O Brasil entrou em um luto coletivo na noite desta terça-feira (4), quando às 21h12 um boletim médico emitido pelo CopaStar confirmou a notícia que ninguém queria ouvir: a morte de Paulo Gustavo, aos 42 anos, mais uma das mais de 400 mil vítimas do coronavírus no País. Internado desde 13 de março após contrair a doença, o humorista deixa um legado intocável no entretenimento e no movimento LGBTI+.
Como acontece com a maioria de nós, LGBTIs, Paulo precisou do seu próprio tempo para se sentir confortável a ponto de “levantar bandeira” ou “militar”, como tanto lhe foi cobrado pela comunidade desde o início. Para muitos, não fazia sentido apoiar o que viam como um estereótipo de uma gay que, no topo da popularidade e sucesso comercial, ainda não apresentava o discurso político que esparávamos dele.
Mas isso não significa que Paulo Gustavo não tenha contribuído, à sua maneira, para diminuir a homofobia na cabeça e no lar dos brasileiros. Nas telas, ele mostrou com humor afiado, cômico e autoindulgente como a própria família lidava com sua homossexualidade e, apesar de provocar o riso, também convidou à reflexão.
Fazer com que uma única família se identificasse com Dona Hermínia já teria sido uma vitória para ele e para homens gays que não encontram o mesmo tipo de acolhimento em casa. Mas a personagem baseada em sua própria mãe, Dona Déa Lúcia Vieira Amaral, foi muito além e se tornou um dos maiores box-offices do cinema brasileiro. Minha Mãe É Uma Peça 3 conquistou no ano passado o posto de filme mais assistido no País – e, com esse sucesso, vimos um homem gay chegar ao topo, sem nunca deixar de se apresentar como uma “bicha bichérrima”, mesmo que o tão esperado beijo gay tenha ficado de fora do roteiro.
Há quem desmereça esse feito ou, mais uma vez, o descredite como caricato e pouco representativo de todas as nuances que ainda lutamos para mostrar que existem dentro do universo LGBTI+. Mas a verdade é que o ator, diretor e roteirista fez o que conseguiu em seu tempo de estrelato, e isso não foi pouca coisa.
O sucesso meteórico de 220 Volts desde que estreou na tela do Multishow, em 2011, fez com que até hoje a forma rápida, debochada e impaciente de Paulo Gustavo entregar seus textos ainda seja replicada aos montes por outros gays que nem se dão conta da influência original. Longe do academicismo de um movimento identitário, a força da cultura popular escrita, dirigida e atuada por ele preenchia um vácuo de representatividade que era acessível e igualmente aceitado, que dava margem para sonhar com um futuro em que o passado fosse risível.
Prova de que Paulo incomodava foi a forma pública com que ele declarou a geração dos dois filhos por barriga de aluguel e, mesmo depois de contar que sofreu com um aborto, ele e o marido Thales Bretas foram alvos de comentários crueis que culpavam a tragédia em um suposto castigo divino. Depois, houve quem orasse publicamente pela sua morte, sob o mesmo pretexto desumano e fundamentalista, defendendo uma suposta ideia de família que não se importava com a do próprio humorista.
Nada disso fez com que ele diminuísse o tom, se escondesse ou tentasse fingir quem não era. O bordão “não sabemos fazer hétero”, que gerou uma das melhores entre as muitas quebras de cenas protagonizadas por ele e por Marcus Majella em Vai Que Cola, foi sua máxima até o fim, mesmo frente a todos esses ataques.
Paulo Gustavo pode ter partido muito cedo, mas seu legado ficará intacto e laureado no humor brasileiro. Fica também nos dois filhos, Romeu e Gael, de um ano e de nove meses, que ele deixa do casamento com Thales Bretas. Fica ainda ao nos mostrar que, mesmo sem tentar ou querer, toda pessoa LGBTI+ é um ser inerentemente político. E, no caso dele, fazendo questão de manter a “bichice” até o fim.