Quem já teve a alegria de presenciar um evento liderado pelo Sereias da Guanabara, especialmente a sua saída original no carnaval carioca, sabe que SZEL, ao lado de Jorge Badauê, consegue muito bem colocar uma multidão para dançar por horas a fio. Em seu EP de estreia, “nuncamais”, lançado nesta sexta-feira (31), ele repete o feito e mistura as melhores influências musicais que agitam as pistas LGBTQ de hoje para narrar histórias de perda, libertação, superação e, por que não, pegação (com responsabilidade, pelo menos afetiva).

Com cinco faixas, o trabalho abre com uma mensagem de despedida na autoexplicativa “Whatsapp Áudio” e se encerra na angústia de “Vou te esperar”, um ciclo que praticamente se encerra em si mesmo, mas com muita diversão entre o início e o fim. Trabalhada no dream pop com pegada R&B, “A 2 passos”, primeiro single do EP,  traz SZEL “apertando um” pra tentar esquecer que não tem volta.

Destaques do trabalho, “Postit” carrega uma fusão de funk/flamenco/reggaeton/axé que pode soar confusa e bagunçada na descrição, mas flui com surpreendente naturalidade ao longo de três minutos; “Mil armários”, por sua vez, é inspirada no pop produzido lá pelo final dos anos 1980, com mensagem de autoaceitação apoiada pelo piano, guitarra e sintetizadores da produção certeira de Lucca Mendez, que trabalhou com Toni Garrido e, talvez por isso, traga esse ar pop de nostalgia oitentista na faixa.

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Concebido para o “fim de tarde”, “nuncamais” é uma estreia promissora e sincera de SZEL no cenário pop alternativo brasileiro, num tempo em que a maioria dos artistas LGBTQ têm surgido com fórmulas prontas, vazias e genéricas sobre empoderamento, ou a milésima ordem pra jogar, arrastar, tacar, ou rebolar a bunda. Abaixo, ele fala sobre suas inspirações, dá dicas de superação, entrega novidades quentes sobre o Sereias da Guanabara (as quais já estamos ansiosas pra conferir) e profetiza parcerias para a carreira.

Co-fundador do bloco Sereias da Guanabara, Léo Sales se joga no pop com o EP autoral "nuncamais" (Foto: Jorge Badauê)
Co-fundador do bloco Sereias da Guanabara, Léo Sales se joga no pop com o EP autoral “nuncamais” (Foto: Jorge Badauê)

HÍBRIDA: Como foi essa decisão de, depois desse tempo como DJ, se sentir pronto para apresentar seu próprio trabalho?

SZEL: Eu tenho mais de 200 composições minhas. O meu trabalho com artes  visuais sempre envolvia música, porque os desenhos envolviam isso. Já passei por muitas bandas e, no meio de 2019, senti que era o momento de colocar isso pra fora. Pessoalmente, eu estava passando por muitas despedidas. Não só de relacionamento, mas de revisão do que eu precisava deixar pra trás.

H: Como o período à frente do Sereias te ajudou a decidir qual caminho seguir criativamente?

S: O tempo no Sereias certamente influenciou porque foi quando eu senti o gostinho de palco, de tocar para um público grande, de ver 5 mil pessoas dançando as músicas que eu estava tocando. Ali, eu também performava e, algumas vezes, cantava.

H: Qual foi a pior despedida que você já teve até hoje? Como ela te afetou e influenciou esse trabalho?

S: Uma morte que eu ainda não superei. De um cachorro, que influencia o meu trabalho não diretamente, mas em processos que são difíceis, a gente não aceita e precisa deixar ir. Não é um trabalho melancólico, mas sobre a aceitação dos términos de ciclos.

H: Em “Mil armários”, você canta sobre a infinitude de “tudo o que quer ser” e como atingir isso. Em que período você alcançou essa libertação, como foi esse processo e de que forma ele influenciou na sua música?

S: Acho que não alcancei esse período de libertação. Na música, eu digo que tudo o que eu quero não cabe dentro de mil armários, e falo não só sobre o outing do armário gay, mas os diversos armários que precisamos sair na vida. Primeiro, dentro de nós mesmos e, depois, para a sociedade. O próprio gay se assume para si mesmo, depois para a família e, depois, encara o “meio gay”, onde precisa enfrentar e provar mil coisas. São diversos armários. É um processo que dura a vida inteira.

H: Tem alguma dica de superação pra quando “apertar mais de um” não funciona?

S: Bater uma, seja siririca ou punheta, mas jamais ligar para o ex. (Risos) Não, tô brincando. Na verdade, queria ter a resposta pra isso. Acho que buscar a melhor versão dentro de si é criar. Quando eu escrevo, toco ou desenho, é quando me sinto totalmente presente. Parece um papo de coach, mas respirar e se conectar consigo mesmo é o primeiro passo para superar.

H: Algumas músicas vão de norte a sul em menos de três minutos, como “Postit”, que mistura influências de flamenco, samba e funk. A carreira como DJ ajudou nessa versatilidade do trabalho?

S: A ideia era fazer uma música bem louca e versátil. Ela começa na Espanha e depois vem para a latinidade do reggaeton, enquanto o refrão é axé antigo e, no fim, cai no funk carioca. Na verdade, é uma música que fala sobre responsabilidade afetiva, onde eu falo que o caso foi só por uma noite, não bote expectativas em mim, porque não estou procurando romance.

H: Como fica o Sereias agora? Pretende tocar paralelamente ao trabalho como cantor?

S: O Sereias segue pleníssimo. Estamos indo para o nosso 4º ano e, a partir de agora, passaremos a ter banda acompanhando o bloco. Eu cantarei com uma vocalista, além dos DJs.

H: Profetize aqui um featuring que você adoraria fazer.

S: Ai, meu deus, caralho! Com a Letrux, porque eu admiro muito o trabalho dela como poeta, atriz, pessoa foda e artista, em geral. Claro que, assim, uma Duda Beat não seria nada mau. Também gosto muito do trabalho do Jaloo… E, se o Sam Smith um dia olhar pra mim, tá valendo.