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Votação de lei que proíbe casamento homoafetivo é adiada na Câmara

Erika Hilton (PSOL-SP) durante votação do projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados (Foto: Lula Marques | Agência Brasil)

Erika Hilton (PSOL-SP) durante votação do projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados (Foto: Lula Marques | Agência Brasil)

No mesmo dia em que o presidente Lula discursou pela defesa dos direitos de pessoas LGBTQIA+ na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados tentava aprovar um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo no Brasil. A votação, entretanto, foi adiada novamente após pressão de ativistas e parlamentares.

A discussão é baseada no Projeto de Lei 580/2007, apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), que buscava regulamentar o casamento homoafetivo (entre pessoas do mesmo gênero). O texto foi desengavetado no início deste mês e voltou à pauta nesta terça-feira (19), mas seu teor original foi deturpado pelo relator, o deputado conservador Pastor Eurico (PL-PE).

Agora, a proposta do Pastor Eurico é de incluir um parágrafo no Artigo 1.521 do Código Civil, que prevê os casos em que o casamento é proibido no Brasil, com o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.

Segundo a justificativa utilizada pelo pastor e baseada em princípios religiosos, o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”. Ele ainda alega que a união homoafetiva é “contrária à verdade do ser humano”.

Do início ao fim da sessão, um grupo de ativistas e parlamentares em prol dos direitos LGBTQIA+, formado por nomes como Erika Hilton (PSOL-SP), Fábio Félix (PSOL-DF), Daiana Santos (PCdoB-RS), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, protestaram e fizeram pressão contra o projeto de lei.

A votação foi adiada e ainda não tem data prevista para ser retomada. Antes, a Comissão vai realizar audiências públicas para ouvir membros da sociedade civil sobre a pauta.

Erika Hilton é vítima de transfobia (de novo)

Ao longo das mais de duas horas, os parlamentares da oposição fizeram questão de não apenas atacar a comunidade LGBTQIA+ como um todo, mas também direcionaram ofensas transfóbicas a Erika Hilton.

O deputado Pastor Isidório de Santana Junior (Avante-BA), que se diz “ex-gay”, é militar aposentado e já defendeu a terapia de conversão, conhecida no Brasil como “cura gay”, em mais de uma ocasião, referiu-se à deputada trans com pronomes masculinos e direcionou a ela outras expressões de baixo calão.

“Respeitando o direito fantasioso de qualquer homem ou mulher querer fazer o que quiser com seu corpo, precisamos respeitar a nossa fé”, disse o pastor, afirmando também que “homem nasce homem e mulher nasce mulher” etc. A fala foi rebatida tanto pela deputada quanto por outros parlamentares presentes, o que fez a sessão ser interrompida.

Essa não é a primeira vez que Erika Hilton, primeira travesti eleita deputada federal ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), sofre ataques dentro do Congresso.

Em março, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) fez um discurso repleto de falas transfóbicas enquanto Erika e Duda estavam presentes na sessão. No mês passado, o Conselho de Ética e Decoro da Câmara dos Deputados decidiu arquivar seu processo de cassação pelo episódio. No mesmo dia, ele voltou a atacar a população LGBTQIA+ durante uma sessão com a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Direito ao casamento homoafetivo no Brasil

Ainda em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que as relações homoafetivas (entre pessoas do mesmo gênero) podem ser equiparadas às uniões estáveis entre homens e mulheres e, portanto, constituem núcleo familiar.

A decisão foi reforçada dois anos depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando este determinou que todos os cartórios do país são obrigados a oficializar casamentos homoafetivos.

A expectativa é de que o projeto de lei discutido nesta terça seja eventualmente aprovado na Comissão, considerada uma das mais conservadoras da Câmara e dominada por parlamentares da Bancada Evangélica.Mas apesar da afronta aos direitos constitucionais de casais LGBTQIA+, já reconhecidos pelo STF e pelo CNJ, o texto dificilmente será transformado em lei.

Isso porque, mesmo que seja aprovado pela CPASF, o projeto ainda vai seguir em discussão na Câmara, onde ainda precisa ser aprovado pelas comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justiça (CCJ). Ele só será encaminhado ao Senado se passar pelos dois colegiados.

“Se passar (na Comissão), cabe recurso ao Plenário. Se passar na Câmara, tem a CCJ do Senado e o veto presidencial. Se passar por tudo ou o Congresso derrubar o veto, barramos a lei no Supremo, inclusive por liminar”, explica o advogado Paulo Iotti, um dos responsáveis pela decisão do STF de incluir a LGBTfobia no crime de racismo.

Segundo ele, o projeto de lei “é uma afronta” e deve ser barrado ainda no Congresso. “Fora que Supremo e Judiciário, em geral, apreciam quando se tenta resolver extrajudicialmente, ao passo que os argumentos favoráveis ao projeto, na sua própria justificativa, são tão grosseiros e grotescos que isso fará o STF ver a motivação discriminatória se ele virar lei”, explica.

“Esse projeto de lei é um retrocesso inaceitável. É lamentável que o Congresso resolva agir e tomar decisões sobre a temática para retirar esse direito que já foi reconhecido e incorporado à sociedade”, diz a advogada Luanda Pires.

Para a especialista em Direito Antidiscriminatório, os argumentos do relator Pastor Eurico são “chocantes” e configuram discurso de ódio quando categoriza pessoas LGBTQIA+ como anti-naturais e párias sociais. “O PL é inconstitucional porque fere princípios, como o da discriminação, da dignidade humana, o direito à intimidade e à proteção de todas as famílias. É muito grave que isso aconteça.”

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