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Milton: “No CP2, encontrei uma comunidade que me aceita como sou”

"No CP2, encontrei uma comunidade disposta a me aceitar como sou"

É difícil para um jovem LGBTQ+ se adequar ao ambiente escolar. Relatos de alunos que sofrem ataques morais ou até mesmo físicos por serem homossexuais, lésbicas ou trans não são difíceis de encontrar por aí. E eu não fui exceção à regra: sofri uma série de ataques dos meus colegas durante os anos de Ensino Fundamental.

Moldado pela pressão de ter que alcançar um desempenho duas vezes melhor que o de um colega hétero para conseguir metade do respeito, me tornei um aluno exemplar que nunca se permitiu estar apenas “na média”. Felizmente, essa cobrança fez com que, em 2018, eu fosse aprovado para entrar no Colégio Pedro II. A exceção à regra.

Educado em colégios de bairro, eu não sabia o que esperar de uma instituição tão grande, ainda mais por ser bissexual e afeminado. As chances de encarar novamente – e de forma mais brutal – o bullying que sofri no fundamental eram enormes. Mas não foi isso o que aconteceu. No CP2, encontrei uma comunidade disposta a me aceitar e me acolher como sou.

Preconceito não é uma língua que falamos ou toleramos no CP2

A equipe do colégio é uma peça-chave para o desenvolvimento desse ambiente tão acolhedor. Mas o crédito também se deve, com certeza, aos alunos. Até porque, uma postura inclusiva por parte da direção nada adiantaria se os estudantes fossem LGBTfóbicos.

Preconceito não é uma língua que falamos ou toleramos no CP2. Inclusive, muitos dos estudantes daqui fazem parte de algum coletivo LGBTQ, negro, feminista, cristão etc., grupos de apoio criados pelos próprios alunos. Aqueles que nos acusam de doutrinação claramente não conhecem essa instituição. Tudo o que nos dão aqui é a liberdade de nos expressarmos; a decisão de nos posicionarmos por nossos irmãos e irmãs vem de nós mesmos.

"Precisamos estar lá para promover o conhecimento sobre nossa causa e nossas vivências; muitas vezes as pessoas são intolerantes por não nos compreenderem", escreve Chanel sobre o coletivo Retrato Colorido (Foto: Arquivo Pessoal)
“Precisamos estar lá para promover o conhecimento sobre nossa causa e nossas vivências; muitas vezes as pessoas são intolerantes por não nos compreenderem”, escreve Chanel sobre o coletivo Retrato Colorido (Foto: Arquivo Pessoal)

O principal objetivo do coletivo Retrato Colorido, formado por alunos LGBTQs do CP2 – Campus Niterói, é ser uma rede de apoio e informação. Nós entendemos que precisamos estar lá para promover o conhecimento sobre nossa causa e nossas vivências, já que muitas vezes as pessoas são intolerantes simplesmente por não nos compreenderem. Também visamos ser um grupo aberto e receptivo a quem ainda estiver se descobrindo (ou precisando de qualquer outro tipo de ajuda).

Um vídeo que gravamos viralizou após o ato do dia 06/05, organizado pelos alunos de todos os campi do Colégio Pedro II. Nele, fazíamos o discurso de apresentação do Retrato Colorido durante a aula inaugural, um evento onde o colégio como um todo se apresentava aos novos alunos e pais. Além do nosso, também apresentaram-se os coletivos Papo Vertical (cristão), Feminismo de ¾ (feminista), Negros Somos (negro) e Paralelo Transversado (artístico).

 

Hoje, sou LGBT no CP2 e me sinto livre para expressar meu eu mais autêntico. Inclusive, muitos alunos se sentem encorajados para falar abertamente sobre sexualidade e gênero com a família, graças a esse apoio dos colegas.

Para mim, o colégio é o espaço que tenho para ser eu mesmo e para expor minha arte.É onde posso andar maquiado sem medo de ser hostilizado por isso. Foi aqui que nasceu Chanel, o apelido que hoje carrego como nome artístico. Me sinto livre para ser e viver, pois sei que, se um dia eu for atacado pela minha identidade dentro da escola, terei uma irmandade inteira que se posicionará em minha defesa. Em defesa do amor.

 

“Se um dia for atacado na escola, terei uma irmandade inteira em minha defesa” (Foto: Arquivo Pessoal)

Posso afirmar que, para mim, a pior parte de ser um aluno LGBT do Colégio Pedro II é a volta para casa. É ter que se editar ao sair dessa bolha de amor e de aceitação para cair de volta num mundo intolerante. Para alguns é tirar a maquiagem e a saia, para outros é retomar a interpretação de um personagem no padrão heterossexual exigido pela sociedade.

Por isso, eu sigo firme em meu discurso e continuo a lutar. E sei que meus irmãos e irmãs lutarão ao meu lado. Lutaremos para expandir nossa mensagem de liberdade e de respeito, para expandir nossa bolha de amor até que ela tome conta de tudo. No fim, como dizem Djonga e Filipe Ret, “o amor é o mais alto grau da inteligência humana”.

– Milton Cabral (Chanel)


A “Híbridx” é uma coluna fixa do nosso site que serve de plataforma para apresentar as várias nuances e narrativas diferentes da comunidade LGBT+, indo além dos estereótipos esperados. É um espaço para conhecer e celebrar múltiplas realidades e interseccionalidades, contadas em primeira pessoa. 
 

O objetivo é abrir os olhos do leitor para a pluralidade de vivências, histórias e possibilidades dentro da comunidade LGBT+, mostrando ao mesmo tempo que toda e qualquer singularidade tem espaço e direito para existir. 

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