Híbrida
MÚSICA

No Mês da Consciência Negra, SP recebe curso “Politizando Beyoncé”

Beyoncé emulando as cores do arco-íris ao lado de suas dançarinas (Foto: Reprodução)

Nesta terça-feira (19), o poder de Queen B aterrissa no 27º Festival Mix Brasil com o curso Politizando Beyoncé. Apresentado pelo filósofo Ali Prando no Centro Cultural da Diversidade de São Paulo, o evento debate o artivismo político e impacto cultural da artista, desde os dias de Destiny’s Child até trabalhos recentes como “Lemonade” ou a antológica performance no Beychella.

“Seu trabalho representa um complexo conglomerado estético que envolve os mais diversos campos artísticos, como dança, artes plásticas, moda, tecnologia, poesia e música”, afirma Prando, que além do curso sobre Beyoncé, também é o responsável por “Björk – Paradigmas
do Pós-humanismo.EXE”.

O filósofo compara Beyoncé com outros artistas negros que usam seus trabalhos como plataforma de empoderamento e militância, como Spike Lee, Childish Gambino, Emicida, IBEYI, Linn da Quebrada ou Jordan Peele. Abaixo, veja o que ele tem a dizer sobre o ativismo da artista, seu possível impacto para os fãs brasileiros e como ele atravessa a comunidade LGBTQ:

Ali Prando (Foto: Arquio Pessoal)
Ali Prando (Foto: Arquio Pessoal)

Híbrida: Como teve a ideia de analisar o lado político da obra de Beyoncé?

Ali Pando: Beyoncé virou a indústria do audiovisual de cabeça pra baixo nessa década: criou a tendência do álbum visual, hackeou as maiores plataformas do mercado, como a Vogue, Super Bowl, Coachella, Louvre e Disney. Mais do que isso, Beyoncé moveu o imaginário racista e misógino que cercava minorias como mulheres negras e pessoas LGBTQIA+, reeditando para sempre o lugar-comum em que esses indivíduos apareciam. Assim, as universidades ao redor do mundo foram oferecendo cursos e disciplinas sobre o trabalho da artista em diferentes modalidades: alguns analisam sua capacidade mercadológica, outros analisam seus discursos etc.

Sou formado em Filosofia, tenho proximidade com as Teorias Feministas há alguns anos. Desde criança, eu sou apaixonado por cultura pop. Acredito que a obra de Beyoncé possui várias similaridades com textos de Judith Butler, Achille Mbembe, Angela Davis ou mesmo Patricia Hill Collins em termos de temáticas como feminismo, necropolítica e empoderamento.

O “Politizando Beyoncé” representa justamente essa costura entre conceitos desenvolvidos por essas filósofas contemporâneas e a estética que a artista norte-americana tem formulado em seus mais recentes trabalhos: O que Beyoncé faz é arte? Artivismo ou entretenimento? Quais são as potências políticas de suas ações? Essas são algumas das perguntas que levanto durante o projeto. Nesse período político, é primordial que a academia investigue as imagens que estão sendo produzidas nas mídias, pois são esses conteúdos que mediam e informam onde estamos socialmente.

Beyoncé durante o videoclipe de “Formation”, uma ode à cultura negra de Nova Orleans (Foto: Divulgação)

H: Como você vê a evolução do empoderamento negro e feminino em sua obra, desde os dias das Destiny’s Child até os trabalhos mais recentes, como “Lemonade” e Beychella?

AP: Desde sempre, Beyoncé tratou de problemáticas feministas em suas letras, seja em “Independent Woman”, “Bills, bills, bills” ou “Bootylicious”.

Beyoncé compreende cada vez mais a importância e o alcance de sua obra: quando ela apresenta “Formation” no palco do Super Bowl (o evento esportivo mais assistido dos Estados Unidos), ela está chamando atenção para o movimento #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam), a história dos Panteras Negras e criando uma resposta estética aos governos republicanos que são responsáveis por mortes violentas de pessoas negras.

O mesmo pode ser dito sobre “Lemonade”, que funciona como uma espécie de bíblia do feminismo negro, onde ela utiliza traços autobiográficos para tratar sobre um problema macropolítico – quais são os afetos aos quais as mulheres negras estão expostas?

H: De que forma esse empoderamento e militância política da Beyoncé pode refletir nos movimentos sociais do Brasil?

