Na seleção de maio com os principais lançamentos musicais de artistas nacionais e internacionais LGBTQIA+, o colunista Fabiano Moreira* comenta os novos discos de Todrick Hall, Majur, Mahmundi, Abacaxepa, Daniel Peixoto, Arlo Parks e ZOO, além do novo EP de Yurakytan e singles de Janelle Monaé e L’homme Statue.
Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.
Mahmundi – “Amor Fati”
Criada em Marechal Hermes, ex-técnica de som do Circo Voador, Mahmundi, 36 anos, esse tesouro nacional, alugou um latifúndio na minha cabeça quando a conheci, no clipe da canção “Calor do amor”. Era tudo o que eu queria ser no verão, de patins, leve, “gata pra caraleo”, amando no Rio. Ai, como era bom. O ano era 2013, e o clipe foi dirigido pelo meu bom amigo Yugo, de Osritmosdigitais. No mesmo ano, a conheci, na Tijuca, no evento Dobradinhas e outros tais, da Dobra Discos, quando ela fez dobradinha com o gentil Qinhones, enfim, “um dia especial, um dia de prazer”.
Seu quarto álbum, o precioso Amor fati, chegou na praça este mês. Nele, Mahmundi avisa: “Eu tô contigo, bebê”, na faixa “Brisa 22”, parceria com o trapper carioca Zarashi, na qual diz sobre a pessoa amada: “ela é uma gata”, bem livre pra amar. O título do álbum é uma expressão usada por Friedrich Nietzsche que significa “amor ao destino”, uma aceitação integral da vida em todos os seus aspectos, bons e ruins.
Apesar de estar radicada há quatro meses em São Paulo, o álbum tem alma carioca, aquela brisa de mar, com os dois pés no hoje, nas novas tecnologias e nas formas de se fazer música. É “pop de quem transa”, “uma eletrônica peculiar e humanizada” e com “cascatas de synths”, avisa o delicioso release assinado por Pedro Só. “Noites Tropicais” foi composta durante uma estadia em um hotel de cara para o Pontal, na zona oeste do Rio, com o som das marés e dos fortes ventos, e ganhou belíssimo clipe dirigido pelo cineasta Pablo Aguiar. Destaque também para o single que anunciou o álbum, “Sem necessidade”, com participação de Tagua Tagua.
Abacaxepa – “Perto da Boca”
Não se dispensa dica de diva, e quando a Assucena me disse, em entrevista, para prestar atenção na banda paulistana queer e pós-tropicalista Abacaxepa, eu passei a segui-la em todos os canais. E que sorte a nossa, pois eles são muito divertidos e transantes, tudo o que a gente quer ser aí nos verões! Uma das coisas mais bacanas é que eles dividem o protagonismo e defendem a não-protagonização de uma única voz. Os holofotes passeiam igualmente por três vocalistas e quatro instrumentistas, pessoas completamente diversas. Inclusive, não dá vontade de beijar vários? Aqui bateu. O clipe de “Ai amor” é uma ode à delícia, ao bem-viver, ao amor próprio. Com fortes referências tropicalistas, a banda ainda junta boas doses de irreverência e desconstrução visual em seu segundo álbum, Perto da boca, sucessor de Caroço. As letras contam histórias de amor, liberdade, fúria e inconclusivos desejos vitais, com produção de Ivan Gomes.
Todrick Hall – “Roach Killaz”
O controverso e ultracriativo cantor e coreógrafo Todrick Hall, ícone gay americano revelado no programa de TV American Idol, acaba de lançar seu 14º álbum, Roach Killaz, e a ponta de lança é o divertido e longo clipe de “Y.A.S.” (You ain’t shit/Você não é uma m…), com oito minutos e participação de Tiffany “New York” Pollard, paródias de filmes de faroeste, cena de A Pequena Sereia e do clipe de “Thriller”, de Michael Jackson. Eu ainda destaquei aqui na playlist a divertidíssima faixa título, com participação de Bob the Drag Queen e Monet X Change, drags hilárias de RuPaul’s Drag Race. O clipe ainda tem participações de Willam, da corrida, da modelo Kyle Kleiboeker e do coreógrafo Jeremy Copeland. O álbum é inspirado na sagacidade de Nicki Minaj e mistura drag, hip hop, comédia e ressentimento. Em setembro, ele sai em turnê com o show The Velvet Rage.
ZOO – “Efeito Borboleta”
Como avisei aqui na última coluna, falando do single “Jacaré”, do duo que amo Sofi Tukker, a crocodilagem tá comendo solta, inshalá. A jacaroa da vez é a cantora catarinense Zoo, que acaba de lançar seu álbum de estreia, Efeito Borboleta, e usou emoji de crocodilo-eu-sou, coreô reptilícia e até look de jacaré lacraste para a divulgação da faixa “pegar você”, que ganhou clipe pra lá de sensuelen. Que corpão, que gata sensual! Geral sentiu. Ela se identifica como pansexual.
Zoo traz a borboleta do título do álbum tatuada abaixo do olho esquerdo e faz um pop e R&B sensual, produzida por Pablo Bispo e Ruxell, e está apresentando ao público um clipe para cada faixa, como “pantera” (“Vem dar um tapa na pantera, pa pa pa”, que também sugere crocodilagem), “nada a perder” (que sugere decepção com os macho e relacionamento tóxico), “flor da pele”, “efeito borboleta” e “metamorfose (interlúdio)”. Cada faixa está associada a um animal, e a gente AMOU o crocodilo. ]
Ex-modelo, ela começou a cantar em um clube em viagem à China, em 2014, quando percebeu que sua onda era mesmo a música. Em um mundo onde todo mundo quer escrever TUDO em caixa alta, essa velha escriba da imprensa aqui agradece à Zoo pela gentileza de preferir às minúsculas.
