Na playlist de abril com os principais lançamentos LGBTQIA+ de artistas nacionais e internacionais, o colunista Fabiano Moreira* comenta os novos discos de Mateus Fazeno Rock, Bixarte, Adriana Calcanhotto, Melanie Martinez e Chlöe, além dos novos singles de Aqno, Dorian Electra, Ashnikko, Rodrigo Cuevas, Rohma, Kellvn com Fausto Fawcett e Sofi Tukker.

Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.

Mateus Fazeno Rock – “Jesus Ñ Voltará”

Desde o especial de YouTube Missa Negra, lançado na pandemia há dois anos, que estou com meus olhos e atenções voltados para Fortaleza (CE), onde, no subúrbio de Sapiranga, nasceu essa flor bruta da poesia que é Mateus Fazeno Rock, o mais contundente e político rapper brasileiro. O homem acaba de lançar o seu segundo álbum, Jesus Ñ Voltará, com a participação de Jup do Bairro na faixa-título. O álbum ainda traz Brisa Flow e alguns nomes da cena cearense, como Mumutante, Big Léo e Má Dame. Mateus é, acima de tudo, um agitador cultural. Ator, performer, músico, compositor e letrista, ele é o fundador do Fazeno Rock, potente rede de produção cultural formada por artistas ligados pelo rock de favela.

Bixarte – “Traviarcado”

Eu estava com alta expectativa com o álbum de estreia da paraibana Bixarte, Traviarcado, lançado no dia 30 de março, Dia Internacional da Visibilidade Trans, pela Natura Musical. Bicampeã do Slam Estadual da Paraíba, Bixarte é muito ligada a alguns personagens do rap e do slam aqui de Jufas, como Laura Conceição, MC Xuxú e PretoVivo, que já sextaram. A faixa “Pitbull sem Coleira”, feat. com Urias, flerta com pop e techno. Bia Ferreira, Drik Barbosa e A Fúria Negra também fazem participações especiais. Os homens trans Winnit e Julian Santt participam de “Carta de Advertência”, faixa que contesta o silenciamento recorrente de homens trans. 

Revelação do rap, Bixarte apresenta uma nova versão artística ao flertar com ritmos latinos, etnopop, trap, batidas do Kettu e influências de R&B. O álbum clama pela necessidade de as pessoas enxergarem as travestis e pessoas trans como seres humanos, contestando o modelo patriarcal e instaurando o “Traviarcado” do título.

“Eu espero, com esse disco, que as crianças viadas, a população LGBTQIA+, as mulheres pretas e as travestis consigam entender que há outro caminho a não ser o da morte. E, quando eu falo em morte, eu estou falando sobre a morte dos nossos sonhos também. Esse disco traz um fôlego de vida para sonhar. Para mim, isso significa também que eu estou viva”, comenta a artista, que está na tela da TV Globo com a série Cine Holliúdy

Adriana Calcanhotto – “Errante”

Taí um negócio bem raro: uma artista emplacar duas músicas de um mesmo álbum em duas playlists distintas da Sexta Sei, feito de Adriana Calcanhotto com o álbum Errante, o 13º de sua discografia, que emplacou “Era isso o amor?” e a poética “Nômade”, que parte de título de instalação de Lygia Clark, A casa é o corpo, como premissa. O álbum, gravado por um timão com Adriana (violão e voz), Alberto Continentino (baixo, piano e lira), Davi Moraes (guitarra e violão), Domenico Lancellotti (bateria e percussão), Diogo Gomes, Jorge Continentino e Marlon Sette (sopros) traz a artista passeando por ritmos como tamborzão, samba-de-roda, rock, xote, bossa nova e samba-canção.

O álbum começa com a artista referenciando A alegria é a prova dos nove”, frase de Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago que aparece em “Prova dos nove” e reitera sua condição de sapatão herdeira do modernismo. Depois do isolamento que levou ao álbum (2020), Errante quer, desde seu título, a porta afora. Vale destacar a beleza e a poesia dos visualizers que acompanham o álbum e mostram como tempo tem sido generoso com a nossa diva atemporal.

Melanie Martinez – “Portals”

A cantora, compositora, diretora e atriz estadunidense bissexual Melanie Martinez foi revelada ao grande público no programa The Voice e tem uma legião de fãs que adoram as letras polêmicas de suas canções e seu cabelo de duas cores. Ela lançou seu terceiro álbum de estúdio, Portals, na mesma semana que se apresentou no Lollapalooza Brasil.