AP: Existem diferenças enormes nos processos de colonização da América do Norte e da América do Sul. Ao mesmo tempo, enfrentamos problemáticas similares: a precarização do trabalho, violência policial e estatal contra pessoas negras, genocídio e encarceramento em massa etc.

Gosto de chamar atenção para o fato de que nós formamos nossas identidades a partir de espelhos e referências. Nesse sentido, os videoclipes e ensaios que Beyoncé produz fazem deslocamentos em nosso inconsciente. Beyoncé cria novos prismas representativos que dão conta da pluralidade na qual estamos inseridos no contemporâneo. É válido lembrar que as diásporas africanas têm uma tecnologia de comunicação muito similar: a percussão. O som de Beyoncé é extremamente percussivo e talvez seja por isso que sua sonoridade seja tão expressiva, conseguindo tocar tanto brasileiros quanto norte-americanos, africanos etc.

Beychella: Beyoncé durante sua apresentação como primeira mulher negra a ser headliner do Coachella

H: Qual você considera como o trabalho mais significativo dela nesse sentido?

AP: “APESHIT” é a minha peça favorita de Beyoncé. Nossa subjetividade é completamente colonizada: temos como referência de beleza tudo aquilo que foi imposto pela cultura eurocêntrica e branca. Com “APESHIT”, Beyoncé ocupa o Museu do Louvre, considerada ainda hoje a maior instituição de arte do mundo (mesmo que essas artes sejam saqueadas de outros continentes).

Com isso, ela cria fissuras no que chamamos de arte: qual é o lugar dos artistas negros nas instituições de arte? Qual foi o legado da branquitude para a humanidade, além do genocídio, escravidão e guerras mundiais? Por que o feminino é representado pela Vênus de Milo e não por mulheres negras ou trans? Faz realmente sentido considerar a cultura popular como um produto meramente descartável? O que Mona Lisa pode representar nos anos 2000?

“APESHIT” é uma ode à cultura negra do início ao fim: é um single de trap pesado, produzido e escrito por artistas negros, costurado por um rap veloz e ágil. Na capa do disco “EVERYTHING IS LOVE”, há ainda a imagem de um casal, uma mulher negra penteando os cabelos crespos de um rapaz – essa cena de afeto afrocentrado ainda é reproduzida ao vivo durante as performances dessa música.

H No início do ano, tanto Beyoncé quanto Jay-Z foram homenageados com um prêmio de aliados LGBTQs do GLAAD Awards. Como vê o impacto de Beyoncé e da sua arte para a comunidade LGBTQ?

AP: Nessa ocasião, Beyoncé e Jay-Z concederam relatos intimistas sobre suas relações com a comunidade LGBTQIA+: a mãe de Jay-Z é lésbica e Beyoncé perdeu um tio para a negligência do Estado em relação às pessoas vivendo com HIV. Em outras ocasiões, Beyoncé posicionou-se sobre direitos LGBTQIA+ como quando inseriu imagens de casais LGBTS em “Lemonade” ou quando se apresentou com suas dançarinas com a bandeira do movimento.

No entanto, gostaria de fazer um recorte: tenho bastante orgulho de ser gay, mas honestamente, me assusta que em 2019 homens gays continuem reproduzindo valores heteropatriarcalistas, misóginos e racistas, enquanto as outras letras do movimento estão cada vez mais politizadas e organizadas.

LEIA TAMBÉM —> Beyoncé se emociona em premiação LGBTQ: “Quem você ama é seu direito humano”

Nesse sentido, gays têm muito a aprender com Beyoncé. E, sobretudo, com os movimentos feministas, que desde o século XIX têm nos dado possibilidades de expressões sexuais e identitárias mais livres. Mais do que nunca nossas existências estão sendo ceifadas institucionalmente, então é hora de sairmos dos banheiros, buscarmos emancipação e proximidade com os movimentos minoritários (movimento negro, indígena, trabalhadoras sexuais, feministas, trabalhadoras domésticas), é hora de irmos às ruas e criar demandas políticas sólidas.

Serviço:

Politizando Beyoncé: Lemonade | Festival Mix Brasil
Por: Ali Prando
Data: 19/11/2019, das 18 às 22h | Projeções: 18h00 | Palestra: 20h00
Local: Teatro Décio de Almeida Prado | Centro Cultural da Diversidade |
Rua Lopes Neto, 206 – Itaim Bibi, São Paulo / SP

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