O que acontece quando um atleta, exemplo de beleza masculina e máscula, faz parte do mundo heterossexual e machista do esporte, rompe com isso tudo e sai do armário? Essa é a história de Jeff Campos, de 31 anos, que foi criado no basquete e participou de diversos times profissionais e da seleção juvenil brasileira.
Jeff construiu uma vida toda dentro da heteronormatividade porque não havia espaço algum dentro do basquete profissional para um jogador gay. Em compensação, pagou o preço da imensa opressão de ter que viver uma vida dupla, temendo ser “descoberto” pelos colegas. Até que, finalmente, ele conseguiu sair do armário e agora, muito mais feliz e livre, ensina o esporte para pessoas LGBTQIA+ ao mesmo tempo em que vive um grande amor homoafetivo às claras.
H: Como você entrou para o esporte?
JC: Eu tinha seis para sete anos, meus pais saíam para trabalhar e eu ficava com minha irmã mais velha. Mas ela cresceu demais . Aos 11, chegou a ter 1,70 m de altura e começou a ter problemas de coordenação motora. Meus pais procuraram um esporte para ela e acabou sendo o basquete. Eu precisava ir junto aos treinos porque ela tomava conta de mim e ficava brincando com a bola, mas ainda não tinha idade (para praticar).
H: Quando finalmente aconteceu?
JC: No dia do meu aniversário, 9 de fevereiro de 1997, fiz meu primeiro treino de basquete e desde então nunca parei. Foi o único esporte que levei a sério e me dediquei.
H: E como foi o desenrolar desse aprendizado no basquete?
JC: Eu passava muito tempo com a bola na mão, muito tempo na quadra. Comecei a frequentar mais os jogos. Ao longo da minha infância e pré-adolescência, fui me destacando bem nos times onde passei. Mas enfrentei adversidades.
H: Quais?
JC: Tive um problema de crescimento, eu não era alto e não era forte. Fui descobrindo outras formas de jogar onde poderia me destacar bastante.
H: Conforme você foi ficando adolescente, o que aconteceu dentro do esporte? Conseguiu deslanchar uma carreira?
JC: O esporte me abriu muitas portas, conheci pessoas e lugares diferentes. Saí de Guarulhos e vim morar em São Paulo. Isso abriu minha cabeça para o mundo. Aos 15, 17 anos, comecei a levar o esporte de uma maneira muito mais profissional, me dedicando e tendo disciplina.
H: Como você começou a jogar em times profissionais?
JC: Meu primeiro time profissional foi o Clube Atlético Paulistano. Aconteceu de forma inusitada. Os dois armadores que jogariam na minha frente se machucaram e, como suplente imediato, entrei pra jogar naquela posição. Era bem novo, meio inexperiente, mas já tinha jogado muito pelas categorias de base – não só no Brasil, mas na América Latina. Sofri um pouco por ser tão jovem e tinha que compensar ficando muito tempo na quadra e me esforçando ao máximo.
H: A adolescência também costuma ser a época em que a pessoa descobre sua sexualidade. Como foi pra você essa descoberta jogando dentro de um time de basquete profissional?
JC: Tinha pavor disso. Sabia desde a infância que eu era diferente e, aos 15 anos, já entendia que era gay. Mas tinha o sonho de ser jogador profissional de basquete que, como em outros esportes no Brasil, é um meio machista e homofóbico. O meu medo era que, se alguém suspeitasse da minha sexualidade, poderia perder meu emprego, amigos e ter uma relação muito difícil com meus pais. Então, me fechava de todas as formas que podia.
H: E havia expressão de machismo e homofobia no meio do basquete? Como eram?
JC: Sempre havia comentários do tipo “Joga que nem homem”, “Para de ser bichinha” e coisas assim, que fazem as pessoas acreditarem no machismo homofóbico, porque é repetido o tempo todo.
H: E o que você fazia nessas horas?
JC: Eu não reproduzia essa brincadeira, mas também não defendia quem precisava do meu apoio. Ao longo do tempo, isso acabou doendo em mim. Fui me anulando por medo dos atletas descobrirem que eu era gay.
H: E como ficavam os garotos vítimas da discriminação?
