*Texto original de Laura Mills
Agora que a História Queer saiu da Segunda Guerra, nós desembarcamos na China de 500 a.C. para conhecer dois dos casais gays mais conhecidos da história oriental, fontes de alguns dos mais notórios símbolos LGBTQs chineses: o pêssego mordido e a manga cortada. Apesar de esses signos não serem comuns na mídia ocidental, eles são usados por lá como códigos de identificação para relacionamentos entre dois homens, mesmo que as histórias tenham sido levemente distorcidas ao longo dos anos.
Nossa primeira história conta o relacionamento entre um duque e um cortesão nos tempos da dinastia Zhou: Duque Ling de Wei, um homem casado, e Mizi Xia. Dizia-se que Xia era incrivelmente belo e muito amado em Wei, a terra sobre a qual o duque reinava. E, mesmo em uma relação extraconjugal, o duque era bem aberto sobre seu amor por outro homem, sendo conhecido por se gabar sobre Xia mesmo quando este estava por perto.
Apesar de não serem vistos como “ideais” ou “a ordem natural das coisas”, a maioria das pessoas os considerava permissíveis, desde que os participantes desempenhassem seu “papel” dentro de um relacionamento heterossexual: ter filhos e, no caso do duque, produzir herdeiros. Era tolerado que ele tivesse um caso extraconjugal com um cortesão homem e também lhe era permitido não somente se gabar desse relacionamento, mas presentear seu amante com favores. É esses momentos que encontramos os episódios mais frequentemente citados sobre o par.
A primeira e menos famosa das duas foi a história de quando a mãe de Xia estava doente. Ao receber a notícia, ele imediatamente forjou a assinatura do duque para usar uma de carruagens e visitá-la. Nessa época, tal crime era punido decepando-se os pés do ladrão. Mas, quando o cortesão voltou para o duque, ele não foi castigado. Em vez disso, foi elogiado pela lealdade com sua família e pela disposição para encarar punições, se isso significasse poder estar com sua mãe.
A outra fonte de orgulho para o duque é também a origem do símbolo do pêssego mordido. Ao caminhar pelo jardim com seu amante, Xia pegou um pêssego, mordendo-o antes de perceber que era um pêssego particularmente doce, oferecendo-o então para o duque, que o elogiou. “Que sincero é o seu amor por mim! Você esqueceu seu apetite e pensou em me dar coisas boas para comer!”, disse Ling. O registro dessa história tornou o pêssego mordido como um símbolo de amor entre dois homens.
Mas a razão de essa história ser contada é muito diferente. Ela foi registrada originalmente por um acadêmico, que usou tanto o início quanto o eventual fim do episódio como uma parábola. Foi dito que, após Xia perder sua beleza, o amor do duque por ele também se perdeu, e o cortesão foi então acusado de dois crimes contra o nobre: o roubo da carruagem e o presente do pêssego meio mordido. A atitude instável de Ling serviu para o acadêmico ilustrar os perigos em aceitar favores de pessoas poderosas.
A manga cortada
Nossa segunda história traz o mesmo nível de consequências sombrias para dois homens apaixonados como a primeira, mas, desta vez, durante a Dinastia Han (cerca de 200 a.C.), quando pelo menos 10 imperadores eram publicamente homo ou bissexuais. Nesse caso, contaremos a história do imperador Ai de Han e o homem que foi rapidamente promovido a comandante de suas forças armadas por causa deste relacionamento, Dong Xian.
O imperador era conhecido por seu sentimentalismo ao conceder cargos, tendo quatro imperatrizes-viúvas ao mesmo tempo, algo que ele foi o primeiro e último a autorizar, e que rendeu duras consequências às envolvidas.
Ao promover Xian, o imperador foi avisado do risco de misturar cama e trono por seu primeiro ministro, Wang Jia, que já havia promovido muitas pessoas próximas ao imperador e observado as punições que elas recebiam por isso. Irritado com o alerta, o imperador reagiu acusando Jia de crimes falsos e forçando-o a cometer suicídio. Foi assim que ele reagiu a todas as críticas posteriores pelo envolvimento com seu amante, passando boa parte da vida profundamente apaixonado por Xian.
Ao contrário do relacionamento entre o duque e seu cortesão, o imperador não deu as costas ao seu amor. Reza a lenda que, em certa ocasião, Dong Xian adormeceu nos braços do imperador e, quando o imperador tinha que deixá-lo, ele preferiu cortar a manga de sua própria roupa do que acordar o rapaz.. Novamente, o episódio foi tão simples, curto e encantador e, ao mesmo tempo, rendeu uma conclusão pouco narrada.
Quando o imperador morreu por causas naturais, Dong Xian teve o mesmo destino de seu amado pouco depois, mas não pelos mesmos motivos. Ai de Han ordenou que, com sua morte, o trono fosse transferido a Xian, mas o desejo foi ignorado por todos no minuto em que seu corpo esfriou. Com a morte do imperador, todos os títulos de Xian foram retirados e ele se matou junto com sua esposa. Após sua morte, para honrá-lo, o povo chinês passou a cortar suas mangas como símbolo de luto e respeito.
Ao contrário das esposas, que eram vistas como família e tinham seus relacionamentos legitimados e reconhecidos por todas as formas de governo, as relações entre dois homens não gozavam do mesmo luxo. Na China daquela época, casais homoafetivos e a existência de pessoas LGBTQ eram tolerados. E só.