Lançado pelo Prime Video no fim de julho, Vermelho, Branco e Sangue Azul (Red, White & Royal Blood, em inglês) conseguiu em menos de um mês conquistar a crítica, o público e, o mais difícil, agradar a comunidade LGBTQIA+. Nas redes sociais, memes e análises ainda pipocam sobre o amor proibido e quase impossível de um casal gay que enfrenta a monarquia, uma eleição e mais em nome do amor. Mas por que essa comédia romântica, com todos os clichês a que o gênero tem direito, deu tão certo, quando outras falharam?
Vermelho, Branco e Sangue Azul (ou RWRB, como os fãs já abreviaram pelo título original), é baseado no livro homônimo da estadunidense Casey McQuiston. Lançado em maio de 2019, ele já estava na lista de mais vendidos do New York Times no mês seguinte e ainda naquele mesmo ano foi publicado pela Editora Seguinte no Brasil.
O cerne da história é o romance entre Alex Claremont-Diaz, filho da presidente dos Estados Unidos, e o príncipe Henry, um dos herdeiros da monarquia britânica (ainda que não na linha direta de sucessão ao trono). Ambos estão com seus 20 e poucos anos, já tiveram outras experiências gays e podem causar um desastre diplomático se forem descobertos juntos.
A premissa não chega a ser muito original. A clausura, os sacrifícios pessoais e abdicações impostos pela fama, pela política e até pela política já foram explorados em dramas, romances e comédias sem fim. O pano de fundo das diferenças culturais entre Estados Unidos e Reino Unido, usado para acentuar ainda mais como os jeitos de Alex e Henry são contrastantes, também não é novo. A diferença é que, aqui, Casey deixou a imaginação correr solta na criação de um mundo quase ideal de aceitação.
Alex e Henry superam os conflitos internos de sentirem atração por outro homem com certa facilidade, até porque essa não é a primeira relação gay de nenhum deles, ainda que o americano precise contar sua orientação para a mãe e o britânico tenha que enfrentar os séculos de tradição da Família Real. Mas tanto nestes quanto na maioria dos outros desafios que precisam superar, o casal se preocupa mais com as repercussões públicas e políticas de estarem juntos do que se o romance é certo ou errado.
Os conflitos da história são construídos majoritariamente a partir desse medo que eles têm de serem descobertos e dos efeitos disso na campanha da mãe de Alex à reeleição como presidente e na estabilidade da monarquia inglesa. Mas para uma comédia romântica dar certo nas telas é preciso que o público torça pelo casal principal, tarefa que não é das mais fáceis e que a produção original do Prime Video conseguiu com maestria.
Dirigida pelo estreante Matthew López, a adaptação cinematográfica de RWRB não tinha escolha a não ser se apoiar no carisma e química do casal principal para dar o tom e ritmo do filme. Felizmente, o trabalho dos atores Taylor Zakhar Perez e Nicholas Galitzine como Alex e Henry, respectivamente, já transmite isso desde a primeira cena juntos.
Ainda que ambos sejam agradáveis aos olhos, apenas beleza não sustentaria quase duas horas de filme. Não, o trunfo dos atores é como eles humanizam dois personagens com quem poucas pessoas poderiam se identificar e dilemas que poderiam ser pedantes. Seja nas cenas individuais ou românticas, eles exibem fragilidades, inseguranças, dúvidas e desejos que qualquer pessoa pode sentir.
Ainda que Galitzine pareça mais experiente e natural do que Perez em frente às câmeras, o rapaz também consegue segurar até as partes mais dramáticas. O elenco de apoio, apesar de também ter falhas aqui e ali, usa essa mesma naturalidade. Até Uma Thurman, que destila um sotaque excruciante de sulista para dar vida à presidente democrata e texana Ellen Claremont, consegue convencer o público quando precisa.
Vejo muita gente falando do Taylor e do Nicholas, mas não vi ninguém falando do show de atuação da Uma Thurman como Ellen Claremont, a mulher é sensacional!!! pic.twitter.com/32OlbMEaEx
— Bruno or Chloe or Sam or Sophia or Marcus (@BrubsCost) August 20, 2023
Como toda boa comédia romântica, RWRB tem os ingredientes básicos que não podem faltar no gênero: um pouco de humor nonsense (o que é Uma Thurman perguntando se o filho é passivo e precisa de PrEP?), uma boa dose de cenas sensuais (como a responsável pela “recém-descoberta” capacidade de gays fazerem sexo papai-e-mamãe) e momentos melosos que beiram o constrangimento (Alex pegando chuva na porta do Palácio de Buckingham, por exemplo). A trilha sonora, com nomes como Oliver Sim, Perfume Genius e Omar Apollo, é apenas a cereja do bolo.
Esse é justamente o principal acerto do filme: adaptar uma fórmula já manjada à realidade de um casal homoafetivo, normalizando a experiência do romance entre dois homens, mas sem esquecer as particularidades que vêm com isso. Seja em uma conversa sobre o Grindr, na decisão de quem vai ser passivo ou na menção de um show da Lady Gaga, RWRB mantém o equilíbrio certo para não esquecermos que Alex e Henry são um casal gay, mas para lembrarmos também de não reduzi-los a isso.
A tática funcionou. Vermelho, Branco & Sangue Azul rapidamente se tornou o filme mais assistido na plataforma do Prime Video em todo o mundo. No agregador do Rotten Tomatoes, a pontuação é de 76% entre a crítica e de 94% pelo público, o que colocou o filme na lista das 100 comédias românticas melhor avaliadas na história do site.
Romances com temáticas e personagens LGBTQIA+ tendem a pesar a mão no sofrimento, seja pelo preconceito, abandono familiar, HIV ou qualquer outro motivo válido e real que é abordado. Mas se meninas aprenderam a sonhar em ser uma princesa apaixonada como Anne Hathaway ou a filha do presidente como Katie Holmes, por que não podemos nos permitir e imaginar que existe um conto de fadas gay, onde tudo é possível e superável em nome do amor?
Mesmo que por um breve momento, até porque a realidade continua lá fora e ela ainda é bem diferente das comédias românticas para a maioria da nossa comunidade.