JC: Na cabeça de um adolescente que está se descobrindo, isso é muito ruim. Alguns jogadores super talentosos, que foram da seleção brasileira, acabaram deixando o esporte por conta disso.
H: Não se arrepende desse tempo todo que ficou no armário vivendo só para o esporte?
JC: Não me arrependo de não ter vivido livremente minha sexualidade desde a adolescência. O basquete me trouxe muita coisa, conheci vários lugares, outras culturas. Mas se tivesse feito isso, talvez seria menos traumática e pesada essa redescoberta da minha vida desde que saí do armário.
H: Quando foi isso?
JC: Em setembro de 2020. Disse para mim mesmo “Preciso aceitar, enfrentar e não vou mais esconder”. Passei a viver minha sexualidade abertamente. Mas aceitar que gostava de homens e sair com homens foi dos 21 aos 22 anos.
H: Como você fazia pra encontrar rapazes nessa época?
JC: Era super no sigilo. Um esquema muito mirabolante pra encontrar. Eu não saía, usava aplicativos de paquera ou encontrava alguém no instagram e nós conversávamos. Depois, encontrava o cara na rua. E a gente entrava pela garagem do meu prédio, subíamos para o apartamento sem passar pela recepção, sem registro. Era muito difícil. Tinha que estar atento, porque se alguém me visse na rua com um desconhecido tinha que saber que era um brother meu. Esse teatro todo era muito ruim.
H: E como você vive o basquete hoje em dia, fora do armário?
JC: Muita gente supõe que eu parei de jogar basquete por conta da minha sexualidade. Mas não foi isso. Eu sofri uma lesão grande no quadril e precisei parar, porque não queria perder qualidade de vida aos 31 anos de idade. Hoje em dia, trabalho ensinando, dando treino e sendo técnico.
H: Mas agora você está criando um grupo gay de basquete, não é mesmo?
JC: Esse time já existe, chama Royals BKT e surgiu da necessidade de devolver um pouco daquilo que o basquete me proporcionou em cultura e vivência. Eu tinha muitos amigos que sempre quiseram jogar basquete, mas não ousavam por medo de frequentar as quadras, os vestiários e a convivência nesse ambiente hostil. E a minha ideia foi fazer um time de basquete composto por homens gays, pra que possamos ser o que somos dentro do esporte. Se quiser dar pinta na quadra tudo bem, se quiser paquerar o coleguinha do time está certo.
H: Como acontecem esses treinos?
JC: Por enquanto esses treinos acontecem às sextas feiras, no Parque da Aclimação, às 20h. Já existe uma conversa para conseguirmos outro espaço e então vou poder dar esse treino mais vezes na semana.
H: Há quanto tempo vocês está em um relacionamento?
JC: Eu e o Junior (Chicó, humorista, de 39 anos) estamos juntos faz um ano e meio. Conheci ele num show. Eu comecei a ver eventos culturais da nossa comunidade para me aproximar da cultura LGBTQIA+. Comecei a seguir o Junior na rede social. Eu morava em Brasília e ele foi fazer um show de humor por lá. Depois do show, fui dizer que o que ele falava me encorajava a sair do armário. Tempos depois, me mudei de volta para São Paulo e começamos a namorar. E hoje não moramos juntos, mas estamos juntos o tempo inteiro. Posso dizer que é o homem da minha vida.
H: Agora que você tem um relacionamento estável, você circula com teu namorado no meio do basquete? Assiste aos jogos com ele?
JC: A gente trata com naturalidade o que é natural. Vamos a todos os lugares de mãos dadas, com demonstração de afeto. Já fomos juntos a jogo de basquete e lidamos bem com isso. As pessoas que conheço do basquete disseram coisas positivas, que é muito legal ver a nossa coragem, e que precisam de mais exemplos como o nosso. Temos ido a todos os lugares e exercendo nosso direito de amar em qualquer lugar.
Pedro Stephan é fotógrafo e jornalista, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Trabalhou na imprensa LGBTI+ do Brasil, em veículos como Mix Brasil, G Magazine, G Online e Sui Gêneris Press. Já expôs seu trabalho na Inglaterra, Portugal, Espanha e Itália bem como nos prestigiados salões do eixo São Paulo-Rio.