*Texto original de Laura Mills
[Alerta de gatilho: violência sexual]
A História Queer de hoje posa em Serra Leoa, na parte ocidental do continente africano, para lembrar a história de FannyAnn Eddy, uma ativista lésbica e pioneira na defesa dos direitos de LGBTs no país.
Nascida em 14 de junho de 1974, FannyAnn passou sua juventude sofrendo as consequências da violenta guerra civil em que seu país se encontrava entre 1991 e 2002 e que fez centenas de milhares de vítimas, enfraquecendo o sistema judiciário ao longo do caminho.
No que diz respeito à comunidade queer, Serra Leoa já tinha herdado uma rigorosa legislação do Reino Unido, desde o século XIX. Enquanto o país mantém até hoje uma legislação específica que proíbe atos sexuais entre homens, nunca houve nenhuma regra específica para relações sexuais entre mulheres – muito em parte porque a ideia de duas mulheres em um relacionamento era vista como “ridícula” ou impossível.
Ainda adolescente, FannyAnn foi obrigada a abandonar seu país e fugir para um campo de refugiados por causa da guerra civil. Mesmo sofrendo os perigos de uma refugiada lésbica, ela começou seu trabalho como ativista desde cedo, lutando incansavelmente para que a comunidade LGBT fosse reconhecida.
Em 2002, quando voltou a Serra Leoa, FannyAnn fundou a Associação de Gays e Lésbicas de Sierra Leone, a primeira organização desse tipo em toda a história do país. O trabalho desenvolvido tinha como objetivo lutar contra as leis discriminatórias do país, com um foco especial na diferença de tratamento entre a população carcerária heterossexual/cisgênero e as pessoas LGBTs.
Um dos momentos definitivos na sua luta foi quando, em 2004, FannyAnn teve a coragem de se pronunciar publicamente sobre as violações de direitos humanos sofridas pelos LGBTs de Serra Leoa durante uma convenção na Organização das Nações Unidas (ONU). Em seu discurso, ela falou sobre como a inércia de líderes mundiais acerca do tema eram uma forma de apoio à crença que crimes cometidos contra pessoas queer eram aceitáveis.
Quando líderes africanos usam cultura, tradição, religião e normas sociais para negar a nossa existência, eles toleram a discriminação, violência e indignidade geral
– FannyAnn Viola Eddy
“Nós vivemos com medo em nossas comunidades, onde enfrentamento assédios e violências constantes dos nossos vizinhos e de outros. Seus ataques homofóbicos ficam sem punição pelas autoridade, encorajando ainda mais o tratamento violento e discriminatório de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais”, denunciou FannyAnn.
Infelizmente, seus esforços não funcionaram. A lei que ela pretendia repelir não foi cancelada por falta de suporte diplomático. Ainda assim, FannyAnn continuou o trabalho à frente da associação, mantendo em sua vida pessoal um relacionamento estável com Esther Chikalipa, com quem ela dividia a criação do filho.
É sua dedicação à família e à defesa de pessoas LGBTs que torna o fim de sua história ainda mais terrível. FannyAnn Viola Eddy foi assassinada em seu escritório em 2004, por um grupo de homens que a estuprarem repetida e coletivamente, a espancaram e, por fim, quebraram seu pescoço.
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O crime continua sem nenhum culpado até hoje, mais de 15 anos depois. À época, um homem que trabalhava com FannyAnn foi detido pela polícia local, que se recusou a registrar o assassinato como crime de ódio e deixou o suspeito fugir apenas dias depois de sua prisão. Mesmo com as provas de que o assassinato da ativista foi cometido por mais de uma pessoa, nenhum outro nome foi implicado no homicídio e nunca houve um julgamento do caso.
O legado de FanyAnn, entretanto, permaneceu após sua morte. Seu nome se tornou sinônimo de resistência em grande parte daquela região da África, dando origem a vários prêmios e fundações voltadas à proteção dos direitos de LGBTs. Abaixo, relembramos mais um trecho de seu discurso na ONU, quando ela pediu proteção à comunidade internacional:
“Silêncio gera vulnerabilidade. Vocês, membros da Comissão de Direitos Humanos, podem romper esse silêncio. vocês podem reconhecer que existimos, na África e em todos os continentes, e que a violação de direitos humanos com base em orientação sexual ou identidade de gênero acontece todos os dias. Vocês podem nos ajudar a combater essas violações e alcançar nossos plenos direitos e liberdades, em todas as sociedades, incluindo a minha amada Serra Leoa.”