O trabalho chegou com um belíssimo clipe cinematográfico e sombrio para “Death”, no qual ela volta do reino dos pés juntos. O vídei foi dirigido, concebido e tem figurinos desenhados pela própria artista. O álbum, conceitual, gira em torno da morte.

“A missão deste disco é oferecer uma perspectiva de verdadeira união e imortalidade. O álbum começa na morte e termina no útero, mas faz um loop em si mesmo para ser tocado como um loop eterno”, comenta,  no release.

Chlöe – “In Pieces”

Uma das maiores vozes de sua geração e cinco vezes indicada ao Grammy, Chlöe, conhecida pelo duo com sua irmã, Chlöe x Halle, lançou seu aguardado álbum de estreia como ato solo, In Pieces, com músicas compostas, arranjadas e produzidas por ela e com colaborações de Missy Elliott, em “Told Ya”; Future e Joey Bada$$, em “Cheatback”; e Chris Brown , em “How does it feel” . Na capa, ela aparece segurando um coração, mostrando que In Pieces é para aqueles que estão sofrendo em silêncio.

“Espero que este projeto sirva de alento para quem o escutar, pois tem sido completamente terapêutico para mim”, diz a artista, no release. Ela sai em tour pelos EUA, passando por Chicago, Nova York, Atlanta, Los Angeles e outras cidades.

Aqno – “Tô em Outra”

A Sade tá diferentona, tá em outra, dançando um roça-coxa bem lentinho, um R&B sensual, no novo clipe do paraense Aqno para “Tô em outra”, que traz vocais maravilhosos com agudos e falsetes, seguindo a sua jornada inspiracional em Saturno, tema do bom álbum de estreia, O Retorno de Saturno

No clipe, ele fala sobre a negação do afeto e do desejo, tomando a forma de uma criatura extraterrestre que vem à Terra descobrir o “amor” terráqueo. Bati um papo com ele na Sexta Sei sobre o álbum aqui, quando me abriu perspectivas como pessoa vivendo com HIV (PVHIV) há oito anos. Agora, vamos aguardar o novo álbum, que está vindo aí e foi gravado pelo edital Natura Musical.

Dorian Electra – “Freak Mode”

Artiste de gênero fluido, Dorian Electra caiu nos braços do rock no novo single “Freak Mode”, com guitarras alucinantes e barulhentas. A faixa, produzida pelo inglês Clarence Clarity, que trabalha com Rina Sawayama, é um hino de rock com baixo sujo e vocais operísticos açucarados. O single anuncia a nova era depois dos álbuns Flamboyant (2019) e ​​My Agenda (2020), que marcam sua trajetória colorida e extravagante. Electra é conhecide por sua moda inconformista, estética queer e som pop experimental. Os visuais são sempre alucinantes e anunciam um novo mundo que já chegou gritando. Let’s go, gang! Vamos berrar.

Ashnikko – WEEDKILLER

Pansexual assumida desde 2020, a disruptiva cantora, rapper e compositora americana do alt-pop Ashnikko lançou a terceira faixa de seu tão aguardado álbum de estreia, WEEDKILLER, previsto para 2 de junho. No single que dá nome ao álbum, ela mergulha fundo na fantasia para enfrentar o colapso ecológico e a guerra tecnológica em atmosfera de filme de ação pós-apocalíptico, “uma narrativa fantástica e violenta ambientada no meu reino”, nas palavras da artista.

Ela levará a tour do álbum por EUA, Europa, Reino Unido, Japão, Austrália e Nova Zelândia, passando pelo Coachella. Suas apresentações ao vivo são notoriamente turbulentas, com Ashnikko se contorcendo, pulando e se debatendo pelo palco enquanto a multidão segue o exemplo. Veja os clipes dos dois singles, “Worms”, e os rugidos que ela solta em “You make me sick”, usando a agressão como fonte de energia. Ela foi revelada com a mixtape Demidevil, que a catapultou ao estrelato com colaborações de Grimes, Lady Gaga, Kelis e Princess Nokia. Ela e Dorian Electra são as mais doidas e novidadeiras do rolê.

