Após semanas de polêmicas, o Projeto de Lei 580/2009, que tenta proibir o casamento homoafetivo no Brasil, foi aprovado nesta terça-feira (10) pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados. O resultado final da votação ficou em 5 votos contrários e 12 favoráveis à proposta.
O texto causou comoção no Legislativo e na sociedade civil durante as últimas semanas, sendo amplamente criticado por juristas, parlamentares e ativistas LGBTQIA+, que avaliam a proposta como inconstitucional e em direto desacordo com um direito já garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011.
Logo na primeira hora de discussão da pauta nesta terça, os deputados do PT, PSOL, PSB e PSD deixaram o Plenário 8 ao lado dos ativistas LGBTQIA+ presentes em protesto às diversas violações do regimento interno da Câmara.
Isso porque os deputados de extrema-direita descumpriram a promessa feita anteriormente, na qual concordaram em criar um grupo de trabalho para discutir o texto e buscar um consenso entre ambas as partes. Em vez disso, apresentaram novamente a proposta, mas em uma versão que segue apostando no retrocesso dos direitos LGBTQIA+ e patologizando a comunidade, o que revoltou os parlamentares progressistas.
“Aqui estamos vendo uma farsa. Eles querem atropelar os direitos, querem atropelar o afeto, querem atropelar o amor. E acham que podem fazer isso de forma impune. Não vamos compactuar com essa farsa, que rasga o regimento e acha que o ódio vai prevalecer. Não vai prevalecer. Queremos assegurado o direito de ser e de amar. Hoje temos mais de 80 mil casais que constituíram suas famílias”, declarou a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Entendendo que a votação seria aberta de qualquer maneira pelo presidente da Comissão, Fernando Rodolfo (PL-PE), já que os conservadores são maioria na Comissão, os progressistas acabaram voltando ao salão para declararem seus votos. Em mais um ato arbitrário, Rodolfo ainda determinou que o publico formado pela sociedade civil fosse retirado do plenário.
Parte da Bancada Evangélica, que detém a maioria absoluta na Comissão da Previdência, o Pastor Eurico (PL-PE), relator do projeto de lei, disse na sessão que “o comportamento homossexual é contrário ao caráter pessoal do ser humano e, portanto, contrário à lei natural”.
“É impossível tais relações gerarem a vida. A relação homossexual não proporciona à sociedade a eficácia especial da procriação, que justifica a regulamentação na forma de casamento e sua consequente proteção especial pelo Estado”, acrescentou o bolsonarista.
DERAM UM GOLPE EM NOSSOS DIREITOS
O Presidente da Comissão da Família deu um GOLPE contra o regimento da Câmara, acordos estabelecidos, e atacou as prerrogativas de Deputados.
Com isso, o Projeto de Lei INCONSTIUCIONAL que proíbe o casamento homoafetivo passou nesta comissão.… pic.twitter.com/bUaJnzqXwy
— ERIKA HILTON (@ErikakHilton) October 10, 2023
A votação também teve discursos acalorados dos parlamentares de esquerda. Mais uma vez, Erika Hilton (PSOL-SP) foi um dos destaques entre os votantes contrários ao projeto de lei.
“A nossa comunidade ama. A nossa comunidade compartilha plano de saúde, previdência social – esses direitos não podem ser revogados. Nós não podemos retroceder, nós precisamos avançar. Não adianta utilizarem da fé e da religiosidade para mascarar o ódio de vossas excelências. A história será implacável!”, declarou a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.
Veja abaixo como cada deputado da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) votou no PL 580/2009.
Proibição do casamento homoafetivo é inconstitucional
Antes da sessão desta terça-feira começar, os representantes progressistas tinham comemorado um parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que classificou o PL 580/2009 como inconstitucional.
O parecer foi redigido pela Comissão Nacional da Diversidade Sexual e de Gênero e subscrito pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, em resposta a um pedido de Erika Hilton e da Aliança Nacional LGBTI+.
“A OAB sempre foi uma defensora dos direitos humanos da população LGBTI+, fico feliz com essa resposta contra a tentativa de retrocessos”, disse Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional.
Ainda no mês passado, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF),também já havia pedido a rejeição e o arquivamento do projeto de lei. O órgão afirmou que a proposta é inconstitucional, afronta princípios internacionais e representa retrocesso no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais das pessoas LGBTQIA+.
Além da OAB Nacional e do MPF, outros órgãos e associações jurídicas também se manifestaram contrários ao projeto de proibição do casamento homoafetivo, como a Defensoria Pública-Geral da União, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
Entenda o PL 580/2009
Proposto inicialmente pelo então deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), que buscava regulamentar o casamento homoafetivo (entre pessoas do mesmo gênero), o PL foi desengavetado com seu teor original deturpado pelo relator, o deputado conservador Pastor Eurico. Sua proposta inclui um parágrafo no Artigo 1.521 do Código Civil, que prevê os casos em que o casamento é proibido no Brasil, com o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.
Segundo a justificativa utilizada pelo pastor e baseada em princípios religiosos, o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”. Ele ainda alega que a união homoafetiva é “contrária à verdade do ser humano”.
Após a votação desta terça, o PL 580/2009 será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde a expectativa é que seja declarado inconstitucional. Isso porque o STF, órgão máximo de interpretação da Constituição, já tem um posicionamento claro sobre o tema.
“Se passar (na Comissão), cabe recurso ao Plenário. Se passar na Câmara, tem a CCJ do Senado e o veto presidencial. Se passar por tudo ou o Congresso derrubar o veto, barramos a lei no Supremo, inclusive por liminar”, explicou o advogado Paulo Iotti, um dos responsáveis pela decisão do STF de incluir a LGBTfobia no crime de racismo, à Híbrida.
Para a advogada Luanda Pires, especialista em Direito Antidiscriminatório, os argumentos do relator Pastor Eurico são “chocantes” e configuram discurso de ódio quando categoriza pessoas LGBTQIA+ como anti-naturais e párias sociais. “O PL é inconstitucional porque fere princípios, como o da discriminação, da dignidade humana, o direito à intimidade e à proteção de todas as famílias. É muito grave que isso aconteça.”
Em entrevista à Híbrida, Symmy Larrat, secretária nacional de Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, afirmou acreditar que, em última instância, o projeto de lei jamais seria aprovado pelo presidente Lula. “O que o STF já julgou tenho certeza que o Executivo não vai recuar. Posso falar com muita firmeza. Coloco minha mão no fogo. Lula tem muito respeito pelo STF e pelas instituições democráticas. Senão, eu pegava minhas trouxinhas e voltava para casa.”
Direito ao casamento homoafetivo no Brasil
Ainda em 2011, o Supremo Tribunal Federal considerou que as relações homoafetivas (entre pessoas do mesmo gênero) podem ser equiparadas às uniões estáveis entre homens e mulheres e, portanto, constituem núcleo familiar.
A decisão foi reforçada dois anos depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando este determinou que todos os cartórios do país são obrigados a oficializar casamentos homoafetivos.