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Em NY, Parada do Orgulho LGBTQ+ mescla festa e protesto no berço de Stonewall

"Todos bem-vindos": Parada do Orgulho LGBTQ+ de Nova York chegando à Rua Christopher, berço da Revolta de Stonewall (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Entrei no metrô na rua 168 com a Broadway às 11:30 da manhã. Essa é a estação mais perto da minha casa, em um bairro do extremo norte de Manhattan chamado Washington Heights. A região é famosa por sua comunidade latina, sobretudo de dominicanos, e pelas bandeiras caribenhas encontradas em janelas, comércios e carros. Mas neste domingo, 26, a Parada do Orgulho LGBTQ+ de Nova York, considerada o berço da Revolta de Stonewall, fez com que o azul e vermelho dos dominicanos e porto-riquenhos se encontrassem com as demais cores do arco-íris.

Já na plataforma do trem A, expresso que permite cortar a ilha de ponta a ponta em menos de 40 minutos, era possível ver em roupas e bandeiras a mistura das cores latinas com o arco-íris. Jovens, adultos, idosos e crianças, todos vestidos a caráter, entraram no trem rumo à rua 4.

A cada parada, novos rostos e cores se somavam àquela peregrinação LGBT rumo ao sul. As estações do Harlem deixaram o trem mais preto; ao passar pelo Upper West Side, ele ficou inevitavelmente mais branco. As estações de Midtown adicionaram novos idiomas e sotaques dos turistas que lotam a cidade no verão. Em poucas paradas, o trem já era um fervilhar de diferentes identidades e histórias, um pouco daquela mistura cultural que se espera de Nova York, mas que nem sempre vemos.

Na Queer Liberation March, cartazes iam de "Poder ao povo" a "Proteja o acesso à saúde de pessoas trans" (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)
Na Queer Liberation March, cartazes iam de “Poder ao povo” a “Proteja o acesso à saúde de pessoas trans” (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Ao chegar na estação da Rua West 4th, subi um lance de escada e encontrei aquele trem multiplicado por algumas dezenas. Milhares de pessoas se espremiam ali no espaço das calçadas, separadas da rua por grades removíveis de ferro. Ao contrário do Brasil, a Parada do Orgulho LGBTQ+ de Nova York é – como me explicou um amigo que mora nos Estados Unidos há mais tempo – uma espécie de “desfile da Sapucaí”.

Nas ruas, vão os convidados que desfilam: membros de ONGs, organizações da sociedade civil, empresas, departamentos do governo etc. Já as calçadas são ocupadas por aqueles que assistem parados ao show de perto.

Foi no lado oposto ao Stonewall Inn, bar considerado por muitos o berço do movimento LGBTQ+ no mundo desde que houve a revolução de 1969, que encontrei David. Gay e com 62 anos, essa foi a primeira Marcha do Orgulho de que ele participou em Nova York. “Eu acho que as pessoas estão preparadas para a igualdade, preparadas para esse país ir pra frente em uma direção diferente da que está agora”, disse com um sotaque forte do sul dos Estados Unidos.

David carrega na blusa o Orgulho pelo conservador, mas ainda tem esperança de o Estado eleger algum democrata (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

David usava uma blusa com o mapa do Texas nas cores do arco-íris e o dizer “Texas Pride”, “Orgulho Texas” em português. Governado por Greg Abbott, um dos republicanos mais controversos e conservadores da política estadunidense atual, o Estado vem sendo palco de diversos ataques aos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQ+. David, porém, vê uma luz no fim do túnel: “Eu espero que os democratas vençam no Estado. Nós vamos votar em Beto O’Rourke para governador e vamos nos livrar (do senador) Ted Cruz!”.

Essa foi a primeira Parada presencial em Nova York desde 2019. A pandemia do coronavírus transformou o evento na primeira oportunidade para que muitos fossem às ruas festejar o seu Orgulho.

“Eu estou amando! As cores, a diversidade, a vibe. Eu estou amando muito!”, me disse Jezz, jovem assexual e pan-romântica da Flórida, que agora vive no Brooklyn e estava acompanhada de duas amigas assistindo à Parada pela primeira vez. Poucos metros à frente, encontrei James, um jovem bissexual de 21 anos que também era novato por ali: “Isso é história! Todo mundo deveria vir assistir a isso aqui e celebrar!”, disse empolgado.

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Se engana quem pensa que todo mundo ali se enquadra em alguma letrinha do movimento LGBTQ+. Não demorou muito e conheci Rachel, do Colorado, uma mulher heterossexual que participava do evento pela primeira vez. “Estou aqui porque amo as pessoas. Eu acredito no direito de todo mundo ser quem é e amar quem quiser. É uma comunidade maravilhosa!”, me explicou.

A algumas quadras dali, na Praça Washington, encontrei um casal: Shona, uma mulher também cisgênera e heterossexual, acompanhada de Joe, um homem cis e bissexual. Vestidos a caráter, eles desceram do Upper West Side para participar da Parada do Orgulho pela primeira. Perguntei qual era o motivo de tomarem essa decisão logo esse ano e Joe me deu dois: “Primeiro, por causa da pandemia, vamos ser honestos. E, segundo, porque eles querem acabar com o aborto. Vamos lá, todo mundo tinha que estar aqui por causa disso!”, disse em referência à recente revisão do caso Roe V. Wade pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que acabou com o direito ao aborto legal garantido há quase 50 anos.