Majur – “Arrisca”
Toda vez que uma mulher trans casa, vestida de noiva, com um noivo que também capricha no look, Nossa Senhora da Viadagem chora uma lágrima de cristal Swarovski, como a que chorou assistindo ao clipe de “Seu amor”, da baiana Majur, que saiu acompanhando o seu segundo álbum, Arrisca. O trabalho celebra a vida por meio da música, pop e contemporânea, aqui produzida por Max Viana, filho de Djavan, que entrega um pacote de rock, blues, hip-hop e dance music. O álbum tem participações especiais de Ivete Sangalo, Xamã (sempre reclamando do busão) e Olodum. Majur parece livre, leve, solta e cheia da nota, feito “lancha, só pra passear”. Inshalá. Adoro ‘Tudo ou nada”.
Arlo Parks – “My Soft Machine”
Artista duas vezes indicada ao Grammy, vencedora do Mercury Prize e do BRIT Award, a inglesa bissexual Arlo Parks lança seu segundo álbum, My Soft Machine, apaixonada pela primeira vez. A trajetória do álbum foi traçada com singles como “Pegasus”, balada delicada feita com sua amiga Phoebe Bridgers, no qual aparece namorando e passeando com a gata no clipe. “Pegasus é sobre experimentar o calor e a leveza de um amor bom pela primeira vez”, conta. Por último, saiu o single “Devotion”, com lindo clipe e cascata de guitarras para morrer com. “Impurities” é uma faixa alegre escrita sobre a vida em comunidade. O álbum foi gravado entre Londres e Los Angeles e ela falou exclusivamente com a Híbrida sobre o processo de criação (leia a entrevista aqui).
Daniel Peixoto – “Tropiqueer”
Pra mudar de rumo é preciso ter muito conhecimento, adquirido por anos de estrada, como mostra o cearense Daniel Peixoto em Tropiqueer, seu terceiro álbum como artista solo. Revelado pela banda de eletrorock Montage, com quem lançou cinco discos, Daniel nos apresenta uma nova faceta ao flertar com os ritmos brasileiros no trabalho, sem deixar de ser pop e eletrônico, misturando forró, guitarrada, batucada, lambada e pisadinha a house music e trip hop. Tropiqueer é seu alter ego para contar e cantar aventuras e desventuras afetivas, o marinheiro inspirado nas entidades “Marujos” da Umbanda. O álbum começa e termina com orações aos orixás. “De presente” ganhou clipe filmado em Canoa Quebrada, no Ceará.
Irakytan – “Talismã”
O algoritmo colocou na minha vida o maravilhoso clipe de “Muirakytan”, do músico, cantor e compositor Irakytan, 27 anos, da cidade de Maringá, no interior do Paraná. Ao completar 28 anos, ele lançou seu EP de estreia, Talismã, financiado pelo Prêmio Aniceto Matti, com reflexões sobre o sentimento de se entender uma pessoa não-binária. O projeto ainda prevê mais dois clipes, que virão também nesse clima de ficção científica e fantasia. A mistura de sonoridade eletrônica a instrumentos orgânicos, como o clarinete, lembra o álbum de retorno de Björk com o seu sexteto de clarinetes Murmuri, o Fossora. Bati um papo sobre o EP com ele aqui.
L’homme Statue – “Espírito Livre”
Não sei onde eu estava que ainda não conhecia o acontecimento pleno que é L’homme Statue, projeto do multi artista afro-francês radicado no Brasil há seis anos Loïc Koutana. Ele acaba de lançar o single “Espírito Livre”, em parceria com o excelente Zopelar, mesmo produtor de seu álbum de estreia, Ser (2021). A faixa, que tem elementos de afrobeat e house, reflete, em francês e português, sobre relações desencontradas, e se rebela contra a tentativa de controle sobre o corpo.
“Me considero um espírito livre, um dos meus mantras na vida é ser livre. Sempre me reinvento, eu flutuo entre os mundos, entre os grupos de amigos, entre os gêneros musicais, entre as línguas. Não tenho medo de me reencarnar numa mesma vida”, resume. O clipe de “Espírito Livre” foi dirigido pela dupla de diretoras Stefani Alves e Nana Lucarini, que formam a Opoente Filmes. A família de Loïc Koutan é natural do Congo e da Costa do Marfim.
Janelle Monaé – “Lipstick Lover”
A panssexual Janelle Monaé faz uma ode ao poder feminino, ao batom e à crocodilagem em “Lipstick Lover”, anunciando o seu próximo álbum, The Age of Pleasure, que chega em 9 de junho. O clipe, dirigido pela artista e por Alan Ferguson, mostra como ela gosta de batom na nuca (ui!) e a força dos movimentos pélvicos, em uma festa só para garotas. A artista também já divulgou outro single do trabalho, “Float“, com Seun Kuti e Egypt 80, que foi o hino oficial da campanha NBA Saturday Primetime da ABC/ESPN. Monaé continua a ser uma das mais atraentes e importantes desta geração.
*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O Globo, Tribuna de Minas, Mix Brasil, RG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.