Híbrida
MÚSICA

Clarice Falcão sobre quarentena, baladas e “dar tudo que as gays pediram”

Clarice Falcão sobre quarentena, baladas e "dar tudo que as gays pediram" (Foto: Pedro Pinho | Divulgação)

Menos de um ano após ter lançado seu terceiro álbum de inéditas, “Tem Conserto”, a cantora, compositora e atriz Clarice Falcão volta agora com “EU_ME_LEMBRO”, um EP com cinco de suas músicas antigas que ganharam novos arranjos eletrônicos para se adequarem ao som da nova turnê. “Escolhemos as que eu achei que funcionariam melhor como faixas. Eu meio que pensei: ‘como seria se eu gravasse algumas dessas músicas hoje?'”, ela explica pelo telefone.

Enquanto os shows estão pausados pela pandemia do novo coronavírus, a mini-coletânea resgata o passado da artista em hits como “O que eu bebi”, do seu disco de estreia “Monomania” (2013), e uma nova parceria com Letrux, na faixa que dá nome ao trabalho e foi originalmente gravada com Silva. Assim como aconteceu em “Tem Conserto”, os novos arranjos são frutos da co-produção entre ela e Lucas de Paiva.

LEIA TAMBÉM —> Em “Aos Prantos”, Letrux libera o choro: “Ser sensível é ser forte”

Na dinâmica da eletrônica, a artista, que até então tinha uma sonoridade mais acústica e influenciada pelo folk, redescobriu seu processo criativo e explorou um novo território. “Tem algumas músicas recentes que foram compostas em cima das batidas. Isso nunca tinha me acontecido. Eu sempre compunha a música e depois ia fazendo o arranjo”, conta.

LEIA TAMBÉM —> Silva sobre “Brasileiro”, sexualidade e política: “Ser leve requer esforço”

Em entrevista à Híbrida, Clarice conta como sua relação com a música eletrônica foi evoluindo desde a admiração nas baladas até o entendimento de que a sonoridade caberia em seu universo de compositora, divide alguns planos para durante e depois do isolamento social e brinca sobre a “surra de conteúdo” que vem pela frente, com direito a mais música inédita e um videoclipe que, ela brinca, “se tudo der certo, vou dar tudo que as gays pediram”. Leia abaixo:

Capa do EP "EU_ME_LEMBRO" (Reprodução)
Capa do EP “EU_ME_LEMBRO” (Reprodução)

Híbrida: Como tá a sua quarentena por aí?

Clarice Falcão: Cara, já estou no 16º dia de quarentena. Acho que ainda não fiquei maluca, mas não muito como saber. Não tem pra quem perguntar. Eu moro com meu namorado e o cachorro, então se ficamos malucos,  estamos juntos.

H: Sobre o EP novo, qual foi a direção sonora que você quis seguir? Foi uma ideia para aproximar as músicas do ‘Tem Conserto” ou algo totalmente novo?

CF: Quando a gente foi fazer o show do Tem Conserto, queríamos muito trazer as músicas antigas, mas sem transformar isso em algo dividido, que tivesse uma parte para as músicas antigas com violão e tal. Começamos a pensar em versões que entrassem de forma harmônica, mas não perdessem a essência das músicas. Foi um trabalho muito difícil e gostoso de fazer, tive que pensar em como eu faria hoje essas músicas. Quando começamos a tocar [as novas versões, a galera pediu para colocar no Spotify porque queriam ouvir em casa. Comecei a pensar em quem não poderia ir ao show e resolvi criar um EPzinho.

H: Você co-produziu o “Tem Conserto” com o Lucas de Paiva. Você também fez isso com os novos arranjos do EP?

CF: Sim! No meu processo com o Lucas, quando a gente se encontrou da primeira vez ele disse ‘Meu objetivo é que, quando terminarmos esse disco, você consiga produzir um sozinha, se tu quiser’. Eu me mijei de medo. Mas, cara, é um processo tão gostoso! E com essa coisa de fazer música eletrônica, você não precisa estar em estúdio para captar o som de um instrumento acústico.