“Supreme Fuck-up”: na Parada do Orgulho LGBTQ+ de NY, público protestou contra decisão da Suprema Corte que revogou o aborto legal nos EUA (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Mas o movimento LGBTQ+ de Nova York e suas mais diferentes vertentes estão longe de terem acordo sobre o significado e os rumos que a Parada do Orgulho tomou nas últimas décadas. Foi em 1970 que a primeira manifestação aconteceu sob o nome de Christopher Street Liberation March. O ato foi em memória ao conflito do ano anterior entre os frequentadores do Stonewall Inn, histórico bar LGBTQ+, contra a polícia de Nova York, que cotidianamente invadia o local e prendia pessoas sob a justificativa de atentado à moral.

Aquela primeira marcha foi protagonizada por pessoas trans e pretas e tinha mais cara de protesto do que de festa. Para alguns, a tomada do espaço por uma maioria de pessoas brancas, empresas e pelo próprio Estado é uma contradição histórica.

Queen Jean, mulher trans negra fundadora do Black Trans Liberation, estava à frente de uma marcha à parte que se concentrou em um dos lados da Washington SquareDe vestido amarelo, Queen Jean liderou a Black Trans Liberation March pelas ruas de Greenwich Village (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Queen Jean, mulher trans negra fundadora do Black Trans Liberation, estava à frente de uma marcha à parte que se concentrou em um dos lados da Washington Square. Para todas pessoas que se aglomeravam no entorno e se banhavam na fonte do centro da praça, Queen Jean gritava pelo microfone: “Pessoas queer pretas estão sendo mortas! Vocês deveriam estar na rua. Se quer se refrescar, vá para uma piscina. Nós estamos lutando por liberdade! O Orgulho é um protesto! É uma revolta!”.

Em uma faixa que atravessava seu corpo, era possível ler os dizeres “Nós nos protegemos. Orgulho é um protesto!”. Depois, o grupo seguiu em ato pelas ruas do Greenwich Village cantando palavras de ordem e erguendo bandeiras do Black Lives Matter e do movimento LGBTQ+, carregando diversos cartazes com pautas que iam desde a abolição da polícia até o fim da Suprema Corte. “Se você é policial, se você está com um policial ou se você fode com um policial, meta o pé daqui”, advertiu Queen Jean no início do trajeto.

Outra marcha paralela chamada de Queer Liberation March era puxada pela Reclaim Pride Coalition e saiu em ato da Foley Square até a Washington Square. A coalizão acredita que a marcha oficial se distanciou muito do espírito fundador do movimento e também repete o mantra de que o dia do Orgulho é um dia de protesto, em contraponto à festa.

Cartaz na Queer Liberation March também pedia o fim da Suprema Corte (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Foi onde conheci Jass, jovem não-binárie do Estado da Georgia e que vive no Brooklyn. Jass carregava consigo um cartaz que dizia “libertação trans já!”. Elu me disse que esse ano a importância de estar ali era redobrada: “Por causa da anulação de Roe V. Wade. Isso não afeta apenas mulheres, afeta todos os corpos que engravidam. O direito à saúde deveria ser um direito humano e nós não deveríamos ser negades o direito a fazer abortos”.

Na dispersão, conheci Richie Marino, um militante do Bronx e membro do Workers World Party, um partido socialista que também decidiu se incorporar à Queer Liberation March. “A Parada do Orgulho era um protesto contra o fasciscmo, contra a repressão, a opressão contra diferentes sexualidades e identidades de gênero… E não é mais isso”, pontuou. “Hoje em dia é sobre empresas, capitalismo e o aumento do lucro dessas empresas. Eles estão explorando a luta LGBTQ+ para fazer dinheiro!”

Rumo ao metrô que me levaria de volta a 164 quarteirões a norte dali, parei para conversar com um grupo de pais e filhos vestidos com a mesma camisa: “Orgulho também é para as crianças”. Pedi para conversar com duas menininhas e os pais deixaram. E elas quiseram, é claro.

Katin, Ryan e suas família uniformizados com camisas em que se lia “Orgulho também é para as crianças” (Foto: Pedro Paiva | Revista Híbrida)

Katin tinha sete anos e já participou de outras Parada. Ryan, de 6 anos e 3 quartos, como ela mesma enfatizou, estava na sua primeira. Felizes, as duas disseram gostar de estar ali. “Bem, eu gosto de muitas coisas, mas geralmente tem doces que as pessoas dão. Eu gosto”, disse sabiamente Katin.

Para Ryan, perguntei qual era a sua primeira impressão da Parada. Sem a vergonha boba dos adultos de não assumirem que não entenderam uma pergunta, ela me questionou: “o que ‘primeira impressão’ significa?”. Expliquei e ela prontamente respondeu: “Eu gosto de várias coisas, mas acho que eu gosto muito das camisas e das decorações!”

Já de volta ao Washington Heights, cansado e suado de um dia inteiro embaixo do sol de rachar e do calor que consome cada gota de energia durante o verão de Nova York, fiquei pensando em Katin e Ryan. No resumo desse dia, eu fico é com a pureza da resposta das crianças. E com a expectativa de que elas um dia construam uma Parada ainda mais plural e um país mais acolhedor.

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