na Ancine

João Ker
5 anos atrás

“Rafiki”, o drama lésbico que desafiou a criminalização LGBTQ no Quênia

Vitória Régia
5 anos atrás
Sair da versão mobile