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Victor Han: “Asiáticos são fetichizados como algo exótico, fora do normal”

Victor Han: "Sempre me senti diferente na escola que frequentava, onde a grande maioria dos estudantes eram brancos" (Foto: Arquivo Pessoal)

Por muito tempo, tentei negar minha sexualidade e minha descendência asiática. Sempre achei que seria impossível caminhar ao lado de ambas. Tinha medo de a comunidade coreana me olhar torto pela minha orientação sexual e não sabia como entender meus sentimentos, além de me sentir menosprezado e constantemente estereotipado no colégio, na mídia, por desconhecidos etc.

Cresci em uma comunidade evangélica e coreana aqui do Brasil. Frequentava a igreja todos os finais de semana e, naquela época, minha sexualidade ainda era algo confuso para mim. Achei que fosse possível “ignorar” meus sentimentos e minha atração por outros homens e, assim, encontrei refúgio onde não era tratado como “o japa” da turma, mas como um ser humano igual aos outros.

Sempre me senti diferente na escola que frequentava, onde a grande maioria dos estudantes eram brancos. Várias vezes fui constrangido com apelidos como “japa” e “xingling” ou piadas do tipo “abre o olho japonês”, “você deveria ser bom em matemática” (sempre fui péssimo), “é verdade que vocês comem cachorro?”, “pinto pequeno” etc. Meus colegas puxavam os olhos pra debocharem de mim e dos meus traços, com gestos e idiomas que consideravam “asiáticos”.

Mesmo que por “brincadeira”,  nunca me senti bem com isso. Esse tratamento era normalizado por todos e eu não sabia como me sentir nem agir, apenas tentava ignorar a indignação que sentia. Não queria ser visto como “o chato”, mesmo que estivesse magoado e confuso por dentro.

Tive sequelas que me trouxeram problemas de autoestima, sempre odiando meus traços asiáticos e reproduzindo atitudes homofóbicas

A comunidade coreana sempre foi um refúgio de tudo isso. Mas, à medida que fui crescendo, não pude mais ignorar minha sexualidade e, por estar em uma bolha religiosa e conservadora (logo, estruturalmente machista e homofóbica), acabei aprendendo desde cedo que ser gay era errado. Me ensinaram que homossexuais iriam para o inferno e usar termos como “viadinho” ou “coisa de gay” no pejorativo era considerado ok.

Ajudei a normalizar essas atitudes pelo medo de ser “desmascarado”, mas nunca me senti bem. Interiorizei tudo isso, tentando pertencer à branquitude imposta pela sociedade e, ao mesmo tempo, agradar a comunidade coreana. Tive sequelas que me trouxeram problemas de autoestima, sempre odiando meus traços asiáticos e reproduzindo atitudes homofóbicas por desprezar minha própria sexualidade.

Com o tempo, finalmente entendi meus sentimentos e pude aceitá-los. Abracei a comunidade LGBTQI+, mas percebi que, mesmo nela, ainda existia um padrão a ser adorado, um padrão que desmerece outras pessoas também pertencentes ao grupo. Percebi o quanto asiáticos são fetichizados e que ainda é possível ser vítima de preconceito racial, mesmo por uma minoria que, supostamente, deveria ser mais empática e me acolher.

Victor Han: "Tentei pertencer à branquitude imposta pela sociedade e, ao mesmo tempo, agradar a comunidade coreana" (Foto: Arquivo Pessoal)
Victor Han: “Tentei pertencer à branquitude imposta pela sociedade e, ao mesmo tempo, agradar a comunidade coreana” (Foto: Arquivo Pessoal)

Em aplicativos de relacionamento, além de já ter recebido foras do tipo “desculpa, mas não tenho interesse em japas” – como se a pessoa pudesse generalizar e cancelar todos os asiáticos através de uma visão estereotipada -,  também já escutei algo que soa como um elogio, mas não é.

“Você é bem gatinho pra um japinha.”

