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Brasil lidera consumo de pornografia trans no mundo (e de assassinatos)

Brasil lidera consumo de pornografia trans no mundo (e de assassinatos)

Anualmente, os maiores sites pornôs do mundo publicam um relatório com as categorias mais acessadas pelos seus usuários, detalhando palavras-chave, celebridades, fetiches e tendências mais buscadas em cada país do top 20. O Brasil, que nunca fica de fora dessa lista, demonstrou mais uma vez em 2019 o paradoxo de viver entre o desejo e o ódio em relação às travestis e transexuais.

O primeiro ano em que o RedTube colocou o Brasil como o país que mais consome pornografia com pessoas trans foi em 2016. Desde então, estivemos sempre presentes na lista e permanecemos na liderança de outros sites internacionais como o maior público para esses vídeos.

Buscas por termos como shemale, transgender, brazilian shemale e ladyboy aparecem na liderança dessas plataformas em todos os países. Já no Brasil, alguns videos chegam a mais de 920 mil visualizações no RedTube, 14.5 milhões no PornHub e outros quase 45 milhões no XVideos., com buscas pelos termos travesti, travesti brasileira e suas variações.

De acordo com o relatório de 2018 do PornHub, a busca mundial por pornografia trans aumentou 167% entre homens e mais de 200% entre os visitantes acima dos 45 anos. Já no ano passado, o Brasil ocupou a 11ª posição em acessos na plataforma, com um crescimento surpreendente de 98% na tendência de busca pelo termo transgender – o número mais alto em todo o mundo.

Ao mesmo tempo, o Brasil seguiu pelo 10º ano consecutivo como o país que mais assassinou travestis e transexuais no mundo todo em 2019, de acordo com os dados do Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra pessoas Trans. Será possível traçar ligações entre estes dados?

Acredito que sim. Existe um processo histórico de hipersexualização e fetichização em relação aos corpos trans, lidos como fantasia, sem subjetividade, vontade ou desejo, mas sempre à disposição para quem nos procura. Muitas vezes objetos de desejo, eles causam simultaneamente repulsa entre quem se percebe compelido a buscá-los ou cogitar envolvimento, afetivo ou sexual, com pessoas trans. Em especial as travestis e mulheres transexuais que, não por acaso, são as mais buscadas nos sites pornográficos e também a maioria de 95% entre as assassinadas, de acordo com a Antra.

Relatório do Pornhub sobre tendências de buscas no Brasil em 2019 (Foto: Reprodução)
Relatório do Pornhub sobre tendências de buscas no Brasil em 2019 (Foto: Reprodução)

Muitas vezes nos perguntamos sobre o fato de os homens não estarem se relacionando afetiva ou sexualmente com travestis e mulheres trans, pois teriam a sua (frágil) heteronormatividade contestada e seriam vistos como “gays” pelo resto da sociedade. A discussão sobre homens que ficam com travestis não serem heterossexuais é comum e recorrente.

De certa forma, esse julgamento acaba por reprimir sentimentos e desejos, transformando-os em algo repulsivo ou errado. Esses homens então retrocedem ao ódio pelo objeto de cobiça, com coragem suficiente apenas para consumi-los em larga escala na internet, onde lhes é garantido o anonimato e a segurança de não serem julgados por ideologias religiosas, sociais ou políticas.

Quando observamos as mortes de pessoas trans, especialmente os 64% de assassinatos específicos contra profissionais do sexo, eles geralmente acontecem em um cenário onde 80% das vitimas não conheciam intimamente o suspeito, isso porque eram apenas clientes ou trans-admiradores casuais. Também precisamos notar os requintes de crueldade e violência com que esses casos ocorrem, dando vasão ao ódio transfóbico também por meio do envolvimento sexual que normalmente antecede o assassinato.

O ódio contra travestis e mulheres transexuais é não só incentivado, mas passado de geração para geração

A maioria desses assassinos são homens que buscam sexo pago pelo sigilo que a transação oferece, enquanto as vítimas geralmente vivem em isolamento social compulsório e são presas fáceis a envolvimentos casuais. Em muitos casos, o crime não satisfaz apenas a vontade sexual, com atos que eu não ousaria mencionar aqui, mas também gera uma necessidade quase imediata de aniquilar qualquer possibilidade de associação com aquela prática e os sentimentos que ela revela pós-coito.

São comuns os relatos de pessoas trans que contam sobre homens que, depois do gozo, mudam completamente a forma de tratamento à pessoa com quem acabaram de se relacionar, muitas vezes adotando posturas agressivas, repulsivas e violentas. Isso está diretamente relacionado ao avanço do pensamento fundamentalista cristão junto ao Estado e seu impacto no controle do corpo, do desejo e das relações afetivas e sexuais que seguem normatizando a função do homem de casar e ter filhos.

Ao mesmo tempo, o ódio contra travestis e mulheres transexuais é não só incentivado, mas passado de geração para geração. Como consequência, o Brasil se torna este universo paradoxal como o país que mais consome pornografia e mais assassina trans no mundo, quase como uma tentativa de apagar o rastro de seus desejos perversos, abjetos e “antinaturais”.

É cada vez mais urgente resgatarmos a discussão sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e nos demais espaços sociais, nos movimentos feminista, negro e LGBTI+, para que as relações afetivas e sexuais entre pessoas cis e trans não sejam vistas como um ato de “coragem” ou um “erro”. Só com o combate ao pensamento que perpetua a criação de pessoas sexualmente frustradas seremos livres para experienciarmos nossos desejos e relacionamentos, não mais escondidas, mas livres.

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