Há exatos 57 anos, em 1º de abril de 1964, o Golpe Militar instaurado no Brasil deu início a uma ditadura que além de torturar e matar seus opositores, também perseguiu as chamadas “minorias sociais”, com um foco especial na comunidade LGBTI+.
Como descrevem James N. Green e Renan Quinalha no livro “Ditadura e homossexualidade: repressão, resistência e a busca da verdade”, uma das táticas do regime era associar a luta comunista ou “da esquerda” às pautas identitárias, dentre as quais estava a comunidade LGBTI+ da época (ainda não sob essa sigla). “[…] Ideólogos (especialmente na Escola Superior de Guerra) e forças de segurança viam uma conspiração nos ‘males’ amontoados de democratização e os movimentos negro, feminista, indígena e homossexual.”
Abaixo, confira cinco dos muitos momentos, ações e operações dedicados a perseguir e prender pessoas da comunidade LGBTI+ que, na visão da Ditadura, estavam alinhadas com ou eram parcialmente responsáveis pela “subversão” ideológica do Comunismo:
Operação Sapatão
Em 15 de novembro de 1980, a Polícia Militar foi às ruas de São Paulo com uma missão clara: prender o maior número possível de lésbicas, naquilo que ficou conhecido como a Operação Sapatão. Sob o comando do delegado José Wilson Richetti, a tropa circulou por bares da rua Martinho Prado e levou cerca de 200 mulheres, lésbicas ou não, sob a acusação de serem “sapatão”. Leia mais aqui.
Operação Tarântula
Entre 1980 e 1985, o delegado Richetti também ordenou a prisão em massa de travestis e transexuais através dos temidos “rondões” que levaram mais de 1.500 pessoas à prisão, só em São Paulo. Em 1987, mesmo com o fim da Ditadura Militar, a prática perseverou e a polícia deu início à Operação Tarântula, com o objetivo de caçar e prender pessoas transgêneras que se prostituíam na capital paulista. Leia mais aqui.
O Lampião da Esquina
Criado em 1978, o Lampião da Esquina foi um dos primeiros e maiores veículos de imprensa voltado para pessoas LGBTI+ no Brasil. Com reportagens sobre aborto, sexualidade, legalização das drogas e o assassinato em massa de travestis e transexuais, o jornal nasceu para combater a representação negativa que a comunidade tinha na mídia da época. “Nos interessa destruir a imagem-padrão que se tem do homossexual, segundo a qual ele é um ser que vive nas sombras, que prefere a noite, que encara sua preferência sexual como uma maldição”, dizia o editorial da sua primeira edição.
O jornal rodou até 1981 e foi uma importante ferramenta de registro social e histórico, cobrindo pautas que não eram noticiadas em veículos tradicionais da mídia. Enquanto funcionou, os 11 jornalistas que escreviam para o Lampião foram perseguidos pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e muitos deles chegaram a ser fichados criminalmente por ferirem “a moral e os bons costumes”.
O levante do Ferro’s Bar
Em 19 de agosto de 1983, mulheres do Grupo Ação Lésbica Feminista (Galf) deram início a um protesto no Ferro’s Bar, em São Paulo, que ficou conhecido como “o pequeno Stonewall brasileiro”. O local era um dos principais pontos de encontro e discussão de ideias pelas sapatões, até que um dia o dono do estabelecimento resolveu chamar a polícia porque elas supostamente “atentavam contra os valores da família”. O motivo foi a venda do Chanacomchana, um jornal focado no público lésbico e produzido de forma independente pelas mulheres do Galf que circulou entre 1981 e 1987 na capital paulista. Leia mais aqui.
Cassandra Rios
A censura artística do período barrou grandes nomes da música, do teatro e da TV, mas foi Cassandra Rios, pseudônimo de Odete Rios, a autora mais censurada da década de 1970. Sua produção, que abordava a sexualidade feminina através de personagens lésbicas, rendeu 36 censuras e um único livro chegou a gerar 16 processos para a escritora, que mais tarde passou a usar pseudônimos masculinos para driblar a patrulha ideológica.
Apesar da perseguição feita pela polícia e a rejeição da classe intelectual que a considerava “muito popular”, Cassandra foi a primeira mulher que conseguiu vender 1 milhão de livros no Brasil. “Não me considero marginalizada. Eu é que marginalizo e ignoro a crítica”, declarou em certa ocasião.
Seu primeiro livro, “A Volúpia do Pecado”, foi lançado quando ela tinha apenas 16 anos e, posteriormente, também foi censurado. Conhecida como “a escritora maldita” da Ditadura, Cassandra faleceu em 2002, aos 69 anos.