Rodrigo Cuevas – Más Animal

Rodrigo Cuevas é cantor, compositor, acordeonista, percussionista, DJ e apresentador de TV espanhol que acaba de lançar o babadeiro “Más animal”. Este é o primeiro single de seu segundo álbum, Pilgrimage Manual, que sai pela Sony e dá continuidade aos serviços prestados à comunidade na estreia em Courtship Manual.

A faixa é uma colaboração com iLe, vocalista da banda porto-riquenha de hip hop alternativo Calle 13. Bicha raiz, Rodrigo Cuevas aparece no clipe de bigodon, salto alto, fio-dental e corselet, lutando com machos na lama e esbanjando toda a viadagem a que tem direito. Resumindo: dedo no c* e gritaria. Ele é artista do gênero folklore, que mistura alternativo, indie, folk, electro-folk e country. 

Rohma – Samba Sbagliato

Volta e meia falo aqui do italiano radicado há 20 anos no Brasil que eu a-mo, Rohma, que também entrou nos dez álbuns mais importantes para a comunidade em 2022. Depois de regravar uma versão italiana de “Esquinas”, do “Dijavan”, ela fez um samba-pagodinho com“Solo Io” para mostrar a malemolência da mamma em “Samba Sbagliato”. A música, uma delícia, ganhou clipe feito pelo baiano Del Nunes (Uendelns), que já sextou comigo aqui, bem no começo da Sexta Sei (que completa três anos 🎂 em julho).

Rohma segue na rota do sucesso com a produção impecável de Jonas Sá e Thiago Nassif, contando ainda com a participação do baixista italiano Saturnino, que mistura rock, funk, samba e pagode. “Balla con me il samba sbagliato”, canta o italiano, convidando para dançarmos o samba errado (“balla come vuoi”), como quiser. A ideia é levar um pouco do nosso jeitinho aos italianos. Triunfou, clipe lindo.​​

Kellvn feat. Fausto Fawcett – Clássico

O projeto TerritóRIO conecta artistas de bairros cariocas ao cantor-compositor, dramaturgo e romancista Fausto Fawcett. E foi assim que chegou aqui na minha mesa (rs) o clipe de “Clássico”, que une Fausto ao bairro da Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio. A partir do conto Gardênia Tatuada, surgiu o rap do homem gay Kellvn e o painel de grafite assinado por ILME. A faixa tem produção do DJ Betão, entre o rap e o funk, e tudo foi registrado pelo coletivo Baixada Cine em curta-metragem.

A Gardênia Tatuada, para Fausto, é o bairro experimento, procurando um novo entendimento”. É como diz a rima, “o rap é uma batalha”. Fiquei com o coração apertado quando imagens de meninas da infância do rapper aparecem sobre o verso “Faz lembrar da garotinha vítima do próprio Estado”. Ele me tranquilizou que estão todos bem, “são memórias da infância, com primos, primas e amizades da rua em que nasci, para valorizar a história da Rua Arapoca e reafirmar a importância do pertencimento e da ancestralidade”. Ufa.

Sofi Tukker – Jacaré

“Já-já-jacaré, jacaré, já-jacaré / Já-já-jacaré quero ir contigo dançar”, canta a sensual e gos-to-sa vocalista do Sofi Tukker, Sophie Hawley-Weld, em“Jacaré”, enquanto executa uma coreografia imitando a mordida do réptil que lembra até o axé “É o bicho”, de Ricardo Chaves, que alegrava os carnavais de 1996. É essa energia de pegação, prazer, lascívia e dedo no olho, literalmente (paro aqui para evitar o spoiler), que o clipe evoca com sua homenagem à beleza do Brasil e à comunidade LGBTQIA+, com letra de Sophie e do poeta Chacal.

Nunca Sophie esteve tão gata e com esse poder na mordedura, uau. O colorido videoclipe foi filmado no Rio de Janeiro, mas feliz mesmo é a menina que pega os dois, né? E ainda ganhou cachê. O som tem influências de eletrônica, house e jazz e, assim como “Sunset”, de Caroline Polachek, traz uma ode à energia do verão brasileiro e do carnaval. Eu não sabia, mas jacaré é uma forma pejorativa de se referir a uma mulher lésbica. Isso até cair na mão da Sophie. Eu falei do último álbum deles, Wet Tennis, aqui.


*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O GloboTribuna de MinasMix BrasilRG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.