“Geralmente, não tenho interesse em japas mas te achei gato.”

“Tenho muito tesão por asiáticos.”

“Sou louco por um japinha.”

“Nossa, nunca fiquei com um japonês antes.”

Escuto isso até pessoalmente, como se eu fosse apenas um fetiche sexual na lista de desejos ainda não realizados pelo outro. Quando me elogiam, é da forma mais preconceituosa possível, sempre dando a entender que asiáticos são todos iguais, não atraentes e apenas alguns “se salvam”. Quando muito, somos objetificados como algo exótico, fora do normal.

E então veio o coronavírus. Antes da quarentena, não senti ninguém se afastando de mim, mas fiquei preocupado do que pudessem pensar se eu saísse em público. Recentemente, andando pela Avenida Paulista, uma pessoa cantando no microfone interrompeu a música e gritou: “Olha o coronavírus aí!”. Aquilo estragou minha noite, me senti humilhado e frustrado. Já recebi relatos de outros asiáticos que passaram por situações piores e mais constrangedoras, estudantes que sofreram bullying por conta da covid-19 e pessoas maltratadas em estabelecimentos.

Ouvir as declarações de indivíduos como Abaraham Weintraub e Eduardo Bolsonaro, que chamam a doença de “vírus chinês”, me enche de indignação e raiva. É um desserviço para a humanidade e propaga o preconceito contra os asiáticos, algo que já é difícil de desconstruir por ser pouco falado. Infelizmente, esses discursos apenas fortalecem a xenofobia e dão liberdade para que outros projetem de forma ainda mais agressiva uma discriminação cultivada por tanto tempo.

Victor Han: “Quando Jair Bolsonaro foi eleito, tive medo de me assumir em uma sociedade homofóbica” (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje, me dou a oportunidade de abraçar minha sexualidade e minhas origens todos os dias. Estou me desconstruindo de vários conceitos antigos e evoluindo como ser humano. Tenho orgulho de ser gay e asiático. Logo, esse tipo de discurso já não afeta tanto o meu psicológico, por ter consciência de que não há nada errado comigo.

Ao mesmo tempo, tenho certeza de que para muitos outros asiáticos LGBTQI+ que ainda estão “dentro do armário”, ler comentários assim deve ser um gatilho imenso.

Quando Jair Bolsonaro foi eleito, passei por tempos muito sombrios. Ainda não tinha me assumido e me sentia sufocado diariamente, infeliz e cansado por esconder minha sexualidade. Meu psicológico já estava abalado e isso apenas se intensificou quando um presidente que compartilha abertamente seus pensamentos homofóbicos foi eleito pelos brasileiros. Isso me sufocou ainda mais e tive medo de me assumir em uma sociedade homofóbica.

Estamos vivendo momentos sombrios. Sim, é sufocante saber que pessoas te atacam por algo que faz parte de você e não afeta a vida de mais ninguém. É cansativo saber que pessoas não agem com empatia e preferem tomar atitudes à base da discriminação. É frustrante ser enxergado apenas por estereótipos. Mas também é importante não deixar tudo isso ofuscar nossa identidade e sermos mais orgulhosos pelo ser humano que somos. Talvez, nesse momento, você se sinta solitário com todo esse peso do mundo, mas saiba que não está sozinho. Podemos mudar o mundo juntos. Vamos?

– Victor Han, 28 anos, youtuber no canal Jovem Han


A “Híbridx” é uma coluna fixa do nosso site que serve de plataforma para apresentar as várias nuances e narrativas diferentes da comunidade LGBTQ+, indo além dos estereótipos esperados. É um espaço para conhecer e celebrar múltiplas realidades e interseccionalidades, contadas em primeira pessoa. 
 

O objetivo é abrir os olhos do leitor para a pluralidade de vivências, histórias e possibilidades dentro da comunidade LGBTQ+, mostrando ao mesmo tempo que toda e qualquer singularidade tem espaço e direito para existir. 

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