Em “Horizontalmente”, por exemplo, tem uma parte da produção que eu inventei sozinha e mandei para o Lucas. Porque a gente tava fazendo tudo sozinho em casa, então ele tocava e eu falava que queria desse ou de outro jeito e a gente seguia trabalhando juntos. Foi muito legal, e acho que por isso grudamos e não nos largamos mais. Ele virou um grande amigo, parceiro pra vida.

H: Isso deve ser bom porque te dá uma nova perspectiva de como compor também, não?

CF: Nossa, totalmente. Tem algumas músicas recentes que foram compostas em cima das batidas. Isso nunca tinha me acontecido. Eu sempre compunha a música e depois ia fazendo o arranjo. “Bad Trip”, por exemplo, nós tínhamos uma base e eu tinha anotado umas letras no caderninho porque, enfim, Bolsonaro tinha acabado de ser eleito. A gente fez um dia e postamos na semana seguinte à que ele foi eleito. “Só + 6” foi uma que eu já tinha a ideia, tocava com violão no show, mas quando ouvi pensei que poderia recompor em cima de uma base. Foi um processo muito doido.

H: Como foi feita essa curadoria do que entrava ou não no EP? Foi pesquisa de streaming, demanda dos fãs ou feeling autoral?

CF: Como estamos trabalhando com versões, escolhemos as que eu achei que funcionariam melhor como faixas. Eu meio que pensei em como seria se eu gravasse algumas dessas músicas hoje? “Eu me lembro” já sabia que queria porque tem tudo a ver com o EP, essa coisa de lembrar da história diferente. É uma música que fala sobre memória, como as coisas aconteceram, e eu sempre quis chamar o EP de “Eu me Lembro”. No show, “Capitão Gancho” é muito linda, mas acho que é mais forte ao vivo, não sei se o arranjo ficaria tão redondinho. “Irônico”, por exemplo, eu sempre senti que dava vontade de ouvir em casa, dançando.

Letrux e Clarice Falcão na gravação da parceria em “EU_ME_LEMBRO” (Foto: Guilherme Guedes)

H: Por sinal, de onde surgiu a ideia de convidar a Letícia [Novaes, Letrux] para essa nova versão de “Eu Me Lembro”, depois de já ter gravado também com a Alice Caymmi, pra CoLAB? 

CF: Eu fico muito feliz de ter composto um dueto, porque essa música já me deu a oportunidade de ter encontros muito lindos. Já cantei com Karina Buhr, Paulinho Moska… A Letícia, exatamente, foi um encontro que aconteceu no Circo Voador, na turnê do “Problema Meu”. Ela não era Letrux ainda, era a Letícia Novaes, e foi um momento muito especial pra mim – estar no Circo, cantando com a Letícia, quem eu sempre admirei muito como artista, em todos os sentidos, como poeta, intérprete etc. A gente se deu um beijão no palco! Na real, ela me deu um beijão…

H: Isso é como você se lembra, né?

CF: [Risos] Exatamente, como eu me lembro. Foi um momento muito mágico. A versão com a Alice para a Colab é muito foda também, mas como quem quisesse ouvir já poderia assistir ao vídeo, achei até que poderia ser redundante chamá-la de novo. Aí lembrei desse momento, e sou tão fã da Letícia, queria fazer uma parceria com ela há muito tempo.

H: Acabou que a vibe da Letícia com a sua no “Tem Conserto” casaram muito bem, pela pegada eletrônica dos trabalhos e do novo arranjo da música.

CF: Sim! O Arthur Braganti, que toca com a Letícia, era da mesma banda que o Lucas de Paiva, a Séculos Apaixonados. Então, existe essa sonoridade que combina mesmo. A gente é um pouco da mesma galera. É todo mundo migo.

H: Em algumas entrevistas recentes, você diz que começou a descobrir a cena eletrônica há uns dois anos e isso te influenciou na produção do “Tem Conserto”. Como foi para você chegar nessa cena?

CF: Na real, eu sempre fui muito baladeira, e sempre gostei de música eletrônica, principalmente com vocais. Quando tinha 16 anos, ouvia muito Björk. Mas sempre gostei de folk também e, como eu compunha no violão, era algo que vinha naturalmente. No clipe de “Mal Pra Saúde“, inclusive, tem muitas fotos minhas com 17 anos, quando eu entrava com identidade falsa na boate e ficava doida na Fosfobox.

H: Inclusive, amo essa estética Fotolog do clipe.

CF: Eu era muito baladeira, o que aconteceu é que eu casei, daí a gente dá uma descansada. Mas mesmo assim, com a galera do Porta [dos Fundos], a gente fazia muitas noites de jogos etc. Quando eu me separei, com 25, 26 anos, foi quando eu voltei.

H: E teve algum trabalho, artista ou produtor específico que tenha te inspirado nessa pegada eletrônica do disco?

CF: Tem toda a cena das festas que eu curto muito, como a Mamba Negra, Até as 4 etc. De trabalho específico, o No Porn é uma inspiração pra todo mundo que faz música eletrônica aqui no Brasil, foram eles quem começaram. Eu gosto muito da Robyn também, ela tem uma coisa que eu curto muito que é uma música de pista melancólica. Se você pensar, na pista está todo mundo dançando, mas ninguém conversando. Fica cada um preso dentro da própria cabeça.

Também gosto de Depeche Mode e de uma outra dupla que me deu o insight de ser possível lançar um trabalho eletrônico no meu universo, a Sylvan Esso. Ela é formada por uma menina que canta folk [Amelia Meath], e veio da banda Mountain Man, e por um produtor de eletrônica [Nick Sanborn]. Me apaixonei muito por esse trabalho, quando vi que algumas melodias passam pelo acústico e pela eletrônica.

[‘Dia D’] é uma música que, cara, quando eu lançar, quero que as pessoas saiam pra dar mesmo

H: Você anunciou no Twitter que já tinha gravado o clipe para “Dia D”. Em que pé ficou o lançamento, agora com essa pandemia?

CF: Eu estou com o clipe quase pronto, já na fase de finalização, mas não quero lançar em época de quarentena. Acho que é uma música que, cara, quando eu lançar quero que as pessoas saiam pra dar mesmo. Vai ser um pouco triste cantar “Finalmente chegou o dia…” e estar todo mundo trancado em casa. Não tem problema em esperar, porque o clipe ficou muito foda. É, talvez, um dos mais maneiros que eu já fiz. Mas escolhi esperar.

H: Você tinha pedido um vestido de noiva emprestado para as gravações. É muita viagem ou podemos esperar por alguma referência a “Like a Virgin”, da Madonna?

CF: Na verdade, esse clipe tem muita coisa, muitos personagens. A nossa vontade, minha, do Pablo Monaquezi e do Felipe Oliveira [ diretores] é que as pessoas voltem o clipe para reparar nas coisas. Se tudo der certo, vou dar tudo que as gays pediram.

H: Falando nas gays, nos comentários dos vídeos de “Eu Me Lembro” tanto com a Letrux quanto com a Alice Caymmi tem várias sapatões interpretando essas releituras como um hino lésbico. Você tava ciente disso?

CF: Com certeza. Como já tinha a original com o Silva, eu sempre chamava uma menina para cantar nos shows. Até porque, já saí do armário como bi há muito tempo, então quis fazer essa nova versão com outra menina. Mudei a letra para mudar a música e fazer tudo direitinho, não só apenas duas meninas cantando.

H: E, Clarice, esse período de quarentena tem te inspirado a criar alguma coisa?

CF: Eu já tenho uma música que escrevi antes desse período, já sobre o caos que estamos vivendo, e que agora ficou bizarro porque parece que escrevi sobre isso. Estamos no processo de gravar etc., mas tudo a distância é mais complexo, porque queria lançar também com um vídeo. Por um lado, vamos adiar “Dia D”, mas pode ser que venha uma música inédita daqui a pouco.

H: Você estava confirmada no line-up oficial do Lollapalooza Brasil. Já sabe se vai participar do festival na nova data, em dezembro?

CF: Eu imagino que sim, mas não tenho essa confirmação ainda. Acho que eles devem estar se  organizando para anunciar tudo junto.

Notícias relacionadas

Mia Badgyal: “É um desafio me definir como travesti nesse retorno”

João Ker
1 ano atrás

No Mês da Consciência Negra, SP recebe curso “Politizando Beyoncé”

João Ker
5 anos atrás

Luedji Luna: “A arte tem sido a nossa arma mais poderosa”

João Ker
6 anos atrás
Sair da